do TERRA MAGAZINE
Claudio Leal
Billy Blanco, músico e arquiteto, precursor da Bossa Nova e mestre do carioquês, morreu na manhã desta sexta-feira, de parada cardíaca, no Rio de Janeiro. Compositor de "Tereza da Praia" e "Mocinho bonito", Billy foi entrevistado porTerra Magazine, em setembro de 2009, e deixou um conselho que não deixa de ser também um testamento de craque da canção popular: "Meu povo, haja o que houver, não pare de cantar!".Olha a banca do distinto.
***
Terno branco, vê lá, lenço vermelho: o Billy Blanco. Neste domingo, 23 de agosto de 2009, os galhos da Praça da Sé se contorcem em cinza e o frio bate fino no rosto do cavalheiro de 85 anos, em São Paulo. Ele caminha no Centro Cultural da Caixa Econômica, onde fará um show com a cantora Dóris Monteiro, e sente-se acossado por fãs - os mesmos e surrados das duas noites anteriores.
Billy percebe a aproximação dos caçadores de autógrafos, determinados a valorizar velhos LPs com a assinatura do autor de "Tereza da Praia" e "Mocinho Bonito". Todas as noites eles vêm com seus bolachões, gritam "Grande Billy Blanco!", cantarolam, e por fim levam a letra cursiva do compositor nas capas dos discos. De bengala - "minha quarta perna" -, Billy se esquiva do enxame, ruma para o camarim. Brota o primeiro "grande...!", mas ele corta a abordagem, enfezadíssimo:
- Começaram cedo hoje, hein?
A quarenta minutos do espetáculo, Billy Blanco bate a porta do camarim, cumprimenta Doris Monteiro e informa ao repórter:
- Não tem cadeira, você vai ter que ficar em pé. Vamos conversar.
Visto de cima, o bigode de Billy aumenta a gravidade das respostas, em geral sintéticas, finalizadas por aquele silêncio que insinua o pedido de "próxima pergunta". No show, o músico remanescente da Bossa Nova - falando sério, pré-bossanovista - reproduz essa celeridade ao cantar a "Sinfonia Paulistana":"Vambora, vambora, olha a hora...".
Bom humor ranheta, Billy Blanco relata aos espectadores como nasceu "A banca do distinto", música feita para a cantora Dolores Duran, sua ex-namorada, morta precocemente há cinquenta anos. Dolores contou-lhe a história de um bacana que frequentava seus shows no Beco das Garrafas, no Rio de Janeiro. De costas para o palco, ele bebia uísque no balcão e ordenava canções. Nunca apertava a mão de negros. Nem carregava a marmita. O garçom levava-lhe a embalagem até o carro. Depois de ouvir o perfil, Billy desfiou o samba:
"Não fala com pobre, não dá mão a preto
Não carrega embrulho
Pra que tanta pose, doutor
Pra que esse orgulho..."
Esta foi a única canção que compôs para Dolores Duran, recorda-se. Guarda o sabor da passagem da compositora pela música brasileira:
- Foi a primeira mulher que realmente apareceu. Depois veio Suely Costa... Mas a Dolores inovou em matéria de letra e música.
Nesta entrevista a Terra Magazine, Billy Blanco fala sobre os parceiros e amigos Tom Jobim, Baden Powell e Wilson Simonal. Com elegância, afasta a coroa de herdeiro de Noel Rosa.
- Não me sinto herdeiro de ninguém. Eu faço a música que eu sinto. Eu apreciava, quando eu era garoto, porque escutava no rádio, em Belém, muita música do Noel Rosa.
Desencantado com a política, o músico paraense fulmina:
- Só tem ladrão. Muito difícil compor qualquer música com a política atual.
Bem, faltou arrancar a versão sacana de "Tereza da Praia", sua parceria com Tom Jobim. Mas, entenda o motivo do distinto: a esposa, Ruth, proibiu-o de cantá-la em público. Capaz de justificar uma surra. Ainda assim... Grande Billy!
Terra Magazine - Dá pra manter a quantidade shows?
Billy Blanco - Normal. Como a de qualquer jovem. Eu, com 86 anos, estou fazendo shows normalmente. Estou indo aos Estados, fazendo shows no Rio de Janeiro, em Brasília.
E as composições?
