DW.DE
A Alemanha é o país dos individualistas. Ou, em outras palavras: um país onde se pode viver na mais perfeita solidão. Pelo menos é o que sentem muitos representantes das chamadas "culturas do contato" que vivem no país.
"Estou precisando de uma certa distância" – é o que Flor tem que ouvir de sua filha Cristina, quando tenta fazer as pazes com ela, após uma discussão. Para a mãe mexicana, está fora de cogitação: "Distância entre nós? Jamais!", retruca, e abraça a filha. Essa cena da comédia norte-americana Spanglish é típica de famílias que migraram de um meio cultural para outro. Pois varia de cultura para cultura, quanta proximidade e quanta distância é tolerada dentro de uma família.
Nas culturas "ocidentais", a esfera privada é um direito inalienável do indivíduo. Na Alemanha, por exemplo, é considerada o espaço onde a pessoa pode se comportar à vontade, sem ser observada nem escutada por outros. Nos EUA, a privacidade é o "right to be let alone", ou seja, o direito de ser deixado em paz. A personagem Flor de Spanglish, no entanto, considera isso supérfluo: no México, a família está sempre em contato intenso, não há "distância" entre mãe e filha.
"Culturas do contato" versus "culturas do não contato"
É possível até mesmo medir, através da distância entre os corpos, como o significado de privacidade varia de uma cultura para outra. Aqui ela é decisiva e sinaliza outras características da cultura em questão. Por isso, os etnólogos dividem os países entre "culturas do contato", em que há muito contato físico e o coletivo é colocado em primeiro plano; e as "culturas do não contato", em que se mantém uma distância polida e o individualismo tem primazia.
O holandês Geert Hofstede, especialista em psicologia social, pesquisa há décadas os valores culturais pelo mundo afora. Para ele, a noção de privacidade depende do grau de individualismo ou coletivismo de uma cultura. Mas não só: "A dimensão da esfera privada depende também do espaço e, por conseguinte, também da riqueza de que se dispõe. Embora a riqueza venha primeiro, e depois o individualismo", acredita Hofstede.
Entre as "culturas do contato" estão o mundo árabe, a América Latina e o Sul da Europa, regiões onde há muito mais proximidade e contato físico. Nas "culturas do não contato", como o Norte da Europa, o contato corporal é restrito ao mínimo necessário. Hofstede chama isso de "distância de conforto": a distância de que as pessoas precisam para se sentir à vontade.
Dentro da própria família
A diferença cultural no contexto da privacidade é sentida sobretudo pelos imigrantes. É o caso do iraniano Eskandar Abadi, por exemplo: "No Irã, é difícil se recolher. Éramos 12 filhos e dividíamos dois quartos", diz. Na Alemanha, ao contrário, tudo tem o seu lugar e cada um o seu quarto. Abadi sorri ao recordar a época em que vivia em seu país de origem. "Minha mãe me visitava no meu quartinho de estudante. Eu dizia que precisava estudar. Ela ficava sentada e quieta. Um minuto depois, me interrompia, perguntando se eu estava fazendo progressos e se precisava de ajuda."
A chinesa Lin Fu, que se mudou para a Alemanha há 13 anos, já percebe a diferença cultural em sua filha de seis anos de idade: "Ela fez uma plaqueta para a porta do quarto, que diz: 'Bata por favor'". Fu afirma que isso seria impensável em sua cultura de origem. Mesmo assim, ela acha interessante a diferença, e vê a plaqueta como um gesto simbólico, revelando a transição de uma cultura para a outra.
Hofstede fala de um processo de três gerações: "A primeira geração assimilou certos valores em seus primeiros dez anos – estes permanecem para o resto da vida. Seus filhos, a segunda geração, vivenciam dois diferentes sistemas de valores, um em casa, outro na escola. Por isso, às vezes se sentem perdidos. A terceira geração é totalmente adaptada à nova cultura, mesmo que dentro da família ainda se cultivem algumas tradições", expõe o teórico.
Esfera privada e negócios
O conceito de privacidade em outros países reflete-se também no cotidiano profissional, principalmente quando se trata de conferências internacionais. Alexander Groth, orador profissional, já participou de diversos simpósios em todo o mundo e relata sua experiência.
"Na Argentina, os outros homens chegam pertíssimo de você. Você sente no rosto a respiração do outro e é cutucado o tempo todo" – algo altamente desagradável para um europeu setentrional. Na Índia, o contato é ainda mais próximo ainda: "Imagine só: um colega indiano o convida para ir ao restaurante e fica de mãos dadas com você. Como europeu, você até sua frio".
No mundo dos negócios, o tema comunicação intercultural e privacidade recebe grande ênfase. Juntamente com especialistas em questões culturais, inúmeros autores de livros sobre gestão de empresas pesquisam as convenções de cada país. Pois o sucesso do relacionamento entre duas pessoas de origens distintas, seja ele privado ou profissional, depende também da compreensão cultural mútua. Alexander Groth já viveu isso na própria pele.
"Um alemão e um argentino estão conversando: o argentino vai chegando mais perto do alemão. O alemão dá um passo para trás. O argentino pensa: 'Assim não vai dar', e chega mais perto ainda. O alemão dá outro passo para trás. Se o evento for num terraço, alguma hora essa história vai acabar mal", conclui o orador, rindo.
