Democracia e paz

por Jorge Alexandre Neves

O embaixador Marcos Azambuja é típico representante de uma elite liberal cada vez mais rara no Brasil. Filho de um almirante, teve uma formação intelectual privilegiada e se tornou um homem erudito e racional. No Itamaraty, participou profissionalmente da vida política e diplomática do Brasil, da década de 1950 à de 2000.

No último dia 10, o embaixador Azambuja teve uma entrevista sua publicada no Valor Econômico. Nela, expressa o sentimento de um liberal com a sofisticação intelectual necessária e a experiência internacional suficiente para reconhecer que, durante muito tempo, o Brasil era percebido internacionalmente como um país “autoritário, pobre, injusto e desigual”. Reconhece que, com a redemocratização, o país começou lentamente a mudar essa percepção que provocava no mundo, mas que essa transformação só se acelerou com o governo do ex-presidente Lula. Em suas palavras: “Lula era visto internacionalmente como o rosto do Brasil, cordial, risonho, afável. Seu governo produziu a ideia euforizante de que o país, finalmente, estaria chegando lá”. Este homem, que jamais votou em Lula, conclui: “O Brasil só vai voltar a crescer e a imagem do país só vai melhorar quando Lula for solto”.

Como diplomata, o embaixador Azambuja sabe que o Brasil precisa de pacificação. Só um novo pacto nacional poderá nos trazer de volta aos trilhos do crescimento econômico, da paz social e do processo civilizatório. Como exemplo a ser evitado, temos a Argentina, onde uma perseguição de décadas a Juan Domingo Perón levou um país que em 1930 tinha uma das 10 maiores rendas per capitas do mundo a nunca mais encontrar o caminho do desenvolvimento!
Em sua posse na presidência do TSE, Rosa Weber fez questão de citar o Parágrafo Único do Artigo 1º da CF-88 ao reforçar “a ideia de um poder que emana do povo”. Este, que é o mais básico e fundamental princípio das normas constitucionais de uma democracia, tem sido rebaixado, de forma recorrente, por um estamento jurídico que parece acreditar que o poder emana de um concurso público.
A pacificação do Brasil não será feita pelo estamento judicial, mas pelos políticos. Em uma democracia, o poder burocrático do estamento tem que estar submetido ao poder democrático representado pelos políticos. Lula tem explicitado sua disposição para a construção de um novo pacto nacional (a última demonstração foi posta em um artigo seu publicado pelo New York Times). Assim como Nelson Mandela, Lula - mesmo preso em decorrência de um processo judicial claramente viciado - mostra-se acima de ressentimentos e ódios. Vem daí a única chance para que o Brasil não se torne uma Argentina piorada, pois com uma renda per capita bem mais baixa e uma desigualdade socioeconômica bem mais alta!
Jorge Alexandre Neves - Ph.D. em Sociologia pela Universidade de Wisconsin-Madison (EUA), Professor Titular do Departamento de Sociologia da UFMG, Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin (EUA) e da Universidad del Norte (Baranquilla, Colômbia), pesquisador do CNPq e articulista do jornal Hoje em Dia. Especialista em desigualdades socioeconômicas, análise organizacional, políticas públicas e métodos quantitativos.
Publicado originalmente no jornal Hoje em Dia


GGN

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