Joyce Carol Oates, Salman Rushdie e Slavoj Zizek criticam a entrega do prêmio Nobel de Literatura ao escritor austríaco
Salman Rushdie conhece na própria pele a perigosa relação que podem chegar a ter a literatura e a política – Khomeini ditou uma fatwa contra ele por um de seus livros que ainda está em vigor –, mas nunca teve medo de expressar suas opiniões. Há 20 anos chamou Peter Handke de “idiota”, e na quinta-feira, pelo anúncio da concessão do prêmio Nobel 2019 ao autor austríaco, encontrou uma boa ocasião para reafirmar suas opiniões. Não foi o único.
Poucas horas depois de se tornar pública a escolha da Academia Sueca, o PEN América emitiu um comunicado escrito por sua presidenta Jennifer Egan, romancista vencedora de um Pulitzer, condenando a decisão. “Repudiamos a escolha de que um escritor que persistentemente colocou em dúvida crimes de guerra minuciosamente documentados mereça ser premiado por sua ingenuidade linguística”, declarou taxativamente, apesar de reconhecer que as deliberações dos