do Carta Maior
Terremoto em Berlim
Um dos principais jornais de Berlim destacou em sua manchete desta segunda-feira: "O novo Partido dos Trabalhadores da Alemanha". A chanceler Ângela Merkel, da União Democrata Cristã (UDC), num movimento surpreendente, se declarou favorável à criação de um salário mínimo na Alemanha. Foi um terremoto na própria coalizão do governo e também nos partidos da oposição. O Partido Social-Democrata reagiu como se Merkel estivesse "roubando" uma de suas bandeiras. O artigo é de Flávio Aguiar.
Flávio Aguiar - Correspondente da Carta Maior em Berlim
“O novo Partido dos Trabalhadores da Alemanha” – “Deutschlands neue Arbeiterpartei” – essa era a manchete de um dos principais jornais de Berlim nesta segunda-feira.
Qual era esse partido? A União Democrata Cristã, CDU, da chanceler Ângela Merkel! Bem, não todo o partido. Mas sim, de certo modo, a própria chanceler, que, num movimento surpreendente, no fim de semana se declarou favorável a criação de um salário mínimo (*) na Alemanha, nos moldes... brasileiros, isto é, válido para tudo e para todos.
Foi um terremoto. Primeiro, na própria coalizão do governo, que, além da CDU, compreende a União Social Cristã, da Baviera (CSU) e o FDP, Partido Liberal Democrático, definido sempre como “business friendly”, “pró-empresarial”. Na própria CDU houve quem ficasse de cabelo em pé.
Segundo, foi um terremoto nos maiores partidos da oposição, SPD, social-democrata, e Verdes. O SPD reagiu como se Merkel estivesse “roubando” uma de suas bandeiras. Os Verdes, por seu turno, ao final da eleição recente em Berlim também entraram a falar sobre o salário mínimo. Mas sublinhe-se que, quando formavam a coalizão governamental, na virada do século, não implementaram a proposta. Até agora só dois partidos defendiam claramente a proposta: a Linke, e... na eleição berlinense, o Partido Pirata que defendia também a idéia de uma renda mínima (é capaz do Senador Suplicy entrar para o Partido aqui na Europa) para os berlinenses, além de tarifa zero no transporte público.
Dá para perceber dois movimentos por detrás dessa proposta. No primeiro está o dedo da atual ministra do Trabalho da Alemanha, Úrsula van der Leyden. Embora da CDU, van der Leyden é considerada mais progressista do que muito político do SPD (o que não quer dizer necessariamente muito...). Tem desenvolvido programas significativos, sobretudo no que se refere às desigualdades de gênero.
No segundo está uma espécie de “roque de rainha” (dizer “do rei” não seria adequado, em se referindo à chanceler Merkel), aquele movimento do xadrez em que a principal peça do jogo se entrincheira atrás de uma barreira de torres e peões. Com o acordo alcançado na Zona do Euro sobre o corte na dívida grega e o aumento do Fundo Europeu para a Estabilidade do Euro, Merkel foi apontada como a grande vencedora desse movimento, com seu estilo “Mamãe de Ferro”, que “protege e dobra” ao mesmo tempo. “Acaudilhou” (desculpem o termo latino-americano...) atrás de si o presidente da França, Nicolas Sarkozy, os bancos, inclusive Josef Ackerman, do Deutsche Bank, o premiê Silvio Berlusconi, da Itália, e também a parte maior da oposição caseira, o SPD e os Verdes, que votaram na sua proposta no Bundestag, o Parlamento alemão. Apenas a Linke votou contra, argumentando que o atual pacote não mudava as regras e os pressupostos dos anteriores, nem mexia nas causas que levaram à crise. Houve outros rebeldes no FDP e na própria CDU/CSU que votaram contra também, mas nesse caso por razões de direita, anti-UE, ou anti-solidariedade internacional.
