Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal |
Marcela Rocha
O ex-ativista Cesare Battisti pode cobrar do Estado brasileiro uma fatura pelo seu encarceramento. Por seis votos a três, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou nesta quarta-feira (8) sua liberdade imediata. Segundo explica o ministro Marco Aurélio Mello, o italiano pode questionar sua permanência na prisão em dois períodos, entre a concessão e a efetiva liberação, e quando foi considerado refugiado.
- É inconcebível que uma pessoa, com a qualificação de refugiada, esteja presa pelo motivo que deu margem ao pedido de extradição no Brasil. E são esses dois períodos os questionáveis. A responsabilidade civil, que é do particular, ainda engatinha no Brasil. Pouco a pouco caminhamos - avaliou o ministro, sem adiantar sua opinião sobre uma eventual cobrança do ex-ativista.
A maior parte dos ministros - vencidos Gilmar Mendes, Ellen Gracie e o presidente, Cezar Peluso - entendeu que não cabe nem ao Supremo nem ao governo da Itália contestar uma decisão "soberana" do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tomada no último dia de seu governo, em dezembro de 2010. Lula se posicionou contra a extradição de Battisti. Os ministros Dias Toffoli e Celso de Mello se declaram impedidos e não participaram da análise dos processos.
Ex-integrante da organização Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), Battisti foi condenado na Itália à prisão perpétua por quatro assassinatos, ocorridos no final da década de 1970. O italiano nega as acusações.
Confira a entrevista:
Terra Magazine - Em primeiro lugar, o senhor poderia avaliar a decisão do STF?
Marco Aurélio Mello - Em primeiro lugar, prevaleceu a separação dos Poderes, quando nós não admitimos em si a reclamação do Estado italiano. Também tivemos o envolvimento de um ato de um Estado estrangeiro em função de um ato político do Estado brasileiro, do ex-presidente da República. Na extradição, quando apreciamos e concluímos que realmente o pedido se enquadra na Legislação, nós simplesmente declaramos a legitimidade desse pedido.
Marco Aurélio Mello - Em primeiro lugar, prevaleceu a separação dos Poderes, quando nós não admitimos em si a reclamação do Estado italiano. Também tivemos o envolvimento de um ato de um Estado estrangeiro em função de um ato político do Estado brasileiro, do ex-presidente da República. Na extradição, quando apreciamos e concluímos que realmente o pedido se enquadra na Legislação, nós simplesmente declaramos a legitimidade desse pedido.
Tivemos algo inusitado que foi o fato de um governo estrangeiro impugnar o ato da Presidência da República.
Sim, um ato que tem contornos essencialmente políticos, porque quem conduz o relacionamento com Estados estrangeiros é o presidente da República. A nossa decisão é conclusiva quanto a legitimidade, ela não obriga, ela é apenas declaratória. Quando ela é negativa, o presidente não pode atuar, entregando o estrangeiro. Ele pode até expulsar o estrangeiro, mas isso é outra coisa.
Sim, um ato que tem contornos essencialmente políticos, porque quem conduz o relacionamento com Estados estrangeiros é o presidente da República. A nossa decisão é conclusiva quanto a legitimidade, ela não obriga, ela é apenas declaratória. Quando ela é negativa, o presidente não pode atuar, entregando o estrangeiro. Ele pode até expulsar o estrangeiro, mas isso é outra coisa.
Houve um conflito de competências? Quem decide é o presidente ou o STF?
Evidentemente, vem da Constituição federal, a integração dos Poderes e a harmonia entre eles. E ainda a Constituição é quem define as áreas de atuação. Ressalto muito que nós não poderíamos nos substituir ao presidente da República, procedendo no campo da política internacional. Não houve desrespeito à decisão, tanto é que seis ministros assim concluíram.
Evidentemente, vem da Constituição federal, a integração dos Poderes e a harmonia entre eles. E ainda a Constituição é quem define as áreas de atuação. Ressalto muito que nós não poderíamos nos substituir ao presidente da República, procedendo no campo da política internacional. Não houve desrespeito à decisão, tanto é que seis ministros assim concluíram.
Essa foi uma decisão que desagradou muito o Estado italiano. O senhor acredita que a presidente Dilma herda uma crise diplomática?
Eu gostaria de saber como a Itália procederia se fosse o inverso. Se o Estado brasileiro pretendesse uma entrega de um nacional brasileiro, que lá estivesse e gozasse de um ato do governo italiano de permanência no próprio Estado. Será que eles defeririam na entrega? Será que eles procederiam a entrega? Penso que não.
