BALAIO DO KOTSCHO
Por Ricardo Kotscho
Angela Merkel e Dilma Rousseff/Foto: Roberto Stuckert Filho/PR
O pior do inverno europeu mais rigoroso dos últimos anos já parece ter passado, mas convém a presidente Dilma Rousseff ir bem agasalhada para a breve viagem que inicia esta noite rumo à Alemanha de Angela Merkel.
Na semana passada, ainda peguei por lá temperaturas abaixo de zero e encontrei um povo preocupado, cinzento como o tempo, amuado com a crise econômica que abalou o continente na crise de 2008 e a cada dia assume contornos mais graves.
O clima deverá esquentar é nas conversas que Dilma terá com a primeira-ministra Merkel. De temperamentos, histórias de vida e trajetórias políticas semelhantes, as duas já deram o tom das discussões esta semana.
Primeiro, foi a presidente Dilma, que na quinta-feira denunciou o "tsunami monetário" promovido pelos países ricos (ou, em alguns casos, ex-ricos) para reerguer as suas economias, o que fez aumentar a entrada de dólares no país, desvaloriza a moeda local e prejudica as exportações brasileiras.
"Vamos continuar desenvolvendo este país, defendendo sua indústria, impedindo que os métodos de saída da crise dos países desenvolvifdos imploquem canibalização dos mercados dos emergentes", disse a presidente brasileira.
No dia seguinte, em resposta a Dilma, Angela Merkel procurou conciliar. "De certa maneira, eu entendo as dúvidas dela. É por isso que vou dizer a ela que desta vez vamos perseguir reformas, não vamos adotar medidas semelhantes de novo".
Ainda na sexta-feira, porém, as instituições financeiras receberam mais um empréstimo, desta vez no valor 530 bilhões de euros, que deixaram depositado no Banco Central Europeu. A preocupação do governo brasileiro é que parte deste dinheiro acabe vindo para o Brasil, o país que paga as mais altas taxas de juros do mundo (o BCE paga juros de apenas 0,25%).
Empréstimos trilionários, políticas de câmbio e juros à parte, o que não falta para as duas governantes são problemas em seus respectivos países, o que pode transformar as conversas numa troca de queixas. A situação de Merkel, no momento, é bem mais delicada.
Ao contrário de Dilma, a líder democrata-cristã enfrenta uma forte oposição social-democrata no parlamento (o PSDB deles não dá para comparar ao brasileiro), seus índices de aprovação caem e ela tem perdido seguidas disputas regionais, com seu cargo cada vez mais ameaçado nas próximas eleições gerais.
Os eleitores alemães não se conformam em pagar impostos cada vez mais altos para tentar salvar seus vizinhos do Mercado Comum Europeu, criado exatamente para diminuir as diferenças econômicas entre os países da região e garantir a estabilidade política.
Com o desemprego em alta, embora em níveis bem inferiores ao de outros países europeus, os alemães com quem conversei sentem-se ameaçados com a concorrência dos "gastarbeiter", os trabalhadores estrangeiros que recebem salários menores e continuam chegando aos lotes dos países em crise.
Ouvi muitas queixas na mesma linha das que a elite paulistana faz contra os programas sociais do governo brasileiro para combater as desigualdades regionais. "Eu não aguento mais ficar sustentando estes vagabundos com meus impostos...", blasfemam eles, referindo-se a vizinhos que esbanjaram dinheiro nos últimos anos, aumentaram seus direitos sociais e agora não têm como pagar as contas.
Eles não se conformam, por exemplo, que funcionários públicos na Grécia possam se aposentar com apenas 45 anos de idade, enquanto os alemães precisam trabalhar até os 70 para ganhar uma pensão integral.
Desde os tempos em que trabalhei lá, nos anos 1970, como correspondente do Jornal do Brasil em Bonn, a antiga capital alemã, uma característica deste povo que sempre me chamou a atenção foi o cuidado com as despesas, não fazer dívidas, não gastar mais do que ganha.
Economizar hoje para não faltar amanhã talvez seja um resquício dos traumas deixados pela Segunda Guerra Mundial, quando muitas famílias alemãs, como a minha, passaram fome e sobreviveram miseravelmente.
"Vamos ver vitrines", ainda costuma ser um programa típico das famílias alemãs nos finais de semana, assim como ir passear nos bosques, programas que não custam nada. Nas ruas de comércio, não se vê aquela multidão de pessoas carregando sacolas e mais sacolas de compras, como os brasileiros nos outlets de Miami ou Orlando.
Dentro das lojas, conversa-se e olha-se muito antes de comprar qualquer coisa. Em Heidelberg, típica cidade alemã de 148 mil habitantes (30 mil deles universitários), fundada no século 13, onde passamos alguns dias, encontramos o calçadão da Hauptstrasse, a principal rua de comércio, sempre apinhada de gente, mas sem carregar nada nas mãos, apenas passeando.
Pode ser um sintoma da crise que abala os vizinhos e torna os alemães ainda mais pão-duros, o que certamente não é bom para a economia do país. Se os alemães não compram para fazer economia e os outros europeus já não têm dinheiro para comprar nem o básico, vão vender para quem?
Em meio às incertezas que fazem o alemão ficar ainda mais desconfiado sobre os destinos do mundo, reaparece o velho fantasma dos períodos de crise econômica.
Tomei um susto quando vi na banca a capa da "Der Spiegel", a principal revista semanal da Alemanha (nada a ver com suas similares brasileiras) com a foto de uma militante neonazista toda de preto fazendo o tradicional gesto do braço erguido e punho fechado diante de duas crianças assustadas.
"VERBOTEN GEFÄRLICH" (em tradução literal, proibido e perigoso), assim mesmo em letras maíusculas, era o título da capa sobre a crescente ameaça do NPD, o partido neonazista alemão, que não para de crescer e é uma ameaça à democracia.
A reportagem, sob o título "Um partido insuportável", trás a relação dos crimes praticados por seus principais líderes, e discute se o partido deveria ser proibido, já que motivos legais não faltam, ou se o perigo seria ainda maior caso fosse colocado na clandestinidade.
Diante deste cenário, é capaz de nossa presidente Dilma Rousseff voltar ao Brasil mais animada e aliviada na terça-feira, depois desta rápida viagem à Alemanha, onde chega no domingo para inaugurar o pavilhão brasileiro da Cebit _ Feira Internacional da Tecnologia da Informação, Telecomunicações, Software e Serviços, em Hannover.
Enfrentar os problemas de convivência da base saliada, de fato, vai parecer fichinha perto dos desafios colocados para Angela Merkel, uma polítivca conservadora 58 anos, nascida numa pequena cidade da então Alemanha Oriental, onde seu pai era pastor luterano, fiel discípula de Helmut Kohl, o líder democrata-cristão da reunificação alemã.
Por essas ironias da vida, o mesmo país que já tentou dominar militarmente toda a Europa nos tempos do nazismo, agora é a única esperança econômica de salvação de um continente que não soube administrar os tempos de fartura do estado de bem estar social e da boa vida do sistema financeiro_ e se vê ameaçado internamente pelos esbirros do neonazismo.
A pior coisa que pode acontecer nestes tempos de crise econômica, como a História nos ensina, é aparecer um novo salvador da pátria.
Boa viagem para Dilma e bom final de semana a todos.
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