Para Thierry Meyssan, uma das consequências do fim sucessivo do mundo bipolar e do mundo unipolar é o restabelecimento dos projectos coloniais. Sucessivamente, dirigentes franceses, turcos e ingleses publicamente afirmaram o retorno das suas ambições. Resta saber que formas poderão tomar no século XXI.

REDE VOLTAIRE | DAMASCO (SÍRIA) | 15 DE JANEIRO DE 2019
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O império britânico sobre o qual o sol jamais se punha
O Império Francês

Desde há uma década, temos relevado, como uma incongruência, a vontade francesa de restabelecer o seu domínio sobre as suas antigas colónias. Foi esta a lógica da nomeação pelo Presidente Nicolas Sarkozy como Ministro dos Negócios Estrangeiros (Relações Externas-br) de Bernard Kouchner. Ele substituiu a noção anglo-saxónica de «Direitos do Homem» pela dos Revolucionários franceses de «Direitos do Homem e do Cidadão» [1]. Mais tarde, o seu amigo, o Presidente François Hollande declarou, aquando de uma conferência de imprensa à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas que era já tempo de restabelecer um mandato sobre a Síria. A coisa é ainda mais clara quando o sobrinho-neto do Embaixador François George-Picot (o dos Acordos Sykes-Picot), o antigo Presidente Valéry Giscard d’Estaing, se pronunciou a propósito. E é deste modo que se deve entender a vontade do Presidente Emmanuel Macron de continuar a guerra contra a Síria, sem os Estados Unidos.

Sempre houve em França um «Partido colonial» transversal aos partidos políticos e que agia como um lóbi ao serviço da classe dominante. Deste modo em todos os períodos em que se torna difícil aos capitalistas, sem escrúpulos, esmagar a mão de obra nacional, o mito da conquista colonial ressurge. Se os «Coletes Amarelos» se revoltam, então continuemos a «exploração do homem pelo homem» nas costas dos Sírios.

O império francês «leva» a civilização

Antigamente esta forma de dominação escondia-se, segundo as palavras de Jules Ferry —sob os auspícios daquilo a que François Hollande consagrou o seu mandato [2]—, atrás «do dever de levar a civilização». Hoje em dia, ela visa a protecção dos povos cujos eleitos são qualificados de «ditadores».

A França não é a única potência colonial a reagir assim. A Turquia não demorou a segui-la.
O Império Otomano

Três meses após a tentativa de assassinato e do Golpe de Estado abortado de Julho de 2016, o Presidente Recep Tayyip Erdoğan pronunciava o discurso inaugural da universidade que leva o seu nome (RTEÜ). Ele traçou então um esboço das ambições da República turca desde a sua criação e as do seu novo Regime [3]. Fazendo referência explícita ao «Juramento Nacional» (Misak-ı Millî) [4], adoptado pelo Parlamento Otomano a 12 de Fevereiro de 1920, ele justificava o seu irredentismo.

Este juramento, que fundamenta a passagem do Império Otomano para a República Turca, reivindica os territórios do Nordeste da Grécia (a Trácia Ocidental e o Dodecaneso) [5], a totalidade de Chipre, o Norte da Síria (aqui incluídos Idlib, Alepo e Hassakah), e o Norte do Iraque (aqui incluída Mossul).

Actualmente o império em neoformação ocupa já o Norte de Chipre (a pseudo «República turca do Norte de Chipre»), o Noroeste da Síria e uma pequena parte do Iraque. Em todas estas zonas, onde a língua e a moeda turcas estão em vigor, foi nomeado um perfeito («wali») cujo gabinete se encontra no Palácio Branco de Ancara.

O império otomano assentou na ignorância dos seus súbditos. Ele fechou as escolas do mundo árabe.
O Império Britânico

O Reino Unido, quanto a ele, hesita desde há dois anos quanto ao seu futuro após o Brexit.

Pouco após a chegada de Donald Trump à Casa Branca, a Primeira-ministro Theresa May dirigiu-se aos Estados Unidos. Discursando para os responsáveis do Partido Republicano, ela propôs restabelecer a liderança anglo-saxônica sobre o resto do mundo [6]. Mas o Presidente Trump foi eleito para liquidar os sonhos imperiais, não para os compartilhar.

