Por que acreditamos em fake news?
por Ádamo Antonioni
Hoje em dia tudo é fake news. Qualquer argumento que me contradita, que me interpela e choca com a minha visão de mundo, chamo de fake news. Qualquer cidadão, independentemente da escolaridade ou classe social, evoca o argumento do: “isso que você está dizendo é mentira, é fake news”.Vivemos a “Era da pós-verdade” (do inglês, post-truth), onde as notícias falsas_ baseadas em emoções, teorias conspiratórias, manipulação de dados e distorção de fatos_ ganham mais relevância do que o trabalho sério de um jornalista que checa a informação que recebeu, busca a pluralidade de fontes, diferentes especialistas versados no assunto e fundamentado na realidade.
O Dicionário Oxford elegeu em 2016 o verbete “pós-verdade” como palavra do ano, cujo significado é: “relativo a ou que denota circunstâncias nas quais fatos objetivos são menos influenciadores na formação da opinião pública do que apelos à emoção ou à crença pessoal”. Uma das figuras públicas que ficou mundialmente conhecida por mentir descaradamente foi o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Segundo levantamento do Wasghigton Post, em um ano de governo, Trump forneceu, em média, sete informações falsas por dia.
Seguindo a mesma estratégia, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, comumente dissemina mentiras via redes sociais, negando evidências científicas como no caso em que atacou dados do desmatamento da Amazônia. O Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais) apontou que o desmatamento aumentou em 60%. Outra mentira que proferiu foi negar a existência da fome do Brasil. Apesar dos governos petistas terem tirado o país do Mapa da Fome, com a atual agenda de governo de direita_ marcado pelo aumento do desemprego e cortes em programas sociais_ o país pode voltar. Atualmente, 5,2 milhões pessoas sofrem com a insegurança alimentar, de acordo com o Relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Essas fake news ganharam espaço graças à internet. Em seu livro “A morte da Verdade”, Michiko Kakutani argumenta que “a internet havia não apenas democratizado a informação de maneira inimaginável, como também estava fazendo com que a ‘sabedoria das multidões’ tomasse o lugar do conhecimento legítimo, nublando perigosamente os limites entre fato e opinião, entre argumentação embasada e bravata especulativa”.
Mas, afinal, por que acreditamos nas fake news? De modo geral, as pessoas acabam aderindo mais facilmente às informações que sustentam suas crenças e rejeitam àquelas que contestam. Conforme Kakutani: “As primeiras impressões são difíceis de serem descartadas, porque há um instinto primitivo de defender o próprio território, porque as pessoas tendem a produzir respostas emocionais em vez de intelectuais ao serem questionadas e são avessas a examinar cuidadosamente as evidências”.
Além disso, as fake news se fundamentam na verossimilhança e não na verdade. A verdade são os fatos concretos, a realidade. A verossimilhança é “aquilo que se constitui a partir de sua própria lógica. Daí a necessidade para se construir o ‘efeito de verdade’”. Para ficar mais claro, um exemplo: você já ouviu falar, a um tempo atrás, de atores e atrizes de novela que faziam vilões e que acabavam sendo agredidos nas ruas por telespectadores? As pessoas iam tirar satisfação com esses artistas pelas “maldades” que cometiam. Isso acontecia porque, apesar da novela ser uma ficção, ela se baseia numa verossimilhança, ou seja, produz um “efeito de verdade”, produzindo uma realidade que convença àquele que assiste. Claro que muitas coisas mudaram. Mas este exemplo nos mostra como pode ser tênue a barreira entre ficção e realidade.
É valendo-se dessa confusão que ditadores tomam o poder, usando discursos baseados no cinismo, violando a verdade e apelando para o medo. Em “Origens do totalitarismo”, Hannah Arendt argumenta: “O súdito ideal do governo totalitário não é o nazista nem o comunista convicto, mas aquele para quem já não existe a diferença entre o fato e a ficção (isto é, a realidade da experiência) e a diferença entre o verdadeiro e o falso (isto é, os critérios do pensamento)”.
Assim são as fake news. Elas não têm como objetivo relatar a realidade, mas pretendem persuadir o receptor, convencê-lo de que sua narrativa é a única verdadeira. Para conseguir esse feito, ela produz um “efeito de verdade”, apropriando-se da estrutura jornalística de uma notícia, ou seja, contém título, foto, um lead (o primeiro parágrafo de uma notícia, geralmente, atrativo), citação de fontes, etc. Há interesses velados na elaboração de uma fake news, dentre eles, manipular a opinião pública e difamar a reputação de alguma figura pública.
Como diria o papa Francisco: “Não existe desinformação inofensiva; acreditar na falsidade pode ter consequências calamitosas”. Notícia verdadeira_ objetiva, empírica, baseada em evidências_ se tornou joia rara. Recorrer às luzes da razão nunca foi tão necessário para conseguir identificar que fake news não passam de quinquilharias. Na dúvida, vale lembrar o velho ditado popular: “nem tudo que reluz é ouro”.
Curitiba, PR, 29 de julho de 2019.
Ádamo Antonioni é formado em Jornalismo e Filosofia, Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Autor do livro: “Odeio, logo, compartilho: o discurso de ódio nas redes sociais e na política”. Disponível na versão e-book: https://www.eviseu.com/pt/livros/917/odeio-logo-compartilho/
GGN


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