
Por Paulo Moreira Leite
Presente de Papai Noel Paulo Guedes aos empresários do país, a proposta de criar um regime de capitalização individual enfrenta dificuldades notáveis toda vez que o debate sobre a Previdência assume um perfil socialmente responsável.
Em entrevista hoje ao Estado de S. Paulo, o economista Paulo Tafner, um dos principais consultores da equipe de Paulo Guedes que elaborou o projeto, tornou-se personagem frequente em debates e na TV e agora já fala em mudanças. Ele diz o seguinte:
-- Levo em consideração o que dezenas de países estão fazendo, combinando as virtudes da repartição ( sistema em vigor no Brasil até hoje) com as de capitalização, procurando minimizar vícios, erros e fragilidades de cada um dos sistemas. Pode-se fazer uma repartição mais restrita, de até dois ou três salários mínimos e, acima disso, a capitalização. Podemos caminhar para um sistema híbrido.
Com a elegância possível, o que se procura aqui é uma saída honrosa para abandonar uma proposta que, importada da ditadura de Augusto Pinochet, tornou-se alvo de repulsa cada vez maior no país, em função de seu caráter anti-social escandaloso.
Pelas regras do regime de capitalização individual, as empresas são dispensadas de pagar sua parte na aposentadoria dos assalariados, obrigando cada trabalhador a arcar sozinho com as despesas da própria velhice, num sistema que só assegura a reprodução do padrão de vida anterior para quem tem imensa renda disponível para reforçar as aplicações no fim do mês.
A rejeição a essa proposta atingiu um grandeza tamanha que, há duas semanas, a Folha de S. Paulo, jornal favorável às linhas gerais da reforma, publicou um editorial na linha entregar-os-anéis-para-não-perder-os-dedos, no qual sugeria a retirada da capitalização pelo receio de que pudesse derrubar a aprovação de outras mudanças. "O pragmatismo recomenda, pois, que se remova a capitalização da proposta de reforma, de modo a facilitar a tramitação do texto", alertou o jornal (14/4/2019).
Na realidade, o Brasil já tem uma aposentadoria híbrida, apoiada num sistema publico, e num sistema complementar. Pelo sistema em vigor, a aposentadoria pública tem um teto, equivalente a cinco salários de contribuição e, para receber acima desse limite, a pessoa é obrigada a aderir a um plano de previdência complementar.
O problema é que a reforma da Previdência não nasceu de uma discussão destinada a ampliar a garantia dos brasileiros e brasileiras que necessitam de um sistema público de aposentadorias na velhice. Nasceu como um atalho para garantir ganhos fáceis e rápidos para o patamar superior da pirâmide.
Isso quer dizer que o debate técnico sobre a capitalização terá pequeno poder de argumentação junto as forças que assumiram as rédeas e o cabresto do sistema político a partir da vitoria de Bolsonaro-Guedes.
Ao dispensar a contribuição das empresas, a capitalização individual opera uma brutal transferência de renda para os empresários, que poderão colocar no próprio bolso aquilo que hoje em dia é enviado ao INSS como contribuição para a previdência dos empregados. Só para se ter uma ideia do que isso representa. Numa estimativa baseada no salário médio do mercado formal, essa quantia equivale a R$ 178 bilhões de reais por ano, fortuna superior ao faturamento de mais de 99,9% das empresas brasileiras. Alguém conhece dois empresários que, na conjuntura atual, estariam dispostos a abrir mão de sua fatia nesse bolo imenso em função de uma aguda consciência social?
A crítica cada vez mais frequente à capitalização individual, no entanto, demonstra que o governo pode ser obrigado a abrir mão de uma proposta tão drástica e nociva na tentativa de salvar outros itens do projeto. Aqui, mais uma vez, ninguém tem o direito de se enganar.
Mesmo que a capitalização individual venha a ter o destino que merece -- a lata de lixo das ideias erradas -- o projeto Guedes Bolsonaro não se tornar nem um pouquinho mais aceitável nem deixará de ser uma ameaça a ser combatida. Isso porque pretende obrigar os brasileiros a trabalhar e pagar mais para receber aposentadorias menores. Tenta desconstitucionalizar direitos, para facilitar mudanças ao sabor de maiorias eventuais no Congresso no futuro, quando novas investidas podem ocorrer. Irá jogar a conta das mudanças nas costas dos mais pobres, preservando benefícios e privilégios da alta burocracia do Estado, a começar por juízes e militares.
Alguma dúvida?
Brasil 247
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