O Movimento Ele Não teve origem com mulheres de atitude. E quando Jair Bolsonaro não for eleito (se as pesquisas estiverem certas, ele só perderá no segundo turno, o que é um fator a lamentar e se preocupar), é a elas que devemos nosso agradecimento, às “fraquejadas”

Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
Nas Manifestações de Junho de 2013, momento considerado como fato histórico, a História fez/faz uma injustiça. O Movimento é tido como apolítico e iniciado em São Paulo. Falso.
As manifestações tiveram origem em Porto Alegre, com estudantes universitários e secundaristas protestando na Capital gaúcha contra o aumento da passagem de ônibus. O centro da cidade parou. E a polícia reprimiu, pois movimentos sociais no Brasil, desde pelo menos os abolicionistas, são casos de polícia.
E não foi um levante apartidário, como se rotulou depois. Teve partidos políticos de esquerda por trás da organização. PT, PDT (PDT ainda é de esquerda?), PC do B, mas, sobretudo, os pequenos PSOL e PSTU. E quando digo que as passeatas tiveram participação direta de partidos, não estou as minimizando. Pelo contrário. É legítimo a participação partidária em movimentos sociais. Aliás, é pra defender a sociedade que eles em tese existem.
Como tinha um caráter popular, o movimento foi duramente criticado pela imprensa gaúcha. É que atrasava o trânsito, trancava os carros. A sagrada via asfáltica.
Influenciados pelos colegas gaúchos, os estudantes paulistanos, igualmente ajudados por partidos políticos, obviamente de esquerda, fizeram o mesmo movimento na maior cidade do Brasil, reivindicando não só a baixa da tarifa como também melhorias no transporte coletivo, no que ficou conhecido como o “não é só pelos vinte centavos.”
A imprensa do centro do País criticou, como fizera há mais de cem anos com os abolicionistas. Pra legitimar a crítica, fizeram a rasteira acusação de que, além de trancar o deus trânsito, os jovens estariam depredando o patrimônio público e privado.
Não contavam, porém, com a força de algo que estava se apresentando já como contraponto ao hegemônico poder televisivo, as redes sociais.
Tão logo imagens dos chamados Black Blocks destruindo fachadas foram exibidas, internautas postaram vídeos amadores demonstrando que esses criminosos não só eram uma ínfima minoria em meio à multidão de milhares, como também exibiram flagras de cinegrafistas que só filmavam as depredações, deixando de lado o movimento pacífico e legítimo. Houve vídeos que denunciavam a presença de policiais infiltrados que incitavam a desordem, pra polícia ter desculpa para agir com violência.
E no Jornal Nacional, que é sempre tão simpático aos bancos, a retratação da então âncora Patrícia Poeta à crítica feita aos jovens na edição do dia anterior é coisa que o MasterCard não compra. E, em outro canal, o hoje falecido Marcio Rezende que, no dia anterior e no sensacionalista Programa Cidade Alerta pedia pra polícia “agir com vigor”, no outro dia, após os vídeos amadores caírem na rede, bradava emocionado: “esses jovens não são criminosos. Eles estão mudando o Brasil!”
Como o rótulo de criminosos não pegou e os manifestantes começaram a serem bem-vistos, a classe média resolveu sair do conforto de seu sofá e de sua pantufa e ir pra rua. E como a classe média é de direita, mas não se assume, rotulou os movimentos como um repente involuntário e apartidário da população, que não aguenta mais “isso tudo”.
“Isso tudo” o quê? Aí a nevralgia. A classe média queria fazer algo. Surfar na onda de descontentamento. Mas não sabia do que reclamar. Surgiu o movimento conhecido como “contra tudo que está aí” ou “contra tudo e contra todos”. Ora, é uma questão filosófica da metafísica. Se algo é contra tudo, na verdade não é contra nada. Se é contra todos, não é contra ninguém.
E o movimento virou um verdadeiro carnaval fora de época.
Iam às ruas pessoas pedindo desde o fim das tomadas de três pinos, até o impeachment. Marchavam na mesma avenida e até dividiam a mesma cerveja long neck (que a classe média adora cerveja long neck) pessoas pedindo a volta da Ditadura Militar (sim, eles utilizam a democracia pra reivindicar o totalitarismo), o retorno à Monarquia e novas eleições já!
Os pais pintavam o rosto das crianças de verde e amarelo e as levavam junto. Na legenda das selfies (que se o ato não for registrado por selfie, ele não existiu), colocavam: meu filho cuidando do próprio futuro.
Políticos envolvidos em falcatruas de corrupção bradavam gritos de ordem e se deixavam fotografar pelos repórteres.
Meses depois, a passagem subiu em ambas as cidades. E os políticos corruptos de reelegeram. Mas a classe média, depois que os estudantes foram os pioneiros e apanharam da polícia, saiu às ruas “para reivindicar”. E tem até hoje as fotos salvas no seu computador. Pra orgulho da família. E os partidos envolvidos até hoje não têm o reconhecimento que merecem.
Nestas eleições, as mulheres resolveram tomar o protagonismo e não deixar que Jair Bolsonaro (um machista que nem precisa de fake news pra sustentar esse rótulo, suas ações e falas já bastam) se eleja presidente. As mulheres representam em torno de cinquenta por cento do eleitorado. Têm força pra não eleger ou mesmo eleger quem elas quiserem. O movimento ficou conhecido como Ele Não.
Nessa esteira, outros grupos aderiram à ideia. Estudantes, professores, profissionais de saúde e outros. É legítimo. Mais do que isso, ajuda. Dessa vez, não há que se preocupar com a classe média transformando o levante numa festa. É que ela está do outro lado.
Mas que não se cometa com as mulheres a mesma injustiça feita há cinco anos com estudantes e partidos de esquerda, que literalmente deram a cara a bater e depois foram excluídos.
O Movimento Ele Não teve origem com mulheres de atitude. E quando Jair Bolsonaro não for eleito (se as pesquisas estiverem certas, ele só perderá no segundo turno, o que é um fator a lamentar e se preocupar), é a elas que devemos nosso agradecimento, às “fraquejadas”.
*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”
Pragmatismo Político
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