Procurador investiga se militar cometeu falsidade ideológica e usurpação de função pública ao se infiltrar em grupos de militantes – e qual foi o papel do Exército

Botelho na foto em que se exibia como Balta, no Tinder e, à direita, vestido com traje militar

A sorte pode estar mudando para o major William Pina Botelho, o oficial de inteligência do Exército que, sob a identidade falsa de Balta Nunes, atuou como infiltrado em movimentos sociais ao longo de pelo menos dois anos, mentindo e assediando mulheres, e que, em 4 de setembro de 2016, envolveu-se na controversa detenção de 18 jovens e três adolescentes antes de uma manifestação Fora Temer, no CCSP (Centro Cultural São Paulo).




Desde que teve sua atuação exposta, em reportagem da Ponte e também do El País, em 2016, o militar escapou ileso de todos os procedimentos que se aproximaram de investigar sua atuação — no Ministério Público Estadual, na Procuradoria de Justiça Militar, na Câmara dos Deputados e no próprio Exército. Mas isso pode mudar. É que a 7ª Câmara de Coordenação e Revisão (Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional), da Procuradoria Geral da República, em Brasília, decidiu ressuscitar uma investigação a respeito de Botelho que caminhava para o esquecimento.

A investigação havia sido aberta, ainda em 2016, pela Procuradoria da República em São Paulo, a pedido da 7ª Câmara, com base nas reportagens publicadas por Ponte e El País. Mas avançou pouco: a procuradora Cristiane Bacha Canzian Casagrande, encarregada do procedimento investigatório criminal, concluiu que não havia indícios de crime por parte do militar e, no ano passado, pediu o arquivamento.

Os procuradores de Brasília, contudo, não aceitaram o pedido de arquivamento e devolveram o procedimento para a Procuradoria paulista. Em 19 de fevereiro deste ano, a investigação foi parar na mesa do procurador da área criminal Marcos Angelo Grimone, que decidiu retomar o caso.

Em entrevista à Ponte, Grimone afirma que investiga a possibilidade de o major Botelho ter cometido os crimes de falsidade ideológica e usurpação de função pública. “Em tese, ele usou falsa identidade e documentos falsos para se fazer passar por terceiro. Ele também poderia ter cometido usurpação de função pública, porque um oficial do Exército não tem poder de polícia”, afirma o procurador. A pena para cada um dos dois crimes pode chegar a cinco anos de reclusão.


Perfil do capitão Botelho no aplicativo de paquera Tinder, usado para

O Exército afirma que, na tarde de 4 de setembro de 2016, quando Botelho se misturou a um grupo de manifestantes que se preparava para participar de um protesto contra o presidente Michel Temer (PMDB) na avenida Paulista, a atuação do militar estava coberta por um decreto federal de 31 de agosto, que determinou a realização de uma operação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) para a cidade de São Paulo, naquele dia, por conta da passagem da tocha paralímpica. Segundo um documento do Exército, enviado em resposta a questionamentos do deputado federal Ivan Valente (PSOL), Botelho estava autorizado a desenvolver “atividades de inteligência” pelo decreto de GLO, que dá poder de polícia aos militares.

O procurador Grimone, porém, afirma que o decreto de GLO não poderia valer para as atividades de Botelho. “Ele se passou por um terceiro, o que poderia ser uma atividade policial de infiltração, que não é permitida pela GLO. É uma coisa fora do figurino. E, ainda que houvesse essa possibilidade, uma infiltração só pode ser feita com autorização judicial”, afirma. Atividades de infiltração só podem ser realizadas em organizações criminosas, com conhecimento prévio da Justiça e do Ministério Público – e nada disso ocorreu no caso de Botelho.

Além da possibilidade de resultar numa ação criminal, o procurador afirma que a investigação também poderia – sempre “em tese” – recomendar a instauração de uma ação civil de improbidade administrativa, que, em caso de condenação, poderia levar à perda do cargo.



Quem deu a ordem?

A investigação também pode ir além de Botelho e seu alter ego Balta. “Agora preciso saber se ele se fez passar por outra pessoa agindo em nome do Estado brasileiro. É essa investigação que estamos fazendo”, afirma. Se ficar provado que agiu sob ordens do Exército, “em tese, os superiores poderiam ser responsabilizados, porque existe a cadeia de comando”.


Botelho ao ser detido com outros manifestantes, em 4/9/16 | Foto: Divulgação

Os superiores de Botelho sempre deixaram claro que o então capitão, hoje major (ele foi promovido “por merecimento” no Natal de 2016), agiu seguindo ordens do Exército. O comandante da 3ª Companhia de Inteligência, tenente-coronel Edgard Brito de Macedo, superior imediato do militar, confirmou que havia dado ao subordinado a missão de “acompanhar as atividades de possíveis agentes identificados como perturbadores da ordem pública” naquele 4 de setembro. Macedo prestou depoimento em duas oportunidades sobre o tema: para uma sindicância do Exército e para um procedimento investigatório preliminar da Procuradoria de Justiça Militar em São Paulo, do Ministério Público da União. Os dois procedimentos terminaram arquivados.

Ponte Jornalismo


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