Por 4 votos a 1, os ministros da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram conceder habeas corpus coletivo para converter a prisão preventiva de todas as mães de crianças até 12 anos e todas as grávidas em prisão domiciliar, em julgamento histórico, nesta terça-feira (20). A decisão deve tirar dos presídios milhares de mulheres que aguardam julgamento.
Por Maria Carolina Trevisan
O relator, ministro Ricardo Lewandowski, afirmou que da maneira como o Brasil vem lidando com o tema, está se transferindo a pena da mãe para as crianças. O ministro disse que elas não estarão “em liberdade”, mas, sim, sob a custódia do Estado, em prisão domiciliar.
É uma decisão importante para um sistema que está super lotado: existem 368.049 vagas nos presídios e cadeias brasileiros. Mas faltam 358.663 lugares para receber. Uma taxa de ocupação de 197,4%.
O Brasil é o quarto país do mundo que mais prende mulheres. Estamos atrás apenas dos Estados Unidos (211.870), da China (107.131) e da Rússia (48.478). Entre 2000 e 2016, a população carcerária feminina cresceu quase 600%.
Atualmente, são 42.355 brasileiras presas. Dessas, 43% ainda não foram julgadas, são presas provisórias. Portanto, inocentes. Mas estão privadas de liberdade. A maioria é pobre, negra (68%) e tem baixa escolaridade – grupo populacional historicamente negligenciado pelo Estado brasileiro.
As mães do cárcere – grávidas, puérperas ou com filhos menores de 12 anos – estão submetidas a precariedade absoluta: o sistema prisional foi pensado para receber homens. Apenas 7% das unidades prisionais brasileiras são adaptadas às necessidades das mulheres. A maioria está reclusa em instalações mistas, que representam 17% do total, de acordo com o relatório sobre o sistema carcerário no Brasil, o Infopen.
São raras as unidades que têm creches, berçários, banheiros e quartos adaptados à condição de maternidade, amamentação ou gestação. Menos da metade das unidades consideradas “femininas” têm espaço reservado e próprio para acomodar gestantes e 48% não possuem berçário ou centro de referência.
Manter essas mulheres presas antes do julgamento é como se o Estado estivesse punindo crianças e bebês. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina que crianças e adolescentes são “prioridade absoluta”. Mas parece que a lei vale quando se refere a outras crianças.
Organizações da sociedade civil apresentaram um relatório aos ministros do Supremo para subsidiar o julgamento. O memorial, endereçado ao relator, ministro Ricardo Lewandowisk, foi preparado pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ITTC – Instituto Terra Trabalho e Cidadania e pela Pastoral Carcerária Nacional.
“É dever do Estado – a ser realizado por seus magistrados, em todas as instâncias – salvar dos pusilânimes efeitos do cárcere os bebês e as crianças inocentes das acusações que se formulam contra suas mães e facilitar o acesso a cuidados obstetrícios, ao contrário do que acontece no atual cenário de banalização das medidas privativas de liberdade”, diz o relatório.
E alerta: “o Brasil hoje mantém mais de 4.500 mulheres presas de maneira ilegal, considerando que a Constituição da República, o Código de Processo Penal e os Tratados Internacionais de Direitos Humanos incorporados à ordem jurídica nacional não permitem que gestantes, parturientes e mães responsáveis pelo subsídio de filhos menores sejam atingidas pela excepcional prisão processual.”
O sistema prisional não se importa com as mães no cárcere. Prova disso é que o principal levantamento sobre os presídios brasileiros, o Infopen, conseguiu coletar informações de apenas 9% dos estabelecimentos prisionais no que diz respeito à maternidade. É uma evidente negligência com os direitos das crianças. Reforça a impressão “de que o Estado brasileiro sequer considera essas pessoas dignas de registro”, reforça o memorial.
O artigo 5º da Constituição Federal determina que a população carcerária feminina possa permanecer com seus filhos durante o período de amamentação. A Lei de Execução Penal (LEP) prevê a obrigatoriedade de berçário nos estabelecimentos penais destinados a mulheres.
O caso Adriana Ancelmo
Foi necessário que uma mulher branca e de classe social alta como Adriana Ancelmo tivesse acesso ao direito de cuidar dos filhos em prisão domiciliar até seu julgamento para que a sociedade brasileira olhasse para essa situação.
Presa na Operação Calicute, a esposa de Sergio Cabral obteve o direito a prisão domiciliar em dezembro, por decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF. Ele afirmou que o encarceramento de mães e grávidas é “absolutamente preocupante” e defendeu alternativas à prisão, alertando para a “punição excessiva” à mulher e a seus filhos.
Em um país democrático, o que vale para Adriana deve valer para outras mulheres em igual situação. Foi uma decisão histórica, que poderá devolver um pouco de dignidade às mães – e as crianças.
Fonte: Blog da autora
Portal Vermelho

