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| © Sputnik / Sergey Krasnoukhov |
O mercado de gás é um dos mais competitivos no mundo. Não é de estranhar que muitas vezes ele inclusive se torna um palco de briga entre as grandes potências. A Sputnik explica como Washington tenta "expulsar" Moscou do mercado europeu e por que parece ter poucas chances de fazê-lo.
'Protesto' polonês
Após uma entrega "de teste" de gás liquefeito, que aconteceu no último mês de junho, a Polônia passou a ter um contrato a longo prazo com a parte norte-americana no âmbito da estratégia de se livrar da dependência relacionada com o combustível russo.
Ontem (17), o chefe da PGNiG, "congênere polonesa" da Gasprom, o empresário Piotr Wozniak, anunciou que o país celebrou um contrato com a companhia estadunidense Venture Global LNG por um prazo de 20 anos, com a entrega de 2 milhões de toneladas anualmente.
A declaração vem em meio ao crescente alinhamento polonês com os norte-americanos, dado que o país do leste europeu também considera os EUA como seu principal aliado no campo de defesa, comprando sistemas Patriot e os instalando em uma proximidade sem precedentes da fronteira russa.
O projeto do gasoduto Corrente do Norte 2 (Nord Stream 2) russo é um dos motivos para descontentamento por parte de Varsóvia, que o considera como um "nó no seu pescoço", bem como acarreta preocupações da Casa Branca que, por sua vez, pretende reduzir o máximo possível a influência russa no continente europeu, inclusive através das sanções.
Vale ressaltar que o contrato recentemente celebrado corresponde à chamada formula "Free on Board" ("Franco a Bordo", em português). De acordo com ela, a empresa polonesa se torna proprietária da commodity desde o momento em que esta é carregada no navio-tanque, ou seja, o destino da carga depende do comprador. Isso, além de vários outros fatores, leva muitos economistas a acreditar que o contrato tem, sobretudo, um caráter político.
Questão do preço
Ao anunciar o acordo, Piotr Wozniak fez questão de sublinhar até que ponto ele será vantajoso para a parte polonesa, com preços "quase 30% menores que os russos". Enquanto isso, os números concretos que constam no documento não foram revelados. Com isso, obviamente, os políticos recebem um vasto espaço de manobra para suas declarações e criação de expetativas no mercado.
Observemos que o lado polonês tem sido bem caprichoso na questão de preços dos combustíveis que ele compra. Assim, tendo a Rússia sido o principal fornecedor ao mercado do país até hoje, com preços altamente vantajosos em comparação com os concorrentes, Varsóvia por várias vezes solicitou à Gazprom para reduzir esse valor.
O país até recorreu ao Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo em 2015, pedindo à entidade para reconhecer seu direito de exigir uma redução nos preços do combustível russo. A resposta foi parcialmente positiva, porém, para isso a parte polonesa precisa provar que a política de estabelecimento de preços da Gazprom não é justa — o que parece difícil, dado que estes hoje em dia são menores que os do mercado à vista.
Voltando à questão do contrato entre a PGNiG e a Venture Global LNG, se prevê que os terminais para envio no território norte-americano sejam construídos apenas nos anos 2022-2023. Evidentemente, as respectivas entregas não poderão ser iniciadas antes desse mesmo prazo. Já em 2022, expira o acordo bilateral russo-polonês a respeito das compras de gás, assinado ainda em 1996.
Obviamente, o lado polonês se ocupou de antemão da busca de parceiros alternativos, dada sua retórica antirrussa. Porém, a questão que provoca frustração em muitos especialistas é a seguinte: como os empresários poloneses conseguiram prever o preço de gás para os próximos 5 anos? Dada a alta volatilidade do mercado das commodities, assumir que o preço do gás russo seria muito maior que o dos EUA parece pelo menos um cálculo pouco cauteloso, especialmente tomando em conta que na sequência da entrega de teste as importações dos fornecedores americanos acabaram sendo 30% mais caros que as da Gazprom.
Futuro do mercado de gás europeu
A respectiva análise, somada aos projetos dispendiosos de construção das infraestruturas necessárias e recrutamento de quadros especializados, deixa bem evidente que a compra do gás liquefeito estadunidense simplesmente não pode ser mais barata que a do combustível russo, especialmente após estar terminada a construção do novo gasoduto Nord Stream 2.
Mais que isso — os fornecimentos ao continente europeu também não podem ser vantajosos para o lado norte-americano, pois os preços de compra em mercados asiáticos, onde a procura do gás liquefeito está vivendo um boom, são tradicionalmente muito maiores que na Europa. Nessas condições, seria muito mais razoável vender commodities para o Japão ou a China, que está tão interessada no produto norte-americano que até nem o incluiu na lista de artigos tarifados em meio à guerra comercial desencadeada com Washington.
Somado tudo isso, qual seria a real intenção dos EUA nesta "cruzada" energética pelo continente europeu? A opinião dos analistas do mercado é unanime: do ponto de vista econômico, não tem vantagem nenhuma, até por causa do afastamento geográfico. Nesse contexto, a resposta parece ser só uma — o fator político.
Ela fica ainda reforçada com o fato do Congresso dos EUA ter proposto à União Europeia uma doação no valor de 1 bilhão de dólares para ajudar na "redução da dependência" das commodities russas. Será que foi esta soma que garantiu o preço tão surpreendentemente barato que Piotr Wozniak anunciou? No âmbito dos crescentes esforços norte-americanos de aumentar sua presença na Europa, custe o que custar, é bem provável que sim.
De qualquer maneira, por enquanto a perspectiva de toda a Europa reorientar suas importações de gás para o fornecedor norte-americano em detrimento da sua economia parece muito nítida. A prova disso foi uma reação bastante dura de vários países da UE em resposta à tentativa estadunidense de sancionar os que colaboram com a Rússia no projeto de Nord Stream 2. Aliás, o mercado, quando é livre, se rege por suas próprias leis, e estas nem sempre são consonantes com a política.
Sputnik Brasil

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