Ocorre que neste mesmo movimento, Merkel ficou apontada como muito próxima dos bancos, uma vez que, apesar dela tê-los convencido da necessidade de cortar a dívida grega pela metade, eles acabam sendo favorecidos pelo esforço de recapitalização que vem junto com o pacote.
Enquanto isso, o poder aquisitivo da população em geral está diminuindo. Não só na Grécia, onde o pacote de “austeridade” esmigalha direitos no Parlamento ou na porrada, nas ruas, mas também na Alemanha, onde a maré recessiva começa a esfarelar o salário dos menos favorecidos. Em conseqüência, apesar de seu sucesso internacional, se as eleições fossem hoje, Merkel veria a sua coligação ficar com apenas 33% dos votos, insuficientes para governar: 30% da CDU/CSU (**), 3% do combalido FDP, que ficaria fora do Bundestag, devido à cláusula de barreira de 5%.
Para medirmos a gravidade da situação, olhemos o exemplo de Berlim. A capital alemã tem uma população de cerca de 3,5 milhões de habitantes. 420 mil destes (12%, portanto) vivem em conjuntos habitacionais tipo os Cingapura, de São Paulo, isto é, condomínios públicos na periferia da cidade. A tendência é aumentar esse percentual, porque muitos habitantes pobres de bairros tradicionais como Neuköln e Kreuzberg, estão sendo desalojados pelo aumento dos aluguéis e a construção de condomínios particulares e ricos. Neuköln era um bairro proletário; Kreuzberg, de imigrantes pobres, sobretudo turcos.
Em ambos os casos, como os aluguéis e os preços de terrenos, edifícios e apartamentos eram baratos, houve uma invasão, primeiro, por estudantes, depois por empresários, novos ricos, e gente de fora que se transferiu para Berlim a partir do momento em que esta voltou a ser a capital, uma década atrás. Nessas regiões os preços foram catapultados em 20%, pelo menos, nos últimos tempos. E os habitantes menos favorecidos tiveram de ir para outros bairros mais distantes, onde os preços não mudaram tanto. Ou seja, não só a crise financeira e do euro está forjando uma periferia internacional na Europa (“sul x norte”) mas está também adensando uma periferia na rica Alemanha, como na capital. Claro que a situação não se compara à das pobrezas do Terceiro Mundo, mas enquanto nesse há nações e pobres que emergem esperançosamente, aqui há nações e gente que empobrecem desesperadamente.
Do ponto de vista da chanceler, um quadro nada favorável para quem aspira uma reeleição. Por outro lado, van der Leyden, a ministra do Trabalho, é apontada como uma possível sucessora de Merkel.
Portanto, salário mínimo neles!
(*) Não há salário mínimo na Alemanha. Há casos em que os acordos coletivos estabelecem um mínimo, que passa a ter força de lei. Mas isso vale para categorias fortes, como metalúrgicos, bancários, construção civil. No caso de categorias mais fragilizadas, ou trabalhadores isolados, vale “o mercado”. Em outros países na Europa, há salário mínimo. Em Portugal era 485 euros por mês, 14 vezes ao ano, na Espanha 641, também 14 vezes. Mas agora esses valores estão sendo pulverizados pela crise e pela “austeridade”, como na Grécia. Na Espanha e na Itália o salário mínimo é de 9 euros por hora trabalhada, o que dá, ao fim e ao cabo, e a seco, isto é, sem outras vantagens, um pouco mais do que mil euros por mês. Na sua proposta A. Merkel falou num salário mínimo de 6,89 euros por hora para o antigo Leste alemão e 7,79 para o antigo Oeste. Já, ao comentar o que considera um "plágio" pela CDU, o porta-voz no Parlamento do SPD, Sigmar Gabriel, defendeu 8,50 por hora.
(**) No sistema partidário alemão, CDU e CSU dividem territórios: a CSU só existe na Baviera, onde a CDU não tem sede nem filiados. Coisas da história alemã, em que a Baviera sempre gozou de uma certa autonomia, desde os enfrentamentos (até armados) entre ela e a Prússia, no século XIX.
