Com ou sem Temer, já há condições para a drenagem do país pelas elites financeiras - e enquanto isso a mídia atua criando mocinhos e bandidos de ocasião.
Tatiana Carlotti
O
golpista Michel Temer está em apuros. Não bastassem as denúncias de
Marcelo Calero, as perguntas de Eduardo Cunha, as ações no TSE, agora,
os promotores da Lava Jato pressionam o decorativo:
“A
nossa proposta é renunciar coletivamente caso essa proposta venha a ser
sancionada pelo presidente”, afirmou o procurador Carlos Fernando dos
Santos Lima, no que foi acompanhado pelo procurador Deltan Dallagnol,
ambos da Força Tarefa da Lava Jato, em coletiva nesta quarta-feira (30.11.2016).
O ato extremo dos procuradores da Lava Jato surtiu resultado: voltaram os panelaços, insuflados pela Rede Globo.
Nas
principais capitais do país, ouviu-se o ruído metálico dos apoiadores
de Sérgio Moro, inconformados com as alterações promovidas pelos
deputados, durante a votação do decálogo evangelizador do Ministério
Público Federal: as Dez Medidas contra a Corrupção.
De
nada adiantou as “vestais da ética” - Michel Temer, Rodrigo Maia e
Renan Calheiros – afirmarem-se contrários à proposta de anistia a
políticos que fizeram caixa dois em suas campanhas. A aparente vitória
do Legislativo golpista sobre o Judiciário, não menos golpista, virou um
pesadelo para o governo.
A reação dos procuradores
Apenas quatro medidas, como a criminalização do caixa dois, permaneceram intactas durante a votação, na última terça-feira (leia mais).
Outras, como a legalização de provas ilícitas e a restrição ao habeas
corpus, foram rechaçadas pelos parlamentares que incluíram uma emenda
contra o abuso de autoridade no texto original.
A nota dos procuradores
da Lava Jato, lida pelo procurador Deltan Dallagnol, reage contra a
doação da emenda: “o avanço de propostas como a lei de intimidação
instaura uma ditadura da corrupção, um Estado de tirania, em que o poder
é exercido fora dos limites com os quais foi conferido pelo povo”.
Durante
a coletiva de imprensa, nesta quarta-feira, Dallagnol questionou:
“Empresários, investidores, acionistas e funcionários jamais permitiriam
que pessoas corruptas continuassem na liderança da Petrobras. Por que a
sociedade brasileira vai permitir que corruptos, pessoas investigadas
por corrupção, continuem na liderança da empresa Brasil?”
Dallagnol
afirmou ainda que se não forem aprovadas as medidas do MPF contra a
corrupção, o resultado da Lava Jato “pode ser um estado mais corrupto do
que tínhamos antes e não melhor”.
Vale
destacar a preocupação dos procuradores em reafirmar o respeito à
soberania do Parlamento. Na prática, porém, o respeito se evapora. A
ameaça de debandada da Lava Jato é apenas mais um capítulo do
autoritarismo característico da Operação comandada por Sérgio Moro.
Na emenda aprovada
pelos parlamentares foi estabelecida punição criminal àqueles que
propõem ações de improbidade "de maneira temerária" ou "com finalidade
de promoção pessoal ou por perseguição política". A emenda também
proíbe a manifestação da opinião subjetiva de juízes e promotores sobre
os processos nos meios de comunicação.
Autopreservação
Nesta
quinta-feira, o juiz Sérgio Moro participou, ao lado de Gilmar Mendes
(STF) e Renan Calheiros, do debate sobre a lei de abuso de autoridade no
Senado.
Ele
entregou aos senadores um ofício, com um acréscimo à lei, vetando a
criminalização da “divergência na interpretação da legislação penal e na
avaliação de fatos e provas”.
“Imprescindível
evitar que seja criminalizada, na prática, a interpretação da lei e a
avaliação dos fatos e provas pela autoridade judicial, pela autoridade
do Ministério Público, e pela autoridade policial”, afirma o documento.
Moro
também destacou que "este não é o melhor momento para deliberar sobre o
projeto" [lei de abuso de autoridade], porque isso poderá ser usado por
criminosos para prejudicar o trabalho das autoridades.
“Qual seria o momento adequado para discutir esse tema, de um projeto que tramita no Congresso há mais de sete anos?”, questionou Gilmar Mendes. "Vamos esperar um ano sabático das operações? Não faz sentido algum", complementou.
Calheiros também se manifestou,
afirmando ser “equivocado navegar nas águas das teorias conspiratórias,
passando a falsa imagem de que o projeto teria como objeto a
intimidação de autoridades no exercício regular de suas funções”.
Temer, por sua vez, preferiu se manter em silêncio:
“vou esperar o momento certo, depois de o Senado analisar a matéria,
para me posicionar sobre vetos ou sanções”. Já o Procurador Geral da
República, Rodrigo Janot, em entrevista à Folha de São Paulo, atribuiu à ameaça dos procuradores como um ato de “cabeça quente”.
Com a palavra, agora, o Senado Federal.
O
mesmo Senado, aliás, que acaba de aprovar a PEC 55, escamoteando a
venda do país no Parlamento, enquanto a PM reprimia com ferocidade os
manifestantes nas ruas de Brasília. Mas, a disputa de forças entre
Judiciário e Legislativo não é a única bomba no colo de Michel Temer.
O episódio Calero
As
denúncias de Marcelo Calero (ex-ministro da Cultura) já foram
encaminhadas à Procuradoria Geral da República (PGR) e o áudio da
conversa entre ele e Temer, incensadas nos onlines (confira aqui).
