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por Breno Altman

O diplomata Celso Lafer, chanceler durante o governo Fernando Henrique Cardoso, teve seus minutos de fama em 2002. Diante de exigências das autoridades de segurança, ao chegar nos Estados Unidos em missão oficial, o ministro tucano tirou os sapatos. De meias, aceitou o ultraje colonial contra o pais que deveria representar com altivez.

Este episódio virou símbolo de uma época.

A política internacional brasileira funcionava como apêndice dos interesses norte-americanos, submetida à estratégia econômica do governo tucano.

A dinâmica do desenvolvimento não era determinada pela expansão do mercado interno, mas pela atração incondicional de capitais internacionais.

Privatizações e juros estratosféricos eram os principais elementos financeiros de sedução. Uma diplomacia submissa, sem sapatos, o instrumento político para conquistar o favorecimento das potências ocidentais.

O Brasil, naquela época, tinha como principal projeto a integração na Área de Livre Comércio das Américas, a ALCA. Proposto pela Casa Branca, esse bloco eliminaria todas as barreiras alfandegárias e extra-alfandegárias nos mercados ao sul do Rio Grande, com exceção de Cuba.

A indústria norte-americana, beneficiada pela capacidade tecnológica e o poderio financeiro, ganharia um novo mercado com 500 milhões de consumidores potenciais, além de acesso mais fácil a matérias-primas e mão-de-obra barata. As demais nações consolidariam um perfil extrativista e agroexportador.

Tal modelo, calcado no aprofundamento dos laços de dependência, era de interesse do agronegócio e do capital financeiro local. O primeiro grupo lucraria com a abertura comercial. O segundo, com a intermediação de negócios, o crédito ao consumo e o financiamento das trocas internacionais. Estas eram, e continuam sendo, as frações de classe mais vinculadas ao PSDB.

Alguns setores industriais conseguiriam sobreviver, mas o Brasil estaria condenado a perder sua cadeia produtiva, vítima da desnacionalização, com a exportação de empregos industriais para o norte do continente. Mesmo a agricultura de alimentos, menos competitiva que a de grãos, estaria sob perigo de sucumbir às grandes corporações.

Iniciativas regionais

Este processo foi bloqueado com a eleição de Hugo Chávez e Lula, logo seguida por novas vitórias progressistas na América Latina. A ALCA foi fulminada no novo cenário. Abriu-se espaço para uma outra estratégia de crescimento, na qual o Brasil tornou-se peça decisiva.

Talvez em nenhuma outra questão foi tão profunda a mudança conduzida pelas administrações petistas. O centro da política internacional passou a ser o esforço para a integração autônoma da América Latina, como espaço prioritário para a consolidação da própria economia brasileira.

Nos últimos doze anos, além da expansão do Mercosul, assistimos a criação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e da Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos (Celac). O comércio e o investimento dentro do bloco subcontinental cresceram fortemente, abrindo fronteiras para um caminho de desenvolvimento através do qual os países sulistas preservem e ampliem sua soberania industrial, alimentar e financeira.

As iniciativas regionais foram complementadas pela construção de pontes com a África e a Ásia, além do fortalecimento de relações com as demais nações emergentes.

A principal conquista dessa ofensiva foi a consolidação do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) como aliança geopolítica. A criação de um banco comum dessa coalizão, decidida na Cúpula de Fortaleza, em julho deste ano, pode ajudar a romper com a hegemonia das potências ocidentais sobre instituições financeiras que controlam o crédito mundial.

Ao longo dos últimos doze anos, o Brasil multiplicou por quatro suas exportações e quintuplicou seu intercâmbio comercial. Diversificou parceiros e encontrou novos mercados. Apesar das enormes dificuldades internacionais, começou a lenta transição entre o predomínio da venda de bens e serviços para a centralidade da exportação de capitais e tecnologia.

Os avanços não foram apenas econômicos ou regionais. O país vem desempenhando papel de relevo na luta pela superação do mundo unipolar que emergiu do colapso soviético.

Ganhou destaque o empenho pelo direito dos povos à autodeterminação, contra as guerras de agressão, pela democratização das instituições internacionais, contra o neocolonialismo e pela defesa ambiental.

Propósito restauracionista

Infelizmente este temário pouco foi discutido na atual campanha presidencial. Mas o PSDB não deixa dúvidas que gostaria de dar um cavalo de pau na política internacional estabelecida pelo PT.

Seu principal porta-voz para esta agenda, o diplomata Rubens Barbosa, tem deixado claro os fundamentos da orientação que gostaria de implantar. Vale a pena ler sua entrevista recente para o Opera Mundi.

Alegando defender “uma política externa pragmática, fugindo das ideologias”, o ex-embaixador brasileiro em Washington sustenta que o país não deve mais “ficar amarrado ao Mercosul”. A opção seria estabelecer unilateralmente acordos de livre-comércio com a União Europeia, o Japão e os Estados Unidos.

Também critica a relação dos governos petistas com Cuba e seu afastamento da abordagem norte-americana sobre direitos humanos, sempre funcional para deslegitimar processos nacionais que fogem do controle da Casa Branca e se chocam contra seus interesses.

A linguagem melíflua mal esconde o propósito restauracionista. A verdade é que o programa tucano representa alternativa antagônica ao curso seguido por Lula e Dilma em política internacional.

A eventual eleição de Aécio Neves teria fortes consequências regionais, provavelmente abalando o atual desenho geopolítico latino-americano e enfraquecendo o diálogo sul-sul. Não é à toa a torcida descarada e pró-tucano das elites financeiras internacionais e seus meios de comunicação.

Os centros imperialistas de poder não querem outra coisa: o Brasil, novamente sem sapatos, facilitaria enormemente a manutenção de sua hegemonia planetária.

Breno Altman

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