Para prevenir mal-entendidos, no jornalismo recomenda-se parcimônia em tiradas irônicas – na minha opinião, virtualmente interditadas nos gêneros notícia e reportagem. A não ser que se adote um recurso insultuoso aos interlocutores capazes de compreender recados maliciosos: o aviso escancarado “contém ironia” ou o mais viçoso “SQN” (“só que não”). Proclamar o propósito irônico é rebaixar o outro a parvo.

O circunlóquio acima destina-se a enfatizar não uma ironia, o que constituiria ofensa à inteligência, mas a ausência dela. Eu considero mesmo que a candidatura do juiz federal Sérgio Fernando Moro à Presidência da República seria um serviço à democracia.

O calendário não é empecilho: para concorrer em outubro, o magistrado poderia se filiar a partido político até abril.

Ele não careceria de eleitores: pesquisa Datafolha do finzinho de setembro estabeleceu Moro como o único antagonista, num segundo turno renhido, que lograria empatar com o agora possivelmente inelegível Luiz Inácio Lula da Silva (no Datafolha divulgado nesta quarta, o nome de Moro não foi submetido aos entrevistados).

Igualados pela margem de erro, o ex-presidente recolheria 44%, e o juiz, 42% dos sufrágios. Lula bateria Geraldo Alckmin, João Doria, Marina Silva e Jair Bolsonaro. O levantamento é de antes da condenação do petista a doze anos e um mês de prisão, por corrupção e lavagem de dinheiro, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. E de depois da sentença de primeiro grau em que Moro condenou Lula pelos dois crimes.

O titular da 13ª Vara Federal de Curitiba ofereceria perspectiva de triunfo ao imenso eleitorado que, determinado a derrotar Lula, rejeita Bolsonaro como extremista. Ou não reconhece o viúvo mais choroso da ditadura como contendor capaz de sobrepujar o antigo metalúrgico (a confiar no Datafolha, Lula superaria o capitão hoje por 49% a 32%).


Com a foto de Moro na urna, o empresariado graúdo encerraria a procura por um candidato dito de centro com envergadura política para confrontar Lula ou alguém abençoado pelo ex-presidente.