Marcha do Dia Nacional da Memória pela Verdade e Justiça, em Buenos Aires, capital da Argentina / Emergentes

Luiza Mançano
Brasil de Fato

O presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PSL), militar da reserva, determinou na última segunda-feira (25), por meio do porta-voz Otávio Rêgo Barros, que o Ministério da Defesa faça "as comemorações devidas" pelos 55 anos do golpe de Estado de 1964, que inaugurou a ditadura no país, no próximo 31 de março.

A declaração de Bolsonaro não contradiz sua trajetória pessoal, embora ganhe outros contornos à frente da Presidência da República. Na ocasião da votação do impeachment de Dilma Rousseff (PT), Bolsonaro, então deputado federal, dedicou seu voto ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra – ex-chefe do DOI-Codi, centro de torturas do regime.

Ditadores de outros países também integram a lista de torturadores enaltecidos por Bolsonaro, como o general paraguaio Alfredo Stroessner, citado pelo presidente em seu discurso na fronteira com o país vizinho, em fevereiro, e o general chileno Augusto Pinochet – que, segundo o capitão reformado, "fez o que tinha que ser feito" no golpe de 1973.

O 31 de março de 1964 é uma data relembrada ano a ano pelas vítimas da ditadura no Brasil, como é na Argentina o dia 24 de março de 1976, que marca o início do último regime ditatorial do país – encerrado em 1983, com a transição democrática.

Para recordar a data, agora denominada "Dia Nacional da Memória pela Verdade e Justiça", milhares de argentinos saíram às ruas do país no último sábado (24) e gritaram “Ditadura nunca mais”, atitude que revela não só uma visão crítica sobre o passado, mas também em relação ao presente e ao futuro.

O “Nunca mais” anuncia que recordar é necessário para que não se perpetuem nas instâncias de poder saudosistas e apoiadores da ditadura, e para combater aqueles que fazem do silêncio uma forma de política, como o presidente do país, aliado de Bolsonaro, Maurício Macri.

A convocatória da marcha do dia 24 de março, que marcou o 43º aniversário do golpe militar no país, foi realizada por organizações históricas como as Avós de Maio, Mães da Praça de Maio, e HIJOS (acrônimo, em espanhol, Filhos e Filhas pela Identidade e Justiça contra o Esquecimento e o Silêncio), formadas por familiares de vítimas do período.

Partidos políticos, sindicatos e movimentos populares também participaram da manifestação.

No domingo à tarde, uma multidão de pessoas se reuniu na Praça de Maio, na capital do país, Buenos Aires. No começo da marcha, as mães da Praça de Maio adentraram o local – onde realizam a tradicional ronda pela aparição de seus filhos – carregando uma quilométrica faixa azul com fotos e nomes de desaparecidos durante a ditadura militar.

Junto a avós, filhos e familiares de vítimas, elas leram uma declaração a todos os presentes na qual reivindicam a continuidade das políticas pela Memória, Verdade e Justiça no país.





Manifestantes carregam uma extensa faixa com os nomes e fotos dos desaparecidos na Argentina durante a ditadura militar (1976-1983) | Foto: Emiliano Lasalvia / AFP

Ao recordar os 30 mil desaparecidos, os manifestantes também fizeram um chamado ao presente – o país está em ano eleitoral. Estela de Carlotto, uma das Avós de Maio, afirmou que Macri é “insensível” em relação à dor dos familiares de desaparecidos, que o presidente nunca se posicionou os netos sequestrados durante a ditadura, encontrados recentemente pela organização.

“Essa insensibilidade que dói não deve ser algo a que se acostuma. Devemos revertê-la com um novo governo que coloque as coisas em seu lugar pouco a pouco (…) porque nos deixam um país endividado até várias gerações”, declarou Carlotto.

A dívida a que se refere Carlotto se aplica tanto à dívida histórica que o país tem em relação aos mortos e desaparecidos, como ao endividamento que a população argentina enfrenta nos últimos anos – resultado da política econômica de Macri, alvo de críticas durante a marcha.

“Nos manifestamos contra o avassalamento que o governo de Maurício Macri entrega ao país todos os dias: demissões massivas, miséria planejada, entrega do país aos abutres, perseguição aos povos originários, perseguição a militantes, presas e os presos políticos, a grave ingerência do Governo sobre o Poder Judiciário, retrocessos [na área de] Memória, Verdade e Justiça, violência institucional, repressão contra os protestos sociais, censura à imprensa e negacionismo”, explica a carta redigida pelas organizações presentes e lida pelos seus representantes.

Durante a marcha, Carlotto expressou categoricamente: "Se esquecemos, se repete”.

A declaração das militantes reafirma a posição de criar uma convergência para o futuro, considerando que a memória é um tema que está atravessado por outras lutas pela democracia.

“Também nos traz aqui a defesa de todos os direitos das mulheres, das lésbicas, travestis e trans. Isso é o mais bonito. Muito conquistamos nessas décadas de democracia com a força das lutas do povo: esse é o caminho, com memória e unidade”, declarou Nair Amuedo, das Mães de Maio.

A unidade que aparece na fala de Amuedo estava refletida entre os próprios manifestantes, como demonstram as fotografias. A marcha reuniu diferentes gerações, desde as militantes históricas pela memória, verdade e justiça, até jovens e adolescentes que carregavam seus lenços verdes, símbolo da luta pelo aborto que vem ganhando fôlego no país desde o ano passado.

"As avós nos ensinaram a lutar", diziam alguns cartazes na manifestação.



Manifestantes jovens carregam faixa com nomes de desaparecidos durante a ditadura militar argentina (1976-1983) | Foto: Emergentes

Embora a maior marcha tenha acontecido em Buenos Aires, capital do país, em outras cidades também aconteceram atos e atividades para relembrar as vítimas da ditadura. Em Bariloche, na região patagônica, os manifestantes recordaram a luta do povo mapuche no país, alvo de perseguição e violência durante o regime passado e no atual governo Macri.



Manifestantes alçam bandeira mapuche durante ato em Bariloche | Foto: Euge Neme - Colectivo Al Margen

Edição: Daniel Giovanaz





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