Passa Palavra

As imagens falavam por si só: polícias espanhóis batendo indiscriminadamente em estudantes indefesos para desmobilizar um protesto pacífico em Valência. As objetivas das câmaras ofereceram-nos o detalhe, o acusador instantâneo. Ampliemos agora a perspetiva. Por Passa Palavra


As imagens falavam por si só: polícias espanhóis batendo indiscriminadamente em estudantes indefesos para desmobilizar um protesto pacífico em Valência. Logo apareceram publicadas nas principais rotativas da imprensa internacional. O primeiro-ministro espanhol, surpreendido pelo acontecimento em Londres, mostrou-se muito preocupado com a “imagem do país”. Entretanto, no Estado espanhol, a venda dos olhos caía para muitos: as imagens de estudantes com a cabeça aberta ou das cargas policiais contra adolescentes atemorizados criavam uma onda de indignação naqueles que nunca tiveram problemas com a autoridade. As posteriores declarações dos responsáveis políticos e policiais só serviram para aquecer mais a situação.


Os acontecimentos ocorreram em Valência, uma comunidade autónoma governada desde há muitos anos pelo mesmo partido da direita (PP, Partido Popular), vencedor também nas últimas eleições gerais. Os cortes nas despesas públicas, política oficial contra a crise capitalista, deixaram, entre outras vítimas, vários liceus [escolas secundárias e médias] sem aquecimento. Fartos desta situação, os alunos do liceu Lluis Vives decidem protestar na rua. Resultado disso será uma carga policial e um menor de idade detido. No dia seguinte (16 de Fevereiro) Valência vive uma mobilização maior em solidariedade com os estudantes. Mas antes de tratar das manifestações, falemos de Valência.

O caso de Valência


Cabe destacar que o governo de Valência é especialmente paradigmático em relação à grande mentira na qual vivemos. Um governo autonómico (regional), que é constante foco da atenção mediática por estar afundado em corrupções e levar a região à ruína (vendas de favores, empresários entregando dinheiro em sacos do lixo, o presidente de Valência no banco dos réus… uma grande trama de corrupção que foi resolvida com a maior obscenidade e sem consequências políticas, demonstrando que a separação entre poderes é uma fraca piada no Estado espanhol). Um governo que afirma não ter dinheiro para a saúde ou o ensino público, mas que mantém grandes eventos desportivos graças a obscenas injeções do dinheiro dos cidadãos: fórmula 1, regatas e até uma visita papal que exigiu um grande investimento de dinheiro público… A comunidade de Valência converteu-se no exemplo mais claro do benefício de uns poucos a custo do dinheiro de todos. Sirva como exemplo o aeroporto de Castelló, dotado de grandes instalações: 3000 vagas para carros, uma pista de 2.700 metros, um diretor que recebe 84.000 euros anuais, uma inversão geral de 150 milhões de euros… o aeroporto de Castelló tem tudo, excepto aviões. E a inutilidade desta instalação era bem conhecida antes da sua construção. Ao pai da criatura, o político (do PP) e homem de negócios Carlos Fabra, imputado por tráfico de influências e delito fiscal, entre outros cargos, ergueram-lhe uma estátua à porta do edifício principal: mais 300.000 euros.

Nos últimos meses, os principais responsáveis políticos da comunidade apresentaram-se perante um juiz. O presidente de Valência, Francisco Camps, foi absolvido por um tribunal popular sem que de nada servissem as imagens e gravações incriminatórias. Para além disto tudo, os grandes casos de corrupção surgidos nos últimos tempos, o mais recente envolvendo a casa real, têm algum dos seus tentáculos no dinheiro público da comunidade de Valência. Não é de estranhar que os ânimos estejam quentes.

Voltando às manifestações


Esta segunda manifestação juntou muito mais gente, contra a qual a polícia, sob as ordens da delegada do governo Paula Sánchez de León, atuou com a brutalidade habitual. A polícia acusou os manifestantes de vandalismo, mas os repórteres gráficos, que acompanharam a notícia e as suas imagens, negaram tal facto.

Devido às reacções da polícia e à situação geral no país e em particular em Valência, foi convocada uma grande manifestação no dia 20 de Fevereiro, seguindo a corrente das mobilizações que, timidamente, começam a surgir no Estado espanhol contra o novo governo. A situação laboral, económica, o ataque ao sector público e a nova reforma laboral, unidas na repressão aos estudantes, levam os cidadãos para a rua. A polícia reage de forma especialmente violenta e ataca estudantes, manifestantes e jornalistas sem motivo algum. O violento comportamento da polícia e os vexames (“Não tens corpo nem de puta”, gritou um agente a uma miúda [garota] que não chegava aos 15 anos) não deixam lugar para dúvidas de que o governo envia uma mensagem através do cacete: Não vai permitir protestos nem desordem.

As imagens e os vídeos falavam por si só e logo se espalharam pela península toda e pelo resto de Europa, apanhando um recente primeiro-ministro em Londres, que, como já contámos, se mostrou mais preocupado pela imagem do país do que pelo acontecimento em si.


Veja vídeos aqui, aqui e aqui.


O efeito mediático abriu os olhos a muitos. A actividade da polícia espanhola cai frequentemente em excessos violentos, especialmente no referente ao País Basco e não só, mais o facto de bater em adolescentes e cidadãos que se manifestam pacificamente (coisa que já fora relevante com os Indignados, contra os quais os agentes da polícia catalã cometeram selvajarias com total impunidade). A reação espalhou-se por todo o Estado espanhol. As imagens estavam na memória daquelas pessoas mais velhas, só mudavam as cores: da polícia franquista e a sua farda cinzenta (eram alcunhados los grises) ao azul escuro da chamada polícia nacional. Mas a brutalidade era a mesma.

No dia seguinte, diferentes manifestações protestaram pela actuação da polícia em Valência, enquanto o governo deitava água na fervedura e falava, sem muita convicção, de investigar os possíveis excessos. Os meios de comunicação afins ao governo e os responsáveis políticos têm tentado justificar de mil maneiras a intervenção policial, mas as fotografias e os vídeos desarticulam as suas mentiras. E no meio da polémica, o chefe de polícia e principal responsável tático do acontecido (Antonio Moreno, relacionado com a extrema-direita) chama aos manifestantes “inimigos” numas declarações oficiais.

Ressaca e conclusões

Desde a manifestação do dia 20 tem havido diversas manifestações populares em todo o Estado espanhol, sem se terem detetado novos abusos policiais. Não sabemos se esta nova onda de indignação levará a sociedade espanhola a agir, mas temos claro que os miúdos [garotos] espancados que saíram à rua para protestar pelo frio e pelos injustos cortes na educação pública têm agora claro quem é o verdadeiro inimigo: Não o frio, mas sim aqueles que, roubando o dinheiro público para os bolsos privados do capital, lançam agora os seus cães para calar o povo. Esperemos que esta terrível lição não saia da memória.


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