Um dos principais jornais de Berlim destacou em sua manchete desta segunda-feira: "O novo Partido dos Trabalhadores da Alemanha". A chanceler Ângela Merkel, da União Democrata Cristã (UDC), num movimento surpreendente, se declarou favorável à criação de um salário mínimo na Alemanha. Foi um terremoto na própria coalizão do governo e também nos partidos da oposição. O Partido Social-Democrata reagiu como se Merkel estivesse "roubando" uma de suas bandeiras. O artigo é de Flávio Aguiar.
Flávio Aguiar - Correspondente da Carta Maior em Berlim
“O novo Partido dos Trabalhadores da Alemanha” – “Deutschlands neue Arbeiterpartei” – essa era a manchete de um dos principais jornais de Berlim nesta segunda-feira.
Qual era esse partido? A União Democrata Cristã, CDU, da chanceler Ângela Merkel! Bem, não todo o partido. Mas sim, de certo modo, a própria chanceler, que, num movimento surpreendente, no fim de semana se declarou favorável a criação de um salário mínimo (*) na Alemanha, nos moldes... brasileiros, isto é, válido para tudo e para todos.
Foi um terremoto. Primeiro, na própria coalizão do governo, que, além da CDU, compreende a União Social Cristã, da Baviera (CSU) e o FDP, Partido Liberal Democrático, definido sempre como “business friendly”, “pró-empresarial”. Na própria CDU houve quem ficasse de cabelo em pé.
Segundo, foi um terremoto nos maiores partidos da oposição, SPD, social-democrata, e Verdes. O SPD reagiu como se Merkel estivesse “roubando” uma de suas bandeiras. Os Verdes, por seu turno, ao final da eleição recente em Berlim também entraram a falar sobre o salário mínimo. Mas sublinhe-se que, quando formavam a coalizão governamental, na virada do século, não implementaram a proposta. Até agora só dois partidos defendiam claramente a proposta: a Linke, e... na eleição berlinense, o Partido Pirata que defendia também a idéia de uma renda mínima (é capaz do Senador Suplicy entrar para o Partido aqui na Europa) para os berlinenses, além de tarifa zero no transporte público.
Dá para perceber dois movimentos por detrás dessa proposta. No primeiro está o dedo da atual ministra do Trabalho da Alemanha, Úrsula van der Leyden. Embora da CDU, van der Leyden é considerada mais progressista do que muito político do SPD (o que não quer dizer necessariamente muito...). Tem desenvolvido programas significativos, sobretudo no que se refere às desigualdades de gênero.
No segundo está uma espécie de “roque de rainha” (dizer “do rei” não seria adequado, em se referindo à chanceler Merkel), aquele movimento do xadrez em que a principal peça do jogo se entrincheira atrás de uma barreira de torres e peões. Com o acordo alcançado na Zona do Euro sobre o corte na dívida grega e o aumento do Fundo Europeu para a Estabilidade do Euro, Merkel foi apontada como a grande vencedora desse movimento, com seu estilo “Mamãe de Ferro”, que “protege e dobra” ao mesmo tempo. “Acaudilhou” (desculpem o termo latino-americano...) atrás de si o presidente da França, Nicolas Sarkozy, os bancos, inclusive Josef Ackerman, do Deutsche Bank, o premiê Silvio Berlusconi, da Itália, e também a parte maior da oposição caseira, o SPD e os Verdes, que votaram na sua proposta no Bundestag, o Parlamento alemão. Apenas a Linke votou contra, argumentando que o atual pacote não mudava as regras e os pressupostos dos anteriores, nem mexia nas causas que levaram à crise. Houve outros rebeldes no FDP e na própria CDU/CSU que votaram contra também, mas nesse caso por razões de direita, anti-UE, ou anti-solidariedade internacional.