Continuo. Eu vivo disso. É minha vida, compor. Deixei a arquitetura há 20 anos e fiquei só com a música.
No Brasil, há muitos arquitetos que viraram grandes músicos...
Próprio da arquitetura. Porque a arquitetura, segundo Goethe, é música petrificada. Isso tem alguma conotação porque a harmonia da arquitetura se coaduna com a harmonia da música. A música sem harmonia não quer dizer nada.
A letra vem primeiro?
Às vezes sai junto, letra e música. Às vezes faço a letra e ponho a música. Varia. Não é rígido.
No caso da "Sinfonia do Rio de Janeiro", procede a história de que a letra veio quando o senhor estava num lotação, na Av. Atlântica?
É. Estava saindo de um hotel, entrei no botequim, porque não queria esquecer a letra. Eu não escrevia música nesse tempo. Telefonei pro Tom (Jobim): "Tom, toma nota aí". Ele tomou nota da melodia e da letra, e falou: "Vem pra cá". Ele perguntou: "O que quer dizer isso?". Falei: "Eu quero fazer uma suíte do Rio de Janeiro, como Mel Tormé fez, nos Estados Unidos, a Suíte Califórnia". Ele gostou da ideia, começamos a fazer.
Pra gravar, houve muita dificuldade, pela dimensão?
Eram onze músicas e um tema, não tinha gente capaz pra isso. Até que apareceu: resolveram fazer uma gravação usando todo o cast da Continental. Foi feita a música.
Eram onze músicas e um tema, não tinha gente capaz pra isso. Até que apareceu: resolveram fazer uma gravação usando todo o cast da Continental. Foi feita a música.
O senhor veio de Belém...
Mas não tenho culpa nenhuma. Não tenho culpa de ter tido esse privilégio!
Mas não tenho culpa nenhuma. Não tenho culpa de ter tido esse privilégio!
Qual a memória que o senhor tem hoje de Belém?
Eu vim de lá com 19 anos. Mas eu faço músicas, faço paródias desde os 12 anos. Vim pra São Paulo, comecei a fazer algumas músicas, depois vim pro Rio, me firmei.
Eu vim de lá com 19 anos. Mas eu faço músicas, faço paródias desde os 12 anos. Vim pra São Paulo, comecei a fazer algumas músicas, depois vim pro Rio, me firmei.
Em 2009 faz 50 anos que Dolores Duran morreu. O senhor sempre se refere a ela nos shows. Como analisa a passagem de Dolores pela música popular?
Fui namorado dela. Eu era solteiro. Foi uma passagem importante, porque foi a primeira mulher que realmente apareceu. Depois veio Suely Costa, muito boa também. Mas a Dolores inovou em matéria de letra e música. Ela e o (J.) Ribamar. Fizeram coisas belíssimas e marcaram a música brasileira.
Fui namorado dela. Eu era solteiro. Foi uma passagem importante, porque foi a primeira mulher que realmente apareceu. Depois veio Suely Costa, muito boa também. Mas a Dolores inovou em matéria de letra e música. Ela e o (J.) Ribamar. Fizeram coisas belíssimas e marcaram a música brasileira.
O senhor fez quantas composições pra ela?
Não, eu fiz "A Banca do Distinto", baseado no fato que ela me disse que aconteceu certa vez na boate dela, com um freguês. Então fiz "A Banca do Distinto".
Não, eu fiz "A Banca do Distinto", baseado no fato que ela me disse que aconteceu certa vez na boate dela, com um freguês. Então fiz "A Banca do Distinto".
Como é sua relação com o Rio de Janeiro? Continua a circular?
Continuo circulando o Rio de Janeiro inteiro, faço show em toda parte...
Continuo circulando o Rio de Janeiro inteiro, faço show em toda parte...
Como vê a degradação urbana da cidade?
É uma pena que esteja havendo muita violência, muito descaso pela cidade. O prefeito que entrou (Eduardo Paes) não tá ajudando em nada. Não tá inovando, não tá ajudando. A gente vai aguentando porque é brasileiro e carioca de coração. Me deram lá a medalha de cidadão carioca, como me deram a de paulista.
