Tijolaço


Para quem leu o que postamos aqui sobre França e a crise europeia é preciosa a leitura da entrevista publicado hoje em O Globo pelo veterano Mario Soares, um dos líderes do que foi, um dia, a social-democracia daquele continente. E que, infelizmente, concedeu tanto á ideologia neoliberal que, hoje, não serve de referência para a mudança de paradigma que Soares aponta como essencial para o fim desta crise. Que outras vozes lúcidas, como a dele, a façam, se puder, recuperar sua identidade.

Líder civil da redemocratização abandona comemorações oficiais da Revolução dos Cravos

“Mandado ao exílio pela ditadura de António de OliveiraSalazar, Mário Soares chegou a Lisboa três dias depois de os militares tomarem o poder na Revolução dos Cravos. Tornou-se líder civil do restabelecimento da democracia portuguesa. Trinta e oito anos depois, completados nesta quarta-feira, não vai participar das comemorações oficiais da data e sugere, aparentemente esperançoso, que um novo levante está por vir. “É um governo que se preocupa muito com a austeridade. Está sobretudo olhando para números e para o dinheiro, descuidando, ignorando completamente as pessoas.Fundador do Partido Socialista — a segunda força política até hoje no país —, Soares foi o chefe de governo do I Governo Constitucional pós-Salazar e o primeiro presidente diretamente eleito desde então. Foi também o primeiro governante português a pedir um empréstimo ao FMI e acusa o atual governo — o terceiro a fazer o mesmo — de se distanciar dos ideais do 25 de abril de 1974.
Em entrevista ao GLOBO, por telefone, discorrendo com a habilidade de cerca de 70 anos de vida política, o responsável por colocar Portugal na Comunidade Econômica Europeia alerta para o risco de uma “grande decadência” do continente.
O GLOBO: Em que o atual governo está distante dos ideais do 25 de Abril?
MÁRIO SOARES: Estão destruindo o Sistema Nacional de Saúde, criando problemas sérios ao operariado, às pessoas e aos sindicatos. E é um governo que se preocupa muito com a austeridade, olhando sobretudo para números e dinheiro e descuidando, ignorando completamente as pessoas.
O desemprego chegou a 14% mas pode subir mais e há pessoas que estão até passando fome. Isto é um fato e está na lógica contrária do que foi a política depois do 25 de abril de 1974, tínhamos um pacto social, lançamos o Serviço Nacional de Saúde e tratamos os sindicatos sempre com respeito absoluto.
Os militares de abril se portaram duas vezes muito bem, porque fizeram a revolução, cumpriram a promessa de realizar as eleições e abandonaram o poder. Depois disso houve uma tentativa dos comunistas, da extrema-esquerda radical de fazer de Portugal uma Cuba europeia e eles se opuseram pela segunda vez e impediram uma guerra civil. E eles tomaram esta posição (de não participar das manifestações, anunciada pela Associação 25 de Abril na segunda-feira) porque acham que não faz sentido ir a uma cerimônia em que os oradores e as pessoas estão lá de uma maneira geral nos sentidos do atual governo. E eu me associei a eles porque sou amigo deles. Sou solidário com a posição deles.
A mobilização cívica em Portugal de hoje pode levar a um levante semelhante ao de 38 anos atrás, restabelecendo esses ideais?
SOARES: Neste momento há um grande descontentamento na sociedade portuguesa, mas há uma posição pacífica, eu espero que continue a ser pacífica. Mas as pessoas estão protestando e acham que vamos mal. No fundo, é um problema que transcende Portugal, é um problema europeu. É o mesmo que está acontecendo na França, o mesmo que está acontecendo em outros países.
E o senhor acha que há mobilização cívica suficiente para inverter essa lógica que causa tanto descontentamento?
SOARES: Eu penso que não é uma coisa imediata, mas que daqui a um tempo isso vai acontecer.
A carta da Associação 25 de Abril considera que Portugal se tornou hoje um protetorado dentro da União Europeia. O senhora acredita que Portugal perdeu soberania a esse ponto?
SOARES: É evidente que perdeu soberania. Não foi só Portugal, foram Espanha, Itália, tudo. Neste momento, nós temos um problema na Europa muito sério. A Europa ou muda de paradigma ou vai entrar em uma grande decadência. Não é um problema só português, é de toda a Europa.

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