do BLOG PROJETO NACIONAL



Diz a lógica de mercado que um título pagará mais ou menos de juros conforme seja sua solidez, ou seja, a garantir de que o principal e os juros serão seguramente pagos.


Mas a lógica, em economia, nem sempre é direta assim.



O Brasil não precisaria pagar juros reais acima de 5% ao ano para captar dinheiro e se financiar, como ocorre com os títulos públicos. Tanto que, em julho deste ano, vendeu títulos em dólar no exterior, com prazo de dez anos, a uma taxa de juros anual de 4,18% . Isso, com uma inflação do dólar esperada (na época) ligeiramente superior a 2%, reduz-se praticamente à metade.


Ou seja, num mundo de juros frequentemente negativos, um belíssimo negócio, para o qual não faltaram compradores para a emissão.


Se o Tesouro brasileiro pode captar dinheiro mais barato lá fora, porque o BC coloca, então, nossas taxas de juros lá em cima?


Não é a lógica de mercado, mas o controle da inflação e a vulnerabilidade cambial de nossa economia.


Essa são as causas “técnica” da alta taxa de juros brasileira.


Do ponto de vista da captação de recursos, o Estado brasileiro poderia conviver perfeitamente com uma taxa na ordem de 8% ao ano, a qual, descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses, daria algo em torno de 2% ao mês. E se houvesse recusa dos tomadores de títulos no mercado interno (embora parte deles seja por estrangeiros), captar externamente. Aliás, em matéria de recursos externos, o Brasil tem captado recursos não-financeiros em grande escala, como revelou um relatório da ONU, divulgado esta semana, que nos coloca como segundo maior destino de investimentos, com uma entrada líquida de US$ 32,5 bilhões, inferior apenas à da China, que somou o dobro disso.


Mas não são, infelizmente, assim tão simples as coisas.
Primeiro, custou muito ao Brasil diminuir a sua exposição – que ainda é grande – aos riscos cambiais, numa época em que o valor do dólar – ainda reitor do sistema de trocas comerciais e financeiras do mundo – é extremamente volátil.


Uma dívida em dólar, vantajosa em épocas de valorização do real ante a moeda americana pode, deuma hora para outra, tornar-se um pesadelo com uma onda de crise que leve as finanças globais a refugiarem-se neste valor referencial. As empresas brasileiras que tomaram muito dinheiro em dólar antes da crise de 2008 chegaram, algumas, à beira da insolvência com a súbita valorização da moeda americana


Há vários anos, de forma seletiva, o Tesouro vem buscando reduzir esta exposição. Em 2003, a parcela da dívida externa na dívida pública total era de perto de 25% e hoje, como você vê na tabela, está abaixo de 5%. O mesmo aconteceu com a parcela dos títulos indexados em dólar, que respondia, ao final de 2003, por 32,4% do total da dívida e hoje têm uma participação inexpressiva entre os títulos da dívida interna.


A segunda razão que, num conceito cada vez mais discutido, impede a baixa de juros é um processo que a gente não sabe se é lá tão verdadeiro assim, que é o fato de que uma taxa pública de juros alta retiraria dinheiro do mercado, restringiria o crédito e, por conseguinte, dificultaria o consumo das famílias e os investimentos não-financeiros das empresas. Portanto, com menos dinheiro em circulação, comprar seja mais difícil e, sendo assim, os preços subiriam menos.


Lógico que se as taxas fossem reduzidas a zero, o prazo dos financiamentos fosse ampliado exponencialmente e se pudesse comprar qualquer coisa assim, o consumo explodiria. Mas ninguém está falando disso, mas de quedas de um, dois ou três por cento em uma taxa básica de juros, contra juros de crediário que quase nunca ficam abaixo de 30% para empresas e 40% para os consumidores em geral, salvo em bens de consumo duráveis, como automóveis, que permitem com certa facilidade a recuperação do crédito em caso de inadimplência.


Embora no “manual” a elevação dos juros corresponda a uma queda de consumo – e vice-versa, no caso de uma redução – o efeito da fixação da taxa de juros pública, pela lentidão com que ele se espalha no mundo do consumo real sugere que ele tenha – fora do mundo financeiro- muito mais impacto sobre as expectativas econômicas (e daí sobre as decisões de consumo e investimento) do que sobre a atividade propriamente dita.


Os juros altos, na prática, têm se mostrado mais do que qualquer coisa uma trava no desejo de crescimento deste país. Uma espécie de freio nos dentes de um cavalo fogoso, que tenta domá-lo.


O problema é que este freio nos “machuca” em algo em torno de um terço de tudo o que o Estado brasileiro arrecada. Na verdade, a nossa necessidade líquida de financiamento, se pudessemos isolar o endividamento anterior, é negativa. Embora os comentaristas vivam defendendo cortes orçamentários para que “o governo gaste menos do que arrecada” é isso o que estamos fazendo há uma década – o famoso superávit primário – sem que o endividamento diminua, em razão da monstruosa carga de juros que dele decorre.


E aí voltamos ao início: pagamos os mesmos juros reais – senão maiores – que economias virtualmente quebradas, como a da Grécia, Itália, Portugal e Espanha.


Embora, neste mundo estagnado, sejamos uma das mais promissoras economias.


Nosso equilíbrio econômico está “sequestrado” pela necessidade de pagar as mais altas taxas de juros do planeta. As crises internacionais funcionam, portanto, como momentos em que o “carcereiro financeiro” tem de prestar atenção a seus próprios problemas e nos permite, lentamente, ir afrouxando as amarras.


O problema é que parte de nossa “elite” intelectual, que exerce, pela mídia e por setores da academia, ainda o remanescente poder do “pensamento único” está possuída daquela famosa “Síndrome de Estocolmo” e apaixonou-se pelo sequestrador.


Por: Fernando Brito

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