Por Tod@s pela Constituição



Causou espanto, no último domingo, o teor das declarações de muitos deputados durante a sessão plenária da Câmara que decidiu pela abertura do processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff. Especialmente entre aqueles que votaram “sim”, quase não houve menção aos supostos crimes de responsabilidade pelos quais a Presidenta é acusada.

Vale a pena lembrar, como já ressaltamos em várias postagens anteriores, o que constitui um processo de impeachment. Trata-se de uma medida de cunho jurídico-político para afastar presidentes/as da república comprovadamente responsáveis por crimes, seja de responsabilidade (aqueles que atentam contra a própria Constituição e o Estado brasileiro), seja crimes comuns. Em outras palavras, o instituto do impeachment existe como medida extrema, aplicável em situações em que o/a Presidente/a cometeu graves atos, especificados na Constituição nos artigos 85 e 86. Ele não é um instrumento de recall, ou de afastamento de governantes impopulares ou ineficientes. O impeachment é um julgamento de crimes, que é realizado pelo Congresso Nacional.

Por isso, novamente, o espanto frente ao que se ouviu dos deputados no último dia 17. A sessão tinha o objetivo de avaliar se havia indícios suficientes de crime por parte da Presidenta Dilma para que se autorizasse a abertura do processo de impeachment e que o Senado a julgasse. Trata-se de etapa de um julgamento, portanto, em que havia uma acusada - a Presidenta - e crimes dos quais ela era acusada.

É importante reforçar isso: não se trata de um sentenciamento meramente político. Seu caráter jurídico deriva da conexão entre um determinado ato praticado, sua caracterização como crime de responsabilidade e a verificação da vontade do agente em cometê-lo (o chamado dolo). Particularmente no caso da Câmara, pode-se afirmar que ele deveria ser ainda mais assentado em fatores jurídicos, pois efetivamente se avalia se os elementos trazidos à discussão admitem a realização de um julgamento de mérito, mais aprofundado, pelo Senado. É nessa Casa, então, que se parte para um estudo minucioso da alegação de crime, justamente para que se avalie, inclusive politicamente, a conveniência e a oportunidade de uma condenação - e a dosimetria, a pena para tanto, caso provas consistentes tenham sido produzidas. Vale dizer que mesmo aí, portanto, há espaço jurídico para a verificação de não-atendimento a requisitos que, de fato, constituiriam um processo de impeachment. Trata-se, enfim, de um processo que deveria ser sério e rigoroso.

Os decretos orçamentários editados em suposta desconformidade com a Lei Orçamentária Anual eram o núcleo da acusação feita contra a Presidenta. A defesa da Presidenta (bem como muitos juristas e especialistas da área orçamentária) argumentam que não há crime nos decretos. O que pensam sobre isso nossos deputados, representantes eleitos da população brasileira no poder legislativo? Talvez nunca saberemos, pois, apesar de terem majoritamente votado “sim” pela abertura do processo, seus votos não se fundamentaram nas acusações. Mais pareciam discursos eleitorais, em que remetiam a suas bases eleitorais argumentando defendê-las. Ora, num julgamento, os juízes não deveriam motivar suas decisões com base nos supostos crimes cometidos? A postura jocosa e irreverente de muitos não condiz com a gravidade da medida que se estava aprovando.

Vimos a sessão plenária se converter numa eleição indireta para a Presidência, na qual os deputados justificaram seus votos com menções a medidas de políticas públicas que seriam supostamente viabilizadas com o afastamento da Presidenta: combate à corrupção, crescimento econômico e aumento do emprego foram algumas das citadas. Não é para isso que existe o instrumento do impeachment: a disputa do teor das políticas públicas se dá no dia a dia da elaboração das leis, e nas urnas quando das eleições periódicas. E mais: os mandatos têm duração fixa; somente trocamos governantes, no regime presidencialista, após sua conclusão.

Além do completo desvirtuamento de um processo de julgamento de crimes, também vimos com preocupações as constantes menções dos deputados a temas que não são de interesse público. Como podemos ver pela leitura das transcrições dos discursos da sessão do dia 17 (disponível no site da Câmara dos Deputados em http://goo.gl/uuFr8O), houve 76 menções a Deus e 261 a família - em geral, fazendo referência aos familiares dos parlamentares, além de diversos interesses particularistas (como grupos religiosos e econômicos). A usurpação de uma instância destinada a processo do mais alto interesse para a política nacional para o proselitismo e satisfação de vaidades pessoais é extremamente preocupante, pois demonstra a fragilidade de nosso espaço público exatamente nos momentos em que o interesse público mais deveria prevalecer. A apologia à tortura e à ditadura militar na justificativa do voto de um deputado da extrema-direita antidemocrática terminaram por completar a afronta aos valores que são tão bem representados pela nossa Constituição.

Se este dia tão triste para as nossas instituições deixou algo de positivo foi o fato de evidenciar como o processo de impeachment atualmente em curso não está motivado em ilegalidades supostamente cometidas pela Presidenta Dilma, mas somente por interesses particularistas. Mais ainda, ele representa um desvirtuamento do instituto do impeachment conforme previsto em nossa Constituição e, por isso, a ameaça diretamente. Frente a esse cenário, só nos resta afirmar mais uma vez e categoricamente: NÃO AO IMPEACHMENT INCONSTITUCIONAL! NÃO AO GOLPE!

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GGN

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