Renda mínima, desenvolvimento com respeito à ecologia, legalização da maconha são alguns dos pontos fortes do programa do candidato socialista francês.
Leneide Duarte-Plon, de Paris*
Fazer o coração da França bater.
Com
esse slogan, Benoît Hamon, de 49 anos, foi a surpresa da primária que
reuniu 7 políticos de uma aliança de esquerda para designar o candidato
socialista à eleição de maio. « Une gauche de gauche », noticiou o
« Libération » em primeira página nesta segunda-feira, 30, dando a
vitória de Hamon no segundo turno.
Inteligente,
claro, didático, Hamon enfrentou ontem o ex-primeiro-ministro Manuel
Valls, que defendeu um governo que pecou por suas contradições e suas
tentações direitistas. Valls deixara o cargo para concorrer.
O
mais difícil começa agora quando Benoît Hamon vai tentar reunificar o
partido, divido entre duas concepções da esquerda (« esquerdas
irreconciliáveis », segundo uma frase de Valls). Muitos dos eleitores
que votaram em Valls declararam que vão aderir à campanha de Emmanuel
Macron, um outsider que está criando a surpresa e fazendo estragos no
campo socialista.
A
renda universal (revenu universel) foi provavelmente o assunto que
ocupou mais espaço nos jornais no último mês. Ensaístas, cientistas
políticos, economistas e políticos escreveram ensaios e artigos contra
ou a favor da « renda universal » ou « renda mínima de existência »,
direito de todo cidadão, independentemente da necessidade.
Com a vitória de Hamon, a renda universal promete estar no centro de todos os debates da campanha presidencial.
Frondeur
Benoît
Hamon começou sua carreira política na juventude socialista do PS, foi
próximo de Michel Rocard e de Martine Aubry. Durante o governo Hollande,
foi secretário de Estado e depois ministro da Educação até se afastar,
em 2014, por discordar da linha securitária e anti-social do governo.
O deputado pelas Yvelines é um dos « frondeurs » do Partido Socialista (adjetivo que vem da história da monarquia francesa e designava aristocratas rebeldes durante a menoridade de Louis XIV) por votar muitas vezes contra as posições do partido.
O deputado pelas Yvelines é um dos « frondeurs » do Partido Socialista (adjetivo que vem da história da monarquia francesa e designava aristocratas rebeldes durante a menoridade de Louis XIV) por votar muitas vezes contra as posições do partido.
Juntamente
com Arnaud Montebourg _ mais conhecido por ter sido o terceiro colocado
nas primárias em que Hollande saiu vencedor, em 2011 _ Hamon criou uma
imagem de « enfant terrible ». Este ano, novamente em terceiro lugar,
Montebourg declarou imediato apoio a Hamon.
O
segundo turno da primária socialista foi um retrato do partido: de um
lado Hamon defendendo um programa ousado, inovador, subversivo. Do
outro, Manuel Valls, da ala direita, tentando defender as realizações do
governo Hollande e dando pouca esperança de reais mudanças.
Seu
programa era tão conformista e direitista que muitos de seus seguidores
não vão fazer campanha pelo candidato vencedor da primária. Nos
debates, Valls tentou estigmatizar o programa do adversário como
irrealizável, pelo custo da renda mínima, calculada em muitos bilhões de
euros.
Esse
foi o item mais atacado no programa de Hamon, que conseguiu dar o tom
da primária. Seus adversários tinham propostas em todos os campos mas
foram unânimes em criticar o alto custo da renda mínima ou renda
universal de existência.
Hamon, Macron, Mélenchon
Na
eleição presidencial deste ano, os candidatos que se apresentam pela
« esquerda » decidiram rimar. Pelo menos no nome, já que suas propostas
em alguns pontos podem ser bastante distantes. E mesmo a filiação à
esquerda, discutível.
Emmanuel Macron é de esquerda ?
Muitos
jornalistas teimam em classificar à esquerda o ex-ministro da economia
do governo Hollande-Valls, mesmo que ele próprio se defina como « ni de
droite, ni de gauche ».
Sem
partido e sem programa, por enquanto, o jovem de 36 que nunca exerceu
cargo eletivo, vem construindo sua campanha num movimento chamado « En
Marche ! ». Como suas iniciais.
Na
língua de Molière, os nomes dos três candidatos rimam com
« désillusion », aquele gosto de desperdício e frustração deixado pelos
cinco anos de governo do PS. Tanto melhor para Jean-Luc Mélenchon,
ex-PS, criador do Parti de Gauche, crítico constante de Hollande e de
seu governo.
Como ele, Benoît Hamon também denunciou durante os últimos dois anos a deriva direitista do governo Hollande.
PS na tormenta
Depois
de dois governos de Jacques Chirac (1995-2007) e um de Sarkozy
(2007-2012), François Hollande entusiasmou uma parte do eleitorado de
esquerda na eleição de 2012. Muitos acreditavam, outros queriam crer,
outros faziam parte do bloco « tudo menos Sarkozy ».
E
Hollande, ex-secretário-geral do PS, um político íntegro mas sem
carisma, ganhou um mandato. Depois, viria a « désillusion » do
eleitorado de esquerda.
O
presidente acaba seu quinquênio tão desgastado e com a popularidade tão
baixa que não pôde se reapresentar como candidato à sua própria
sucessão. Hollande excluiu a hipótese de uma candidatura para evitar a
humilhação.
Agora,
o Partido Socialista totalmente dividido entre suas alas esquerda e
direita tem a chance de propor ao eleitorado um programa realmente de
esquerda.
Resta
a Hamon o trabalho de costura de alianças externas para garantir que
tem chances de chegar ao segundo turno no qual uma presença já parece
garantida: a de Marine Le Pen, do Front National, de ultra-direita.
* Leneide Duarte-Plon é autora de « A tortura como arma de guerra-Da Argélia ao Brasil : Como os militares franceses exportaram os esquadrões da morte e o terrorismo de Estado » (Editora Civilização Brasileira, 2016)».
* Leneide Duarte-Plon é autora de « A tortura como arma de guerra-Da Argélia ao Brasil : Como os militares franceses exportaram os esquadrões da morte e o terrorismo de Estado » (Editora Civilização Brasileira, 2016)».
Créditos da foto: Philippe Grangeaud/Solfe Communications - Flickr

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