Na gravação da conversa,
porém, não há menção direta ao caso do IPHAN. O imbróglio criado por
Geddel Vieira Lima, ex-Secretário geral da Presidência, será analisado
junto às denúncias de Calero pela PGR a quem cabe o pedido de abertura
de inquérito junto ao STF.
Caso
peça e o STF aprove o pedido, além de Geddel, poderão ser investigados
Temer, Eliseu Padilha (Casa Civil) e Gustavo do Vale Rocha, assessor
jurídico da Presidência.
Segundo
Calero, Temer o enquadrou em benefício de Geddel que, desde junho,
pressionava o então titular da Cultura para alterar uma decisão do
IPHAN, relativa à construção de um empreendimento imobiliário em
Salvador. Leia também “Temer, cai ou não cai?”
Ao
longo da última semana, as denúncias de Calero foram matéria do Jornal
Nacional, da Rede Globo, que pediu, às claras, a cabeça de Geddel e
expôs Temer, inclusive, divulgando a entrevista do ex-ministro da
Cultura à jornalista Renata Lo Prete, no Fantástico de domingo.
Além disso, outra frente ganha vulto contra a permanência do decorativo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
TSE
A Folha de S. Paulo soou o alerta. Na reportagem “Campanha de Dilma pagou funcionários de Temer em 2014”,
o jornalão da família Frias destacou o pagamento de salários de
assessores de Temer pela Campanha Dilma, destacando que os dados em
posse do TSE “colidem com um dos argumentos da defesa de Temer contra o
pedido de cassação da chapa pela qual foi eleito”.
No
Tribunal correm três ações de impugnação da chapa Dilma/Temer,
promovidas pelo PSDB e partidos coligados, “por abuso de poder político e
econômico nas eleições”. Derrotados nas urnas, tucanos e cia. requerem a
posse dos senadores tucanos Aécio Neves (MG) e Aloysio Nunes Ferreira
(SP) como presidente e vice.
O
prazo estimado para votação dessa ação no TSE é o primeiro trimestre de
2017. Não espanta, portanto, o cuidado dos tucanos neste momento. Fora
da mídia nos últimos meses, eles defenderam o governo Temer em relação
às denúncias de Calero e criticaram o ex-ministro pelas gravações.
Também ex-tucano, Calero está com as malas prontas para passar uma temporada no Rio, com a benção de José Serra.
Golpistas criticam Temer
Além do TSE e do episódio Geddel, outra bomba está montada contra Temer: Eduardo Cunha, preso na República de Curitiba, desde 19 de outubro. Nesta semana, sua defesa encaminhou 41 perguntas
a serem respondidas pelo decorativo, arrolado como testemunha do
ex-deputado. As perguntas são, obviamente, uma ameaça ao decorativo.
Sérgio Moro, o juiz da Lava Jato, entrou em ação: indeferiu 21 questões.
Não menos indicativas são as demonstrações públicas de outros personagens do golpe como o jurista Hélio Bicudo.
Um dos autores do pedido de afastamento de Dilma Rouseff, Bicudo
afirmou: “Michel Temer era um vice-decorativo e, agora, é um presidente
decorativo. Não faz falta. Ao contrário, atrapalha”.
A jurista Janaina Paschoal também se manifestou:
“Temer precisa aprender com o que aconteceu com a antecessora”. Disse
mais: “A democracia já estava ferida com a saída da Dilma. Por que,
então, manter o Michel Temer? Todos sabem que ele não é de nada. O Temer
trouxe o pessoal do passado para o presente. É um equívoco manter a
estabilidade democrática através da burocracia”.
Sem
apoio popular, em meio a denúncias, ações no TSE e criticado
publicamente, Temer vê seu prazo de validade esgotar. A questão, agora,
é:
Quem está no comando?
Considerando
que a imposição do Estado Mínimo, principal motivação do golpe, a
resposta passa pelo núcleo duro do governo, ou seja, o núcleo econômico
dominado pelos tucanos. Vem dele as medidas e reformas, entre as quais a
PEC 55 (ex-241), que vão rasgar a Constituição de 88, ameaçando os
direitos sociais e trabalhistas.
Juarez Guimarães, no artigo “O PSDB golpista já controla o governo Temer?”, mostra vários personagens, historicamente ligados ao PSDB, que se encontram no comando do Banco Central (Ilan
Goldfajn), da Petrobrás (Pedro Parente, ex-ministro do Planejamento de
FHC), do BNDES (Maria Silva Bastos, ex-assessora de Eduardo Modiano), da
Eletrobrás (Elena Landau dirigiu o Programa Nacional de Desestatização
do governo FHC).
Além
de, claro, os ministros Henrique Meirelles (Fazenda), apresentado como
carro-chefe do governo; José Serra (Relações Exteriores); e Alexandre de
Moraes (Justiça), ex-secretário de Segurança Pública de Alckmin, no
comando da repressão.
Resultado:
Fala-se
em combate à corrupção, crise econômica, sacrifício do povo, urgência
das reformas trabalhistas e da previdência, enquanto R$ 500 bilhões são
gastos apenas em pagamento dos juros da dívida pública, garantindo os
ganhos e estabilidade a especuladores e rentistas.
A inversão é completa.
Com ou sem Temer, já estão dadas as condições
para a drenagem do país pelas elites econômicas e financeiras nacionais
e internacionais. Na montagem do circo, a mídia atua, disseminando o
pânico contra a crise e o desemprego, criando mocinhos e bandidos de
ocasião.
O
fato é que, em seis meses, o Brasil deu meia volta e, agora, o futuro
só mesmo pelo retrovisor. A partir de janeiro, a sucessão presidencial
deverá ser feita por meio de eleições indiretas. Daí a pergunta: sem a
garantia das urnas, quem virá depois do decorativo?
2017 já começou.
Créditos da foto: Beto Barata / PR

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