Ocorre que neste mesmo movimento, Merkel ficou apontada como muito próxima dos bancos, uma vez que, apesar dela tê-los convencido da necessidade de cortar a dívida grega pela metade, eles acabam sendo favorecidos pelo esforço de recapitalização que vem junto com o pacote.
Enquanto isso, o poder aquisitivo da população em geral está diminuindo. Não só na Grécia, onde o pacote de “austeridade” esmigalha direitos no Parlamento ou na porrada, nas ruas, mas também na Alemanha, onde a maré recessiva começa a esfarelar o salário dos menos favorecidos. Em conseqüência, apesar de seu sucesso internacional, se as eleições fossem hoje, Merkel veria a sua coligação ficar com apenas 33% dos votos, insuficientes para governar: 30% da CDU/CSU (**), 3% do combalido FDP, que ficaria fora do Bundestag, devido à cláusula de barreira de 5%.
Para medirmos a gravidade da situação, olhemos o exemplo de Berlim. A capital alemã tem uma população de cerca de 3,5 milhões de habitantes. 420 mil destes (12%, portanto) vivem em conjuntos habitacionais tipo os Cingapura, de São Paulo, isto é, condomínios públicos na periferia da cidade. A tendência é aumentar esse percentual, porque muitos habitantes pobres de bairros tradicionais como Neuköln e Kreuzberg, estão sendo desalojados pelo aumento dos aluguéis e a construção de condomínios particulares e ricos. Neuköln era um bairro proletário; Kreuzberg, de imigrantes pobres, sobretudo turcos.
Em ambos os casos, como os aluguéis e os preços de terrenos, edifícios e apartamentos eram baratos, houve uma invasão, primeiro, por estudantes, depois por empresários, novos ricos, e gente de fora que se transferiu para Berlim a partir do momento em que esta voltou a ser a capital, uma década atrás. Nessas regiões os preços foram catapultados em 20%, pelo menos, nos últimos tempos. E os habitantes menos favorecidos tiveram de ir para outros bairros mais distantes, onde os preços não mudaram tanto. Ou seja, não só a crise financeira e do euro está forjando uma periferia internacional na Europa (“sul x norte”) mas está também adensando uma periferia na rica Alemanha, como na capital. Claro que a situação não se compara à das pobrezas do Terceiro Mundo, mas enquanto nesse há nações e pobres que emergem esperançosamente, aqui há nações e gente que empobrecem desesperadamente.
Do ponto de vista da chanceler, um quadro nada favorável para quem aspira uma reeleição. Por outro lado, van der Leyden, a ministra do Trabalho, é apontada como uma possível sucessora de Merkel.
Portanto, salário mínimo neles!
(*) Não há salário mínimo na Alemanha. Há casos em que os acordos coletivos estabelecem um mínimo, que passa a ter força de lei. Mas isso vale para categorias fortes, como metalúrgicos, bancários, construção civil. No caso de categorias mais fragilizadas, ou trabalhadores isolados, vale “o mercado”. Em outros países na Europa, há salário mínimo. Em Portugal era 485 euros por mês, 14 vezes ao ano, na Espanha 641, também 14 vezes. Mas agora esses valores estão sendo pulverizados pela crise e pela “austeridade”, como na Grécia. Na Espanha e na Itália o salário mínimo é de 9 euros por hora trabalhada, o que dá, ao fim e ao cabo, e a seco, isto é, sem outras vantagens, um pouco mais do que mil euros por mês. Na sua proposta A. Merkel falou num salário mínimo de 6,89 euros por hora para o antigo Leste alemão e 7,79 para o antigo Oeste. Já, ao comentar o que considera um "plágio" pela CDU, o porta-voz no Parlamento do SPD, Sigmar Gabriel, defendeu 8,50 por hora.
(**) No sistema partidário alemão, CDU e CSU dividem territórios: a CSU só existe na Baviera, onde a CDU não tem sede nem filiados. Coisas da história alemã, em que a Baviera sempre gozou de uma certa autonomia, desde os enfrentamentos (até armados) entre ela e a Prússia, no século XIX.
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