Ou seja: na Europa, o povo puniu a centro-esquerda (que estava no poder) pela falta de crescimento econômico. Na América do Sul, crescimento só não basta – como mostraram os peruanos.
por Rodrigo Vianna
Em Portugal, o Partido Socialista sofreu uma derrota histórica nesse fim-de-semana. Segue a trilha do PSOE espanhol – derrotado pelos conservadores nas eleições locais, prenúncio do que deve ocorrer nas eleições nacionais. Portugal e Espanha têm em comum a crise econômica, o desemprego (mais dramático em terras espanholas) e o fato de serem governados há vários anos por agremiações de centro-esquerda (que, no poder, assumiram a receita do FMI pra “recuperar” a economia). Diante da crise, o povo pensou: entre o conservador de verdade e o de mentirinha, fico com o original!
A crise econômica deve empurrar a Europa mais pra direita (com exceção, talvez, da Itália – onde um Berlusconi desgastado por cafajestices sem fim pode ser derrotado pela centro-esquerda). Cresce o dircurso contra o imigrante, cresce o nacionalismo conservador – que tantos males já provocou no velho continente.
Quase ao mesmo tempo, a América do Sul dá mais um passo para a esquerda – ainda que moderada. No Peru, Ollanta Humala venceu a filha de Fujimori, numa eleição duríssima! O curioso: a economia peruana cresce sem parar há uma década. Mas a economia não foi suficiente para que o povão votasse em candidatos associados ao programa liberal de Toledo e Alan Garcia (os dois últimos presidentes). Venceu Ollanta, nacionalista de esquerda, que moderou o discurso durante a campanha e, na reta final, conquistou até o apoio do genial escritor (e conservador) Mario Vargas Llosa.
Ou seja: na Europa, o povo puniu a centro-esquerda (que estava no poder) pela falta de crescimento econômico. Na América do Sul, crescimento só não basta – como mostraram os peruanos.
Os “mercados” tentarão domar Ollanta nos próximos meses. Ele terá mesmo que assumir compromissos com a classe média que rejeita o “chavismo”. Mas não pode esquecer que só chegou ao poder porque os peruanos consideram crescimento, por si só, insuficiente. O Peru – desde Fujimori – reduziu direitos trabalhistas, massacrou sindicatos, encurralou movimentos sociais. A vitória de Ollanta é um sinal de que o país precisa criar programas sociais que signifiquem redução da miséria, distribuição de renda, respeito ao trabalhador.
É por isso que Ollanta tentou se apresentar mais na linha de Lula do que na linha de Chavez (apesar da história pessoal dele, ex-militar, ser muito mais parecida com a do venezuelano).
O resultado das eleições no Peru (e também na Europa) é um sinal importante para o governo Dilma. O povo quer crescimento, claro. E a gestão da economia parece ser das (poucas?) áreas em que Dilma não cedeu às pressões conservadoras. Os “analistas” liberais bombardearam Mantega e o Banco Central no início do ano. A equipe econômica não cedeu. Aumentou juros de forma muito moderada, adotou outras medidas (“macroprudenciais”) e conseguiu conter a inflação sem sufocar a economia.
Isso é importante para Dilma. Decisivo até, eu diria. Se o governo tivesse errado a mão, poderíamos ter um crescimento em 2011 próximo de 2,5%. E tudo leva a crer que o Brasil – com Mantega e o BC firmes, sem ceder ao conservadorismo dos analistas e colunistas - vai seguir rodando a 4% ou 4,5%.
Mas crescimento apenas não basta. E esse é o recado que vem dos peruanos.
É preciso, claro, manter as políticas sociais que vêm de Lula! E é preciso – sobretudo – notar a nova tendência que vem de Belo Monte, dos bombeiros do Rio, dos professores e ferroviários: se o Brasil cresce (e se temos um governo popular), queremos dividir esse bolo, queremos viver melhor, ganhar mais!
Nada de anormal: na hora do crescimento, trabalhadores sentem-se mais fortes para reivindicar. Pancada em bombeiros que querem ganhar mais não resolve!
O lulismo (e especialmente alguns de seus aliados, na gigantesca coalizão) parecem não se dar conta de que algo começa a se mover na sociedade brasileira. A paz social dos anos Lula pode se romper diante de tantas demandas.
É cedo pra dizer que os movimentos sociais voltam à ofensiva – depois de anos e anos no banho-maria. Mas os sinais, aqui e ali, são claros: pra muita gente no Brasil, os ganhos (reais) advindos do lulismo são agora fato consumado. São o patamar, o piso. O brasileiro quer mais que isso.
Dilma e os aliados estão preparados pra lidar com isso? Não adianta acreditar que “crescimento” vai resolver tudo. E a eleição no Peru mostra isso.
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