De 2017 até março, quando a vereadora do PSOL foi morta com 7 tiros, 23 prefeitos e vereadores foram assassinados. Crimes aumentam durante eleições.


Eliana Alves Cruz

Exercer um mandato no Brasil pode ser, literalmente, fatal. O dia 14 de junho marca os 90 dias do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes sem que nenhuma conclusão tenha vindo a público sobre o caso. Seus assassinos continuam ignorados embora o assombro com a forma brutal do crime tenha comovido o mundo. Segundo dados da União de Vereadores do Brasil (UVB), pelo menos 23 prefeitos e vereadores foram assassinados no país entre 2017 e março deste ano, mês da morte de Marielle.



Presença do crime organizado, disputas por terra, conflitos entre elites e questões da dinâmica de cada localidade dão conta do que muita gente já sabia, mas que é sempre chocante constatar: o nosso total despreparo para a democracia. A “solução final” parece ser sempre a opção mais prática quando os interesses são contrariados, e a banalização do sangue derramado parece poupar apenas aqueles que fazem parte de uma casta protegida pelas benesses de um Estado excludente.

Passados três meses do desaparecimento da vereadora carioca, familiares, amigos, partidários e uma parcela significativa da população assiste perplexa ao ataque contínuo a toda e qualquer liderança que erga a voz para defesa de direitos dos que historicamente são massacrados.

Números não faltam. Segundo dados da Anistia Internacional, só até o mês de agosto de 2017 a mira das armas de fogo acertou os corpos de 58 defensores dos direitos humanos. No ano anterior, 2016, 66 pessoas perderam a vida por lutar por mais igualdade. Os números colocaram o Brasil como um dos países mais perigosos do mundo para ativistas dos direitos humanos. Uma fama que a imprensa confirma. Conforme um levantamento do Estadão, em cinco anos foram 194 assassinatos de políticos ou ativistas sociais.



Assim com o Estadão, na ocasião da morte de Marielle, em março deste ano, diversos portais de notícias se debruçaram sobre sua própria produção e chegaram a números assustadores no mandato de 2017-2018, com cerca de 40 mortes de vereadores, prefeitos e ex-prefeitos. Este número aumenta se forem incluídos suplentes, vice-prefeitos, parentes etc.

Um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, realizado pelos cientistas políticos Felipe Borba e Ary Aguiar, indica que de 2008 para cá 79 candidatos foram mortos durante o período eleitoral: foram mortos 63 candidatos a vereador, seis candidatos à prefeitura, três à vice, quatro candidatos a deputado estadual e três a federal. O Estado com maior número de assassinatos foi o Rio de Janeiro, com 13 vítimas. Como estamos em pleno período eleitoral, qual será a estatística produzida ao final das apurações de outubro deste ano?

Não apenas as bandeiras levantadas por Marielle Franco eram urgentes – sua simples existência era particularmente explosiva.
A vereadora nascida na Maré está incluída em outra estatística perversa: a de morte de mulheres negras. Segundo o Datasus, as negras foram 62,8% do total de mulheres mortas por agressões em 2015. Em 2006, elas eram 44%. As negras também foram maioria entre as mulheres mortas por ação violenta de agentes do Estado: 52% eram pardas e pretas contra 31% de brancas. O sexismo é um mal que se agrava muito quando é somado ao racismo. Não apenas as bandeiras levantadas por Marielle Franco eram urgentes – sua simples existência era particularmente explosiva.



Marielle exercia seu mandato alicerçada e respaldada por uma comunidade carente de lideranças nos espaços formais de poder. É de se esperar que uma mulher negra, lésbica, que não tinha medo de mexer na “casa de marimbondos” que se transformou a questão de segurança pública no Brasil, de um modo geral, e no Rio, em particular, seja um obstáculo para os que sempre dominaram determinados setores da sociedade.

O que nenhum de seus eleitores nem nos piores pesadelos imaginou é que ela tivesse a cabeça alvejada por sete tiros sem qualquer disfarce, em uma via movimentada da zona norte carioca. E que 90 dias depois, camisetas estejam sendo vendidas com seu rosto, mas não se tenha nenhuma notícia de seus assassinos.

Pela alegria e entusiasmo com que exercia seu mandato, Marielle não queria ser mártir de nada. Ela queria fazer parte de um novo tempo na política brasileira. Aquele em que representatividade importa… e vidas também.



Prefeitos e vereadores mortos de 2017 a março de 2018

2017

Alexandro Pereira da Silva, vereador de Santa Helena de Minas (MG)

Francisco Vicente de Souza, prefeito Candeias do Jamari (RO)

Antônio Marcos dos Santos, vereador de Santo Antônio do Monte (MG)

Paulo Chaves Marinho, vereador de Rio Maria (PA)

Diego Kolling, prefeito de Breu Branco (PA)

Jones William, prefeito de Tucuruí (PA)

Manoel Francisco Soares Almeida , vereador em Pau d’Arco (PA)

Adelmo Rodrigues de Melo, vereador em Batalha (AL)

Fabiano de Freitas Figueiredo, vereador de Guará (SP)

Tony Pretinho, vereador em Batalha (AL)

Esvandir Antônio Mendes, prefeito de Colniza (MT)

Kedson Rodrigues, vereador de Governador Nunes Freire (MA)

Jailton Martins de Carvalho, vereador de Carira (SE)

Wilson Portilho da Cunha, vereador licenciado de Goianésia (GO)

Jucely Alves Arrais, vereadora de Aiuaba (CE)

Ademir Carlos Patel, vereador de Brunópolis (SC)

José Roberto Cavalcante, vereador de Tomé-Açú (PA)

Nerivan de Oliveira Silva, vereador de Craíbas (AL)

Miguel Sampaio Soares, vereador de Anajatuba (MA)

2018

Jorge Cunha, vereador de Apicum-Açu (MA)

Elton Alexandre de Aguiar Matta, vereador de Barra do Jacaré (PR)

Miguel Calixto, vereador de Barra do Jacaré (PR)

Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro (RJ)

José Célio Soares da Silva, vereador de Palmeirina/PE

Fonte: União de Vereadores do Brasil (UVB)
Foto em destaque: Lambe-lambe em homenagem à vereadora assassinada Marielle Franco, na escadaria da Rua Cristiano Viana, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo.


The Intercept Brasil

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