Desapontada, Theresa May viajou para a China a fim de propor ao Presidente Xi Jinping o controle com ele do comércio internacional. A City, disse-lha ela, está pronta para assegurar a convertibilidade de moedas ocidentais em Yuan [7]. Mas o Presidente Xi não foi eleito para fazer sociedades com a herdeira da potência que desmantelou o seu país e lhe impôs a guerra do ópio.

Theresa May tentou, então, uma terceira fórmula com a Commonwealth [8]. Algumas das antigas colónias da Coroa, como a Índia, experimentam hoje um forte crescimento e poderão tornar-se valiosos parceiros comerciais. Simbolicamente, o delfim da Coroa, o Príncipe Carlos, foi elevado à presidência desta associação. A Sra. May anunciou que iríamos finalmente evoluir para um Reino Unido global (Global Britain)

Numa entrevista ao Sunday Telegraph de 30 de Dezembro de 2018, o Ministro britânico da Defesa, Gavin Williamson, traçou a sua análise da situação. Desde o fiasco do Canal de Suez, em 1956, o Reino Unido adoptou uma política de descolonização e tem retirado as suas tropas do resto do mundo. Hoje em dia, apenas conserva bases militares permanentes em Gibraltar, em Chipre, em Diego Garcia e nas Malvinas («Falklands» segundo a sua denominação imperial). Nos últimos 63 anos, Londres volta-se para a União Europeia, que Winston Churchill imaginou, mas à qual inicialmente ele não pensava que a Inglaterra iria aderir. O Brexit «rompe esta política». Agora, «o Reino Unido está de volta enquanto potência mundial».

Desde já Londres encara abrir duas bases militares permanentes. A primeira deverá ser na Ásia (em Singapura ou no Brunei), a segunda na América Latina. Provavelmente na Guiana, de maneira a participar na nova etapa da estratégia Rumsfeld-Cebrowski de destruição das regiões do mundo não conectadas à globalização. Depois dos «Grandes lagos africanos», do «Médio-Oriente Alargado», a «Bacia das Caraíbas». A guerra começaria com uma invasão da Venezuela pela Colômbia (pró-EUA), pelo Brasil (pró-Israelita) e pela Guiana (pró-Britânica).

Não se embaraçando com o discurso moralista dos Franceses, os Ingleses edificaram um império com o concurso de multinacionais ao serviço das quais colocaram o seu exército. Eles dividiram o mundo em dois, resumido por este título: o soberano era rei da Inglaterra (portanto submetido aqui à tradição política) e imperador das Índias (quer dizer, sucedendo à Companhia privada das Índias e puro autocrata lá).

A descolonização era um corolário da Guerra Fria. Ela foi imposta aos Estados da Europa Ocidental pelo duopólio dos EUA e da URSS. Ela foi mantida no mundo unipolar, mas já não encontra obstáculos desde a retirada norte-americana do «Médio-Oriente Alargado».

É difícil antecipar que forma a colonização futura tomará. Antes, ela tornou-se possível por importantes diferenças no nível de educação. Mas, hoje em dia?
Thierry Meyssan

Tradução
Alva



Documentos anexados
Nesta entrevista ao Le Parisien de 27 Setembro de 2015, Valéry Giscard d’Estaing declara: «Interrogo-me quanto à possibilidade de criar um mandato da ONU sobre a Síria, com uma duração de cinco anos».
(PDF - 217.8 kb)

Nesta entrevista ao Sunday Telegraph de 30 Dezembro de 2018, o Ministro britânico da Defesa, Gavin Williamson, afirma o fim da política de descolonização.
(PDF - 486.1 kb)




[1] A diferença entre as duas foram o principal tema de debates durante a Revolução Francesa. A sua incompatibilidade foi o tema, nomeadamente, do livro epónimo de Thomas Paine, o mais vendido durante a Revolução.

[2] « La France selon François Hollande », par Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 30 juillet 2012.

[3] “A estratégia militar da nova Turquia”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 14 de Outubro de 2017.

[4] « Serment national turc », Réseau Voltaire, 28 janvier 1920.

[5] “A Turquia anuncia preparar a invasão da Grécia”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 26 de Fevereiro de 2018.

[6] “Theresa May addresses US Republican leaders”, by Theresa May, Voltaire Network, 27 January 2017.

[7] “O Brexit redefine a geo-política mundial”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 27 de Junho de 2016.

[8] “A nova política estrangeira britânica”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 4 de Julho de 2016.




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