Sem Fronteiras


Com a remessa à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) de cópias das apurações policiais sobre Carlinhos Cachoeira, a sua organização criminosa e os políticos a atuar em concurso externo, ficou reduzido o risco de identificação do vazador para a mídia.

O vazamento, no entanto, tem se mostrado salutar. Aliás, o sigilo só favorece os envolvidos no escândalo, como, por exemplo, o senador Demóstenes Torres. Com efeito, os vazamentos estão a servir para a sociedade civil perceber, além da gravidade dos crimes e da rede capilar de infiltração da organização delinquencial comandada por Cachoeira, as mentiras de certos políticos que, antes da difusão do teor dos grampos telefônicos, negaram vínculos profundos com o referido Carlinhos Cachoeira.

O senador Demóstenes, quando veio a furo o caso Cachoeira, disse, da tribuna do Senado, que era homem educado e por tal razão não podia deixar de aceitar um presente de casamento de Carlinhos Cachoeira, pessoa que não era do seu relacionamento próximo. O governador de Goiás, Marconi Perillo, também negou aproximações, salvo em uma audiência formal, agendada na sede do governo. Numa das interceptações telefônicas, no entanto, fica patenteada a mentira. Perillo ligou para Cachoeira a fim de cumprimentá-lo pelo aniversário e destacou o seu descontentamento por não ter sido convidado para a festa.

Em outra interceptação, o senador Demóstenes manda o interlocutor distante trazer do exterior cinco garrafas do vinho Château Cheval Blanc, safra 1947 (65 anos de existência). Cada garrafa desse vinho é vendida a R$30 mil. Sobre o pagamento dos vinhos, Demóstenes manda colocar no cartão de crédito de Cachoeira. Um Cachoeira que pagou até jatinho alugado por Demóstenes.

Na verdade, existem gravações cujas conversas representam um escárnio. E o vinho Cheval Blanc adquirido com dinheiro sujo da corrupção, não estava bouchonné, ou seja, com gosto de rolha (bouchon) e não de uva. Nenhuma interceptação revela reclamação sobre a encomenda de Demóstenes.

Além de tudo isso, dá para perceber que uma velha e surrada desculpa foi substituída por novo biombo protetor. Um mantra. Para criminosos e políticos malandros não pega bem dizer a velha e surrada frase do “reservo-me o direito de só responder em juízo as injustas acusações feitas contra a minha pessoa”. Essa frase é sempre recebida pelos cidadãos como confissão. Diante disso, está sendo usada, no Brasil e fartamente, outra, que é a seguinte: “Não falo sobre o teor dos diálogos grampeados, pois foram colhidos de forma ilegal”.

A propósito do "biombo-mantra” supracitado, quem solta a nova frase pode até estar em defesa da legalidade. Mas, jamais, estará em defesa da ética e de um compromisso para com a sociedade. Afinal, passar uma borracha para apagar tudo, com Demóstenes no Senado (não tem a dignidade de renunciar), Cachoeira a comandar a organização criminosa e governadores (Goiás e Distrito Federal) poupados, não atende ao interesse público.

Wálter Fanganiello Maierovitch



Jurista e membro das Academia Paulista de História e Ac. Paulista de Letras Jurídicas; desembargador aposentado do TJ-SP.Colunista de CartaCapital, comentarista na CBN e assessor internacional para UE

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