Eu gostaria de saber como a Itália procederia se fosse o inverso. Se o Estado brasileiro pretendesse uma entrega de um nacional brasileiro, que lá estivesse e gozasse de um ato do governo italiano de permanência no próprio Estado. Será que eles defeririam na entrega? Será que eles procederiam a entrega? Penso que não.
A Itália afirmou que pretende levar o caso ao Tribunal de Haia. O que o senhor pensa a respeito?
Aí, atuará considerando-se os dois Estados, não o Supremo em si. No cenário internacional, temos o Estado representando o Brasil, não o Supremo.
Aí, atuará considerando-se os dois Estados, não o Supremo em si. No cenário internacional, temos o Estado representando o Brasil, não o Supremo.
Há um desgaste?
Vamos aguardar. Na Inglaterra, a Câmara dos Lordes concluiu pela entrega do general Augusto Pinochet (ditador chileno) ao governo da Espanha e o Poder Executivo não procedeu essa entrega. E não houve a pressão contra o Executivo inglês. O mesmo ocorreu na França, relativamente a um ativista da época de Battisti, em que também se implementou um asilo e não houve essa pressão toda. O fato de se ter a pressão em si sinaliza que há um conteúdo emotivo muito grande na busca pela entrega de Battisti.
Vamos aguardar. Na Inglaterra, a Câmara dos Lordes concluiu pela entrega do general Augusto Pinochet (ditador chileno) ao governo da Espanha e o Poder Executivo não procedeu essa entrega. E não houve a pressão contra o Executivo inglês. O mesmo ocorreu na França, relativamente a um ativista da época de Battisti, em que também se implementou um asilo e não houve essa pressão toda. O fato de se ter a pressão em si sinaliza que há um conteúdo emotivo muito grande na busca pela entrega de Battisti.
Em que medida esse conteúdo emotivo é prejudicial ou deve ser levado em conta nos próximos passos?
Nós não podemos nos deixar sensibilizar por paixões. Nós temos que tornar prevalente a Constituição Federal.
Nós não podemos nos deixar sensibilizar por paixões. Nós temos que tornar prevalente a Constituição Federal.
É o fim da novela Battisti?
Sim, sim, finalmente teve fim. Depois de quatro anos de custódia. Evidentemente, prevaleceu a presunção do direito.
Sim, sim, finalmente teve fim. Depois de quatro anos de custódia. Evidentemente, prevaleceu a presunção do direito.
O ex-ativista poderia cobrar do Estado brasileiro o período em que esteve preso?
Isso é uma matéria em aberto porque houve, de início, um móvel para a prisão, previsto em Lei, que seria a entrega. A entrega só foi frustrada agora com a concessão da permanência no Brasil, feita pelo ex-presidente Lula. Esse período da concessão até a liberação é que ele pode questionar. Anteriormente, teve outro período em que ele deveria ter sido solto, o do refúgio. É inconcebível que uma pessoa, com a qualificação de refugiada, esteja presa pelo motivo que deu margem ao pedido de extradição no Brasil. E são esses dois períodos os questionáveis. A responsabilidade civil, que é do particular, ainda engatinha no Brasil. Pouco a pouco caminhamos.
Isso é uma matéria em aberto porque houve, de início, um móvel para a prisão, previsto em Lei, que seria a entrega. A entrega só foi frustrada agora com a concessão da permanência no Brasil, feita pelo ex-presidente Lula. Esse período da concessão até a liberação é que ele pode questionar. Anteriormente, teve outro período em que ele deveria ter sido solto, o do refúgio. É inconcebível que uma pessoa, com a qualificação de refugiada, esteja presa pelo motivo que deu margem ao pedido de extradição no Brasil. E são esses dois períodos os questionáveis. A responsabilidade civil, que é do particular, ainda engatinha no Brasil. Pouco a pouco caminhamos.
Caso ele entrasse com esse processo pelo encarceramento...
Por esses dois períodos, seria algo para se discutir. No entanto, não posso levantar meu ponto de vista sem que haja, de fato, um processo. No restante, a lei autoriza a prisão.
Por esses dois períodos, seria algo para se discutir. No entanto, não posso levantar meu ponto de vista sem que haja, de fato, um processo. No restante, a lei autoriza a prisão.
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