do Democracia & Política
Emir Sader: “SOCIEDADE CIVIL, ONGS E ESFERA PÚBLICA”
“A grande virada na obra de Marx vem da descoberta de que as relações de classe cruzam o conjunto da sociedade capitalista. Depois de operar com as categorias herdadas do liberalismo, como Estado/sociedade civil, ele fez o que chamou de “anatomia da sociedade civil” e encontrou lá dentro as classes e a luta de classes.
Nas últimas décadas, conforme a luta democrática voltou a ter peso – depois de subestimada, em geral, pela esquerda – a categoria desociedade civil reapareceu. Como está na sua própria natureza, ela se opõe ao Estado e desloca as relações de classe, como um retorno ao liberalismo clássico, de forma paralela à volta do liberalismo no plano econômico – com o nome de neoliberalismo.
No marco dessa categoria. passaram a abrigar-se organizações de distintos tipos, desde aquelas estreitamente ligadas aos movimentos sociais e a outras formas de resistência à ditadura militar, até outras, muito mais ambíguas. Esse amálgama é possível porque a categoria de sociedade civil se presta a isso. Ela significaria “o que não é Estado”, permitindo que se abriguem nesse amplo guarda-chuvas as associações do agronegócio e as dos trabalhadores rurais, as dos proprietários de bancos e as dos bancários, a dos donos de escolas privadas e as dos estudantes, além de outras expressões da “sociedade civil” ainda mais problemáticas, como os narcotraficantes, as milícias etc, todas pertencentes à “sociedade civil”.
Todas elas têm em comum falta de transparência, porque se autoproclamam ‘representantes da sociedade civil’, mas a eleição dos seus dirigentes, as origens dos fundos, a forma de tomada de decisões, tendem a não ser transparentes. Basta ver como se pode facilmente fundar uma ou várias ONGs [e OSCIPs] e se candidatar a receber recursos públicos ou simplesmente acobertar negócios escusos.
Além da ambiguidade – para não dizer má fé - da definição de “não governamentais”. Essa posição antigovernamental se soma facilmente às posições neoliberais, não tem fronteiras em relação a “parcerias” com grandes empresas privadas e suas fundações, embora definam limites frontais contra o Estado.
Com a reaparição do liberalismo, ressurgiu com força sua visão dademocracia e do Estado. A democracia viria da delimitação e do controle externo da ação do Estado, que seria, por definição, o inimigo central da democracia, que teria nos indivíduos, congregados na sociedade civil, seus elementos constitutivos.
Do que se trataria seria de controlar o Estado pela sociedade civil, para garantir a democracia. Quanto mais Estado, menosdemocracia, o que o neoliberalismo teorizou como ‘Estado mínimo’. Limitar o Estado, para que o mercado assuma a centralidade. Na teoria, esse papel seria o da sociedade civil, que mal recobre, na realidade, o mercado.
Essa concepção negativa do Estado abandona o caminho dademocratização do Estado. É a concepção liberal, reatualizada pela ideia de controle do Estado pela sociedade civil – representada por ONGs e outras associações que pretendem assumir essa representação.
A política que mais avançou na construção da democracia no Brasil foi a do orçamento participativo, que fortaleceu a esfera pública no interior do próprio Estado, em detrimento dos interesses mercantis. A luta democrática não é externa ao Estado, mas o cruza. No Estado estão representados interesses distintos, até mesmo contraditórios, os mesmos que cruzam a sociedade.
A separação entre os dois, de caráter liberal, perde esse aspecto, fundamental, da realidade – toda ela cruzada pelas determinações sociais. A sociedade civil é uma ficção, assim como o Estado que se contrapõe a ela, todos sem determinações de classe.
Democratizar é desmercantilizar, é afirmar a esfera pública em detrimento da esfera mercantil. É fortalecer o papel dos cidadãos em detrimento dos consumidores. É levar a democratização para o próprio seio do Estado.”