É uma pena que esteja havendo muita violência, muito descaso pela cidade. O prefeito que entrou (Eduardo Paes) não tá ajudando em nada. Não tá inovando, não tá ajudando. A gente vai aguentando porque é brasileiro e carioca de coração. Me deram lá a medalha de cidadão carioca, como me deram a de paulista.
E a evolução urbana de São Paulo?
A evolução do Estado organizado, sempre sabendo o que quer e sempre ditando norma pro Brasil inteiro. São Paulo é uma cidade perfeita, que eu amo, como disse na música.
A evolução do Estado organizado, sempre sabendo o que quer e sempre ditando norma pro Brasil inteiro. São Paulo é uma cidade perfeita, que eu amo, como disse na música.
Musicalmente, o senhor se sente um pouco herdeiro de Noel Rosa?
Não me sinto herdeiro de ninguém. Eu faço a música que eu sinto. Eu apreciava, quando eu era garoto, porque escutava no rádio, em Belém, muita música do Noel Rosa. Gostava muito dele. Sempre gostei. Mas não quer dizer que eu queira imitá-lo ou parecer com ele.
Não me sinto herdeiro de ninguém. Eu faço a música que eu sinto. Eu apreciava, quando eu era garoto, porque escutava no rádio, em Belém, muita música do Noel Rosa. Gostava muito dele. Sempre gostei. Mas não quer dizer que eu queira imitá-lo ou parecer com ele.
Incomoda também ser visto como uma cronista do Rio?
Não me vejo. De vez em quando faço uma música que fala das coisas boas do Rio, das mazelas do Rio, dos tipos estranhos do Rio. Enfim, eu canto a vida. Eu canto o amor e a vida.
Não me vejo. De vez em quando faço uma música que fala das coisas boas do Rio, das mazelas do Rio, dos tipos estranhos do Rio. Enfim, eu canto a vida. Eu canto o amor e a vida.
Como tem sido a presença atual da Bossa Nova?
É uma evolução da música brasileira. Nós começamos com o maxixe, com o tango, fomos evoluindo e agora chegou a época da Bossa Nova. Nosso ritmo que veio pra ficar.
É uma evolução da música brasileira. Nós começamos com o maxixe, com o tango, fomos evoluindo e agora chegou a época da Bossa Nova. Nosso ritmo que veio pra ficar.
O que o senhor acompanha da música brasileira e vê como inovação?
Tem muita coisa ruim, mas tem muita coisa boa. Tem alguns cantores bons, tem também muitos compositores bons. Mas o que está aparecendo na mídia aí é a porcaria, é o lixo da música brasileira.
Tem muita coisa ruim, mas tem muita coisa boa. Tem alguns cantores bons, tem também muitos compositores bons. Mas o que está aparecendo na mídia aí é a porcaria, é o lixo da música brasileira.
Qual tipo?
Não é de ninguém, não tem título, não tem nada. Em geral, só se escuta no rádio coisas horríveis.
Não é de ninguém, não tem título, não tem nada. Em geral, só se escuta no rádio coisas horríveis.
Voltando à "Sinfonia do Rio de Janeiro", o senhor teve a ideia original, mas o Tom...
Fizemos juntos. Temos 16 músicas juntos, fomos amigos.
Fizemos juntos. Temos 16 músicas juntos, fomos amigos.
Sente falta dessas amizades da Bossa Nova?
Todas elas. Do Baden (Powell), do Tom, porque eram pessoas muito queridas e muito amigas, muito competentes, dava gosto trabalhar com eles e ver o que eles faziam também.
Todas elas. Do Baden (Powell), do Tom, porque eram pessoas muito queridas e muito amigas, muito competentes, dava gosto trabalhar com eles e ver o que eles faziam também.
E do Vinicius de Moraes?
Eu não tinha muita presença nas coisas do Vinicius. Eu conheci o Vinicius superficialmente.
Eu não tinha muita presença nas coisas do Vinicius. Eu conheci o Vinicius superficialmente.
Mantém contato com João Gilberto?
Muito pouco, muito pouco.
Muito pouco, muito pouco.
O senhor tem algum projeto de disco novo?
A gente sempre está. Tô esperando uma oportunidade pra gravar uma coisa séria, minha, inclusive a nova suíte, que é "Alagoas". Tô com ela aí pra completar o ciclo das sinfonias, como chamam.
