"Foi o esmagador voto branco que o colocou na Casa Branca, e ele deveria se lembrar disso", diz o supremacista branco em entrevista


JOAN FAUS
Washington
David Duke, sábado passado em Charlottesville. SHABAN ATHUMAN AP

O passado está de volta. Em 1972, um jovem de 20 e poucos anos simpatizante do nazismo chamado David Duke foi relacionado a protestos em Nova Orleans em defesa de uma estátua de Robert E. Lee, general da Confederação durante a Guerra Civil norte-americana. Houve confrontos com manifestantes negros que consideravam a estátua um símbolo da escravidão defendida pelos Estados secessionistas do sul dos Estados Unidos. Quarenta e cinco anos depois, o monumento foi finalmente retirado –em 19 de maio–, mas Duke volta a estar envolvido na defesa de Lee.

O ex-líder de uma filial da Ku Klux Klan (KKK) foi um dos vários supremacistas brancos que inundaram no fim de semana passado as ruas de Charlottesville (Virgínia). Foram protestar contra a decisão da Prefeitura, paralisada pela Justiça, de retirar uma estátua do general confederado. Como nos tempos nefastos da KKK, alguns levavam tochas, usavam capuzes brancos e gritavam “não irão nos substituir”. Outros exibiam suásticas e estavam fortemente armados. A presença da extrema-direita desatou o caos na tranquila Charlottesville. Houve confrontos com grupos antifascistas e um neonazista acelerou seu carro contra manifestantes, matando uma mulher, Heather Heye, de 32 anos.


Duke, de 67 anos, foi recebido como um herói na praça onde está a oxidada estátua de Lee sobre um cavalo. Sorria e gritava entusiasmado, enquanto prometia cumprir o lema do presidente Donald Trump de “recuperar de volta” os Estados Unidos. A recepção é sintomática. Após anos soterrada, a direita racista volta a aflorar nos EUA. Figuras como Duke, profundamente criticado em seu feudo na Louisiana, têm saído da obscuridade.

Para eles, esses são bons tempos. “A presidência de Trump empoderou muitos europeus-americanos porque ele disse que estava contra a ordem internacional, a guerra sionista”, afirma Duke em entrevista por telefone em alusão à raça branca. “Faz coisas boas e outras com as quais não estamos de acordo, mas sim [nos identificamos com] Trump, não especificamente pelo homem, mas pelo significado, os princípios”.
Duke, vestido com o uniforme do Ku Klux Klan, em 1978 em Londres, onde conseguiu mesmo com sua entrada proibida. AP

Duke, vestido com o uniforme do Ku Klux Klan, em 1978 em Londres, onde conseguiu mesmo com sua entrada proibida. AP

Duke já foi quase tudo em sua vida. Simpatizante do nazismo desde os 14 anos, fundador de um braço da KKK aos 20 e poucos anos em 1974, parlamentar de Louisiana entre 1989 e 1992, preso por 15 meses em 2002 por fraude fiscal, aspirante fracassado a governador, senador e presidente dos Estados Unidos; e, agora, manifestante de extrema-direita na Internet.

A Liga Antidifamação o definiu como “talvez o mais conhecido racista e antissemita americano”. “É a figura mais reconhecível da direita radical americana, um neonazista, duradouro líder da KKK e agora porta-voz internacional dos negacionistas do Holocausto”, acrescenta o Southern Poverty Law Center, especializado em estudos do extremismo.

Duke nega ser um supremacista, racista ou antissemita, e diz condenar a violência e lamentar seu papel na KKK, do qual se afastou apenas oficiosamente um década depois. Mas se define como o maior defensor da raça branca, insulta continuamente os judeus e Israel, e escreveu que os negros são menos inteligentes e mais violentos que os brancos.

Como outros supremacistas, se ampara na liberdade de expressão que rege a vida norte-americana e ataca o politicamente correto. Justifica sua presença em Charlottesville no “direito” dos brancos a “ter orgulho de seu legado”. “Se você acredita realmente nos direitos humanos, não pode haver direitos humanos sem uma verdadeira liberdade de expressão”, afirma.

Atribui a violência na Virgínia exclusivamente aos manifestantes contrários a seu grupo e às autoridades, e questiona que o atropelamento cometido pelo neonazista tenha sido intencional, o que contradiz a versão oficial e as imagens do ocorrido.

Duke lamenta que defender os “interesses da raça branca seja considerado racista”, e manda um aviso a Trump: “Foi o esmagador voto branco que o colocou [na Casa Branca], e [ele] deveria se lembrar disso”. Mas depois de o republicano ter culpado, na terça-feira, “ambos os lados” pela violência em Charlottesville, o ex-líder da KKK o elogiou publicamente: “Obrigado presidente Trump por sua honestidade e coragem em dizer a verdade”.

Há alguns paralelos nas carreiras políticas de Duke e Trump. Ambos derrotaram o establishment republicano e surpreenderam ao vencer eleições, o primeiro para a Câmara de Deputados de Louisiana em 1989 e o último para a Casa Branca em 2016. Duke é muito mais explícito na defesa da raça branca, mas com sua promessa de frear a imigração muçulmana e hispânica, o agora presidente apelava ao eleitor temeroso com o declive branco dos EUA. “O Governo está tratando de destruir a identidade de várias raças”, disse Duke há 28 anos. Hoje repete algo muito parecido.

EL PAÍS Brasil

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