Autora: Ananda Grade (sv)
Revisão: Augusto Valente
DW.DE
A Alemanha é o país dos individualistas. Ou, em outras palavras: um país onde se pode viver na mais perfeita solidão. Pelo menos é o que sentem muitos representantes das chamadas "culturas do contato" que vivem no país.
"Estou precisando de uma certa distância" – é o que Flor tem que ouvir de sua filha Cristina, quando tenta fazer as pazes com ela, após uma discussão. Para a mãe mexicana, está fora de cogitação: "Distância entre nós? Jamais!", retruca, e abraça a filha. Essa cena da comédia norte-americana Spanglish é típica de famílias que migraram de um meio cultural para outro. Pois varia de cultura para cultura, quanta proximidade e quanta distância é tolerada dentro de uma família.
Nas culturas "ocidentais", a esfera privada é um direito inalienável do indivíduo. Na Alemanha, por exemplo, é considerada o espaço onde a pessoa pode se comportar à vontade, sem ser observada nem escutada por outros. Nos EUA, a privacidade é o "right to be let alone", ou seja, o direito de ser deixado em paz. A personagem Flor de Spanglish, no entanto, considera isso supérfluo: no México, a família está sempre em contato intenso, não há "distância" entre mãe e filha.
"Culturas do contato" versus "culturas do não contato"
Alemanha: preferência pela distância
É possível até mesmo medir, através da distância entre os corpos, como o significado de privacidade varia de uma cultura para outra. Aqui ela é decisiva e sinaliza outras características da cultura em questão. Por isso, os etnólogos dividem os países entre "culturas do contato", em que há muito contato físico e o coletivo é colocado em primeiro plano; e as "culturas do não contato", em que se mantém uma distância polida e o individualismo tem primazia.
O holandês Geert Hofstede, especialista em psicologia social, pesquisa há décadas os valores culturais pelo mundo afora. Para ele, a noção de privacidade depende do grau de individualismo ou coletivismo de uma cultura. Mas não só: "A dimensão da esfera privada depende também do espaço e, por conseguinte, também da riqueza de que se dispõe. Embora a riqueza venha primeiro, e depois o individualismo", acredita Hofstede.
Entre as "culturas do contato" estão o mundo árabe, a América Latina e o Sul da Europa, regiões onde há muito mais proximidade e contato físico. Nas "culturas do não contato", como o Norte da Europa, o contato corporal é restrito ao mínimo necessário. Hofstede chama isso de "distância de conforto": a distância de que as pessoas precisam para se sentir à vontade.
Dentro da própria família
China: muita gente em pouco espaço
A diferença cultural no contexto da privacidade é sentida sobretudo pelos imigrantes. É o caso do iraniano Eskandar Abadi, por exemplo: "No Irã, é difícil se recolher. Éramos 12 filhos e dividíamos dois quartos", diz. Na Alemanha, ao contrário, tudo tem o seu lugar e cada um o seu quarto. Abadi sorri ao recordar a época em que vivia em seu país de origem. "Minha mãe me visitava no meu quartinho de estudante. Eu dizia que precisava estudar. Ela ficava sentada e quieta. Um minuto depois, me interrompia, perguntando se eu estava fazendo progressos e se precisava de ajuda."
A chinesa Lin Fu, que se mudou para a Alemanha há 13 anos, já percebe a diferença cultural em sua filha de seis anos de idade: "Ela fez uma plaqueta para a porta do quarto, que diz: 'Bata por favor'". Fu afirma que isso seria impensável em sua cultura de origem. Mesmo assim, ela acha interessante a diferença, e vê a plaqueta como um gesto simbólico, revelando a transição de uma cultura para a outra.
Hofstede fala de um processo de três gerações: "A primeira geração assimilou certos valores em seus primeiros dez anos – estes permanecem para o resto da vida. Seus filhos, a segunda geração, vivenciam dois diferentes sistemas de valores, um em casa, outro na escola. Por isso, às vezes se sentem perdidos. A terceira geração é totalmente adaptada à nova cultura, mesmo que dentro da família ainda se cultivem algumas tradições", expõe o teórico.
Esfera privada e negócios
Índia: outro conceito de privacidade
"Na Argentina, os outros homens chegam pertíssimo de você. Você sente no rosto a respiração do outro e é cutucado o tempo todo" – algo altamente desagradável para um europeu setentrional. Na Índia, o contato é ainda mais próximo ainda: "Imagine só: um colega indiano o convida para ir ao restaurante e fica de mãos dadas com você. Como europeu, você até sua frio".
No mundo dos negócios, o tema comunicação intercultural e privacidade recebe grande ênfase. Juntamente com especialistas em questões culturais, inúmeros autores de livros sobre gestão de empresas pesquisam as convenções de cada país. Pois o sucesso do relacionamento entre duas pessoas de origens distintas, seja ele privado ou profissional, depende também da compreensão cultural mútua. Alexander Groth já viveu isso na própria pele.
"Um alemão e um argentino estão conversando: o argentino vai chegando mais perto do alemão. O alemão dá um passo para trás. O argentino pensa: 'Assim não vai dar', e chega mais perto ainda. O alemão dá outro passo para trás. Se o evento for num terraço, alguma hora essa história vai acabar mal", conclui o orador, rindo.
Autora: Ananda Grade (sv)
Revisão: Augusto Valente
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