A gente sempre está. Tô esperando uma oportunidade pra gravar uma coisa séria, minha, inclusive a nova suíte, que é "Alagoas". Tô com ela aí pra completar o ciclo das sinfonias, como chamam.
Numa de suas músicas, o senhor fala do samba com "telecoteco". Jayme Ovalle dizia isso, Cyro Monteiro também falava em "telecoteco", se falava muito nisso. O que é um samba com telecoteco?
Telecoteco é uma maneira de tocar o samba, vem de um instrumento, o tamborim. E a expressão telecoteco já foi usada pelo Ary Barroso, todo mundo usou. Uma expressão qualquer. Conheci Ary Barroso, me dei muito com ele.
Telecoteco é uma maneira de tocar o samba, vem de um instrumento, o tamborim. E a expressão telecoteco já foi usada pelo Ary Barroso, todo mundo usou. Uma expressão qualquer. Conheci Ary Barroso, me dei muito com ele.
Pixinguinha, Billy e Ary Barroso
Wilson Simonal foi dos seus maiores intérpretes...
Foi um grande amigo meu.
Foi um grande amigo meu.
Viu o documentário sobre ele no cinema?
Não, não.
Não, não.
Como o senhor se posiciona em relação às acusações contra ele, da época da ditadura militar?
É tudo mentira. Tudo invencionice. Aproveitaram-se do sucesso dele e da categoria dele pra botar na boca do rapaz as coisas que ele não disse. Não é nada disso do que tão falando por aí.
É tudo mentira. Tudo invencionice. Aproveitaram-se do sucesso dele e da categoria dele pra botar na boca do rapaz as coisas que ele não disse. Não é nada disso do que tão falando por aí.
Depois do episódio, continuou mantendo contato com ele?
Continuei amigo dele. Ele não perdia show meu. Ele foi prejudicado pelos acontecimentos.
Continuei amigo dele. Ele não perdia show meu. Ele foi prejudicado pelos acontecimentos.
No show, o senhor se comoveu ao cantar. Li que se comove muito fácil. Sua mulher diz que vê o senhor se emocionar com as artes plásticas. Se considera um emotivo?
Sou muito emotivo. Sofro muito com os acontecimentos gerais no Brasil. A minha música, "Canto Livre", que foi feita durante a Revolução (golpe de 64), uma das razões de eu ter sido preso. Me emociona sempre que eu canto. Por isso eu tenho a dizer que me orgulho disso.
Sou muito emotivo. Sofro muito com os acontecimentos gerais no Brasil. A minha música, "Canto Livre", que foi feita durante a Revolução (golpe de 64), uma das razões de eu ter sido preso. Me emociona sempre que eu canto. Por isso eu tenho a dizer que me orgulho disso.
Hoje a política brasileira lhe toca, pra compor alguma coisa?
Só tem ladrão. Muito difícil compor qualquer música com a política atual.
Só tem ladrão. Muito difícil compor qualquer música com a política atual.
O senhor tem uma versão mais sacana de "Tereza da Praia"?
É, mas eu não posso dizer. Posso dizer o seguinte: meu povo, haja o que houver, não pare de cantar!
É, mas eu não posso dizer. Posso dizer o seguinte: meu povo, haja o que houver, não pare de cantar!
Postar um comentário
-Os comentários reproduzidos não refletem necessariamente a linha editorial do blog
-São impublicáveis acusações de carácter criminal, insultos, linguagem grosseira ou difamatória, violações da vida privada, incitações ao ódio ou à violência, ou que preconizem violações dos direitos humanos;
-São intoleráveis comentários racistas, xenófobos, sexistas, obscenos, homofóbicos, assim como comentários de tom extremista, violento ou de qualquer forma ofensivo em questões de etnia, nacionalidade, identidade, religião, filiação política ou partidária, clube, idade, género, preferências sexuais, incapacidade ou doença;
-É inaceitável conteúdo comercial, publicitário (Compre Bicicletas ZZZ), partidário ou propagandístico (Vota Partido XXX!);
-Os comentários não podem incluir moradas, endereços de e-mail ou números de telefone;
-Não são permitidos comentários repetidos, quer estes sejam escritos no mesmo artigo ou em artigos diferentes;
-Os comentários devem visar o tema do artigo em que são submetidos. Os comentários “fora de tópico” não serão publicados;