“Sobrevivendo no inferno” desperta novas reflexões, por Augusto Diniz


O recém-lançado livro “Sobrevivendo no inferno” (Cia das Letras) sobre o emblemático disco de mesmo nome do grupo Racionais MC’s, apresentado em 1997, é uma oportunidade para novas reflexões. O livro tem grande valor pela forma como o tema é exposto.

A abertura conta com um texto primoroso de Acauam Silvério de Oliveira, professor de literatura brasileira da Universidade Federal de Pernambuco, cuja tese de doutorado na USP, defendida em 2015, tem o título de “Racionais MC’s como acontecimento estético”. Depois, fotos do grupo intercalam com as letras realistas e inquietantes do disco “Sobrevivendo no inferno”.


Essa sequência faz pensar a transformação musical impingida pelos Racionais, bem destacada por Acauam, e as devastadoras composições de uma crueza rara sobre o abismo social e a falência de uma sociedade justa – e, com certeza, o motivo da Unicamp ter incluído o CD dos Racionais como estudo obrigatório no vestibular 2020.

Não há o que se contra argumentar sobre o texto de abertura nem tampouco às letras do disco clássicode Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue e KL Jay, mas algumas reflexões talvez possam contribuir para os tempos atuais, passados pouco mais de 20 anos do lançamento do disco.

Os Racionais são, de fato, a maior revolução musical brasileira recente. O disco “Sobrevivendo no inferno” vendeu 1,5 milhão de cópias sem nenhum esquema de divulgação em rádio – o conhecido jabá – e ações de massificação na mídia (até por que o grupo não fazia a menor força para isso e mal dava entrevistas), numa época em que a internet engatinhava e muito pouca gente tinha acesso.

Ainda assim o grupo se firmou até os tempos atuais se rendendo pouco aos arranjos da indústria do entretenimento. Trata-se de fato raro para uma banda que continua viva, toca sempre em locais com grande público – inclusive recentemente se apresentou em uma das maiores casas de espetáculo do País, o Credicard Hall, em São Paulo (SP) - e completa 30 anos de carreira. Aliás, é esperada uma grande turnê do grupo no País em 2019.

Curvando-se às suas letras, nada tão expressivo e crítico foi feito no País desde o fim da Ditadura – reconheça-se que outros rappers brasileiros se destacaram também nessa linha.

O rock nacional até que tentou ocupar esse lugar antes, mas as mortes precoces de Cazuza e Renato Russo, a incapacidade de recriação e a forma ignóbil com que surgiu nos últimos tempos – com algumas exceções, como Marina Lima - foram a pá de cal.

Cita-se, porém, a cena independente do rock, esta sim bastante criativa com seus festivais pelo país afora, mas firmando-se em guetos de resistência – assim como o samba e suas centenas de rodas comunitárias e de intensa produção musical da qual essa coluna trata como destaque maior.

Sobre a tradicional música popular brasileira (esqueça as sub músicas sertanejas e afins), fico com as palavras de Chico Buarque, lembradas por Acauam Silvério de Oliveira, na abertura do livro, de que o modelo de canção da MPB, bem-sucedida durante a Ditadura, se esgotou – abrindo, assim, caminho para o trabalho apresentado pelos Racionais.

Hoje, “Sobrevivendo no inferno”, dos Racionais, tornou-se atual de novo, passados duas décadas. Não que a realidade apresentada pelo disco tivesse mudado. Mas alerta que os esquecidos da periferia das grandes cidades precisam ser vistos, como bem disse Mano Brown antes das eleições. E esse deverá ser o mote da oposição, se também quiser sobreviver.


GGN

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