Nenhum candidato remotamente associado a Temer e ao golpe de 2016 tem chances de vencer eleição presidencial de outubro


O Brasil não quebrou
por Paulo Nogueira Batista Jr.


O governo Temer caminha para um final melancólico. O golpismo se desmoraliza cada dia mais. Posso arriscar, leitor, algumas previsões eleitorais? É uma temeridade, bem sei. Em política, vale com força especial a advertência de Keynes: “The expected never happens; it is the unexpected always” (O esperado nunca acontece; é o inesperado sempre).



Em todo caso, mantidas as regras do jogo (ressalva crucial), diria que o cenário hoje sugere o seguinte. Nenhum candidato remotamente associado a Temer e ao golpe de 2016 tem chances de vencer a eleição presidencial de outubro. Com a polarização do país, o centro desapareceu; foi preso o único candidato que poderia ser de centro. A essa altura, o favoritismo parece ser de candidatos de esquerda/centro-esquerda. Bolsonaro, único candidato competitivo pela direita, pode chegar ao segundo turno, mas dificilmente vencerá a eleição.

Se pudesse ser candidato, Lula seria eleito provavelmente já no primeiro turno. Mas tudo indica que a candidatura dele não será permitida. Um candidato indicado por Lula, porém, tende a ser forte – ainda mais se puder acenar de maneira crível com a sua libertação e um papel central para ele no governo. Ciro Gomes também é um candidato forte de oposição, tem vasta experiência, está com discurso afiado e evolui favoravelmente nas pesquisas de intenção de voto.

A esquerda/centro-esquerda está se preparando, portanto, para governar o país a partir de 2019. E, como sempre, uma pergunta crucial é: como enfrentar os problemas econômicos?

Primeira providência: não se apavorar. O quadro econômico é sabidamente muito difícil, e tende a piorar nestes meses finais do governo Temer. Mas não há motivo para desespero.

Permita-me, leitor, uma rápida digressão. No início dos anos 1950, Churchill encontrou-se com um político irlandês, Sean Lemass, e observou que a situação na Inglaterra era “séria, mas não desesperadora”, ao que o irlandês retrucou que na Irlanda a situação era exatamente contrária: “desesperadora, mas não séria”.



Bem. A situação do Brasil não é desesperadora e – a julgar pelo governo que temos – também não é séria. Evidentemente, para milhões de desempregados e subempregados, para os que vivem na pobreza e na miséria, a situação é, sim, desesperadora.

Mas o ponto de partida macroeconômico com que se defrontará o novo governo não é de todo desfavorável. Contrariamente ao que se repete com frequência, o Brasil não “quebrou”, nem no governo Dilma nem no governo Temer. Esse é um discurso não só falso, como perigoso, pois favorece aqueles que querem comprar e vender ativos brasileiros numa suposta bacia das almas.

Como poderia estar “quebrado” um país que dispõe de reservas internacionais de US$ 380 bilhões, formidável proteção contra choques externos? Como poderia estar “quebrado” um país que apresenta um déficit de balanço de pagamentos em conta corrente modesto (0,4% do PIB)? Que recebe investimentos diretos do exterior (uma forma normalmente mais estável de capital) em montante sete vezes superior ao déficit em conta corrente? E que vem adotando, com relativo sucesso, há quase vinte anos, um regime de câmbio flutuante administrado, outra proteção contra choques e turbulências internacionais?

A isso se acrescenta, o sucesso no controle da inflação, que remonta ao Plano Real de 1994. Excetuados alguns períodos relativamente curtos de instabilidade, o Brasil tem mantido a inflação controlada por quase 25 anos – feito considerável para um país com turbulento histórico monetário. No passado recente, a inflação está até baixa demais, inferior ao piso do regime de metas de inflação que orienta a política monetária. Mas, assim como a pressão arterial baixa é menos grave do que a alta, inflação baixa é um problema geralmente mais fácil de resolver do que inflação alta demais.



Os problemas macroeconômicos brasileiros mais agudos são, como se sabe, as finanças públicas e o desemprego elevado. Cabe reconhecer, inclusive, que os pontos fortes – setor externo forte e inflação controlada – são em parte (mas só em parte) reflexo do elevado desemprego dos fatores de produção. O que torna o quadro particularmente difícil é fato de que a solução do problema fiscal conflita, de imediato, com a solução do problema do desemprego. O ajuste por meio de corte de gastos ou aumento de tributos tende a deprimir ainda mais os níveis de atividade e de emprego.

O meu espaço acabou. Acabei escrevendo, leitor, um artigo bem otimista – espero que não demais. No meu entender, há meios de enfrentar o dilema ajuste fiscal/recuperação da economia e conciliar a solução dos dois problemas. Mas essa discussão fica para outra ocasião.

Paulo Nogueira Batista Jr. é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países.

E-mail: paulonbjr@hotmail.com

Twitter: @paulonbjr


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