Um mundo de faz de conta, por Fernando Horta
Logo no capítulo 1 de Mein Kampf, Adolf Hitler escreve sobre a “Casa Paterna”. Diz ele:
“Por isso, essa cidadezinha (Braunau am Inn) da fronteira aparece aos meus olhos como o símbolo de uma grande missão. Sob certo aspecto, ela se apresenta como uma exortação nos tempos que correm. Há mais de cem anos, esse modesto ninho, cenário de uma tragédia cuja significação todo o povo alemão compreende, conquistou, pelo menos na história alemã, o direito à imortalidade. No tempo da maior humilhação infligida à nossa Pátria, tombou ali, por amor à sua idolatrada Alemanha, Johannes Palm, de Nuremberg, livreiro burguês, obstinado nacionalista e inimigo dos franceses.”
Neste pequeno parágrafo temos a chave do início de todo o movimento fascista, daquela época e de agora. Trata-se da recriação de um passado em forma de mito e que muito pouco tem de real. A exortação a um momento no tempo cuja lembrança é sempre perfeita se une ao sentimento de vingança, nacionalismo e o apelo às massas pois quem “resiste” ao inimigo (no caso os franceses) é um livreiro. Um simples livreiro. A ideia de “tragédia” que ganha a “imortalidade” é o apelo à emoção irracional que aflige a todo fascista. Crente que é na “salvação da pátria” e na luta contra tudo o que ele considera “inimigo”, o fascista se torna imune às realidades, aos argumentos racionais e a qualquer tentativa de trazê-lo para a realidade.
Em 1941, Benito Mussolini declarava guerra aos EUA, e dizia:
“O Pacto Tripartite (Alemanha, Itália e Japão) se transformou em uma aliança militar que traz à luz mais ou menos 250 milhões de homens determinados a fazer tudo ao seu alcance para vencer. Nem o Eixo (Roma-Berlim) nem o Japão queriam a extensão do conflito. Um homem, e um homem unicamente, um verdadeiro tirano democrata, por meio de uma série infinita de provocações traiu a população de seu país com a maior mentira possível, querendo a guerra e tendo se preparado para ela todos os dias com uma diabólica obstinação.”
Novamente não é apenas uma declaração de guerra. O documento traz à tona a ideia da perfídia, da traição. Da luta popular em defesa de um bem maior. Alia a ideia de “Democracia” ao adjetivo “tirano” e transfere aos norte-americanos o irreal fato de “terem se preparado” para uma guerra diariamente.
Victor Orban, primeiro ministro húngaro, por toda a Europa identificado com o chamado “neofascismo”, proibiu há três dias os estudos de gênero nas universidades porque, segundo o político, são “ideologia e não ciência”. Antes tinha proibido o ensino “errado” do fascismo na Hungria e banido o que chamou de “islamização” das discussões em instituições de ensino por todo o país. No início do ano, Orban prometia “vingança” contra os “inimigos da Hungria”, que nada mais eram que seus próprios inimigos políticos.
Os discursos do fascismo dos anos 30 e os do século XXI são idênticos.
Chega a ser risível a tentativa de uma série de acadêmicos de distanciarem os dois fenômenos afirmando que não se trata de “fascismo”. Aliás, o mesmo aconteceu no Entre-guerras com uma série de políticos e acadêmicos “normalizando” os absurdos dos fascistas por toda a Europa. É sempre através da criminalização da política, da “vingança” contra opositores e do ataque imediato à educação, à academia e às artes pela construção de um passado irreal que carrega todas as virtudes da história.
No Brasil, o fascista tupiniquim seque à risca tudo o que foi historicamente construído pela trajetória dos fascismos. Cria um passado mítico que só existe em sua cabeça e tem como “plano” levar o Brasil de volta para cinquenta anos atrás. Culpabiliza tudo e todos desde o fim do período militar e criminaliza todos os que dele divergem. Avisa que tudo o que questiona sua visão de mundo é “ideologia” e será banida. Seus apoiadores já se lançam contra o ensino de História, dita “errada” pelos generais, ao ensino e discussão das questões de gênero, à liberdade de expressão do jornalismo e até às liberdades de convencimento características das decisões judiciais.
Se você não compreender a gravidade do que estamos enfrentando, das massas ensandecidas incitadas a acreditarem num passado irreal, em ameaças inexistentes, factoides ridiculamente absurdos ou que elas lutam contra “inimigos” e devem “fazer tudo ao seu alcance para vencerem”, você está mal informado ou – infelizmente – já foi cooptado pelo fascismo.
O Brasil será mergulhado num período de violências e abusos muito maior do que o do período militar. No período militar a parte coercitiva do Estado é aumentada, recebe poderes irrestritos e exerce a violência de forma livre e desimpedida, mas é ainda apenas a máquina do Estado. É imperfeita, é restrita (por maior que o Estado seja) e não pode estar em todos os lugares.
No fascismo, o corporativismo violento, como ideia-guia de todo o fascista, transforma cada cidadão em um “soldado” do fascismo. Cada um se sentindo livre e com o dever de “salvar o país”. Salvar contra quaisquer ameaças que este fascista julgue existir. O fascismo é a liberação da violência em estado mais básico através da elipse da humanidade. Se todo valor é “ideologia” e todos enfrentam “perigos imensos contra a pátria” então todo o esforço é válido e nenhum limite há. O fascismo, ao mesmo tempo que se referencia como reserva moral da sociedade, estabelece que tudo o que não é fascismo não é humano. Tudo pode ser destruído, atacado, arrasado e morto.
A grande defesa que o século XX criou contra o fascismo – os direitos humanos – foram soterrados por liberais incultos que acharam que estavam apenas atacando a esquerda. A democracia brasileira morre nas mãos de juízes abusadores, promotores ignorantes, delegados políticos e policiais bestiais e sádicos. Contudo, não serão eles que herdarão o butim da sociedade destruída. A violência fascista é sem qualquer comparação.
Estamos no limite para detê-la.
Diga não ao fascismo.
GGN

Postar um comentário
-Os comentários reproduzidos não refletem necessariamente a linha editorial do blog
-São impublicáveis acusações de carácter criminal, insultos, linguagem grosseira ou difamatória, violações da vida privada, incitações ao ódio ou à violência, ou que preconizem violações dos direitos humanos;
-São intoleráveis comentários racistas, xenófobos, sexistas, obscenos, homofóbicos, assim como comentários de tom extremista, violento ou de qualquer forma ofensivo em questões de etnia, nacionalidade, identidade, religião, filiação política ou partidária, clube, idade, género, preferências sexuais, incapacidade ou doença;
-É inaceitável conteúdo comercial, publicitário (Compre Bicicletas ZZZ), partidário ou propagandístico (Vota Partido XXX!);
-Os comentários não podem incluir moradas, endereços de e-mail ou números de telefone;
-Não são permitidos comentários repetidos, quer estes sejam escritos no mesmo artigo ou em artigos diferentes;
-Os comentários devem visar o tema do artigo em que são submetidos. Os comentários “fora de tópico” não serão publicados;