FONTE: escrito pelo cientista político Emir Sader e publicado no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=821) [imagens do google adicionadas por este blog ‘democracia&política’]
‘DEMOCRATIZAR’ É ‘DESMERCANTILIZAR’
Emir Sader: “SOCIEDADE CIVIL, ONGS E ESFERA PÚBLICA”
“A grande virada na obra de Marx vem da descoberta de que as relações de classe cruzam o conjunto da sociedade capitalista. Depois de operar com as categorias herdadas do liberalismo, como Estado/sociedade civil, ele fez o que chamou de “anatomia da sociedade civil” e encontrou lá dentro as classes e a luta de classes.
Nas últimas décadas, conforme a luta democrática voltou a ter peso – depois de subestimada, em geral, pela esquerda – a categoria desociedade civil reapareceu. Como está na sua própria natureza, ela se opõe ao Estado e desloca as relações de classe, como um retorno ao liberalismo clássico, de forma paralela à volta do liberalismo no plano econômico – com o nome de neoliberalismo.
No marco dessa categoria. passaram a abrigar-se organizações de distintos tipos, desde aquelas estreitamente ligadas aos movimentos sociais e a outras formas de resistência à ditadura militar, até outras, muito mais ambíguas. Esse amálgama é possível porque a categoria de sociedade civil se presta a isso. Ela significaria “o que não é Estado”, permitindo que se abriguem nesse amplo guarda-chuvas as associações do agronegócio e as dos trabalhadores rurais, as dos proprietários de bancos e as dos bancários, a dos donos de escolas privadas e as dos estudantes, além de outras expressões da “sociedade civil” ainda mais problemáticas, como os narcotraficantes, as milícias etc, todas pertencentes à “sociedade civil”.
Todas elas têm em comum falta de transparência, porque se autoproclamam ‘representantes da sociedade civil’, mas a eleição dos seus dirigentes, as origens dos fundos, a forma de tomada de decisões, tendem a não ser transparentes. Basta ver como se pode facilmente fundar uma ou várias ONGs [e OSCIPs] e se candidatar a receber recursos públicos ou simplesmente acobertar negócios escusos.
Além da ambiguidade – para não dizer má fé - da definição de “não governamentais”. Essa posição antigovernamental se soma facilmente às posições neoliberais, não tem fronteiras em relação a “parcerias” com grandes empresas privadas e suas fundações, embora definam limites frontais contra o Estado.
Com a reaparição do liberalismo, ressurgiu com força sua visão dademocracia e do Estado. A democracia viria da delimitação e do controle externo da ação do Estado, que seria, por definição, o inimigo central da democracia, que teria nos indivíduos, congregados na sociedade civil, seus elementos constitutivos.
Do que se trataria seria de controlar o Estado pela sociedade civil, para garantir a democracia. Quanto mais Estado, menosdemocracia, o que o neoliberalismo teorizou como ‘Estado mínimo’. Limitar o Estado, para que o mercado assuma a centralidade. Na teoria, esse papel seria o da sociedade civil, que mal recobre, na realidade, o mercado.
Essa concepção negativa do Estado abandona o caminho dademocratização do Estado. É a concepção liberal, reatualizada pela ideia de controle do Estado pela sociedade civil – representada por ONGs e outras associações que pretendem assumir essa representação.
A política que mais avançou na construção da democracia no Brasil foi a do orçamento participativo, que fortaleceu a esfera pública no interior do próprio Estado, em detrimento dos interesses mercantis. A luta democrática não é externa ao Estado, mas o cruza. No Estado estão representados interesses distintos, até mesmo contraditórios, os mesmos que cruzam a sociedade.
A separação entre os dois, de caráter liberal, perde esse aspecto, fundamental, da realidade – toda ela cruzada pelas determinações sociais. A sociedade civil é uma ficção, assim como o Estado que se contrapõe a ela, todos sem determinações de classe.
Democratizar é desmercantilizar, é afirmar a esfera pública em detrimento da esfera mercantil. É fortalecer o papel dos cidadãos em detrimento dos consumidores. É levar a democratização para o próprio seio do Estado.”
FONTE: escrito pelo cientista político Emir Sader e publicado no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=821) [imagens do google adicionadas por este blog ‘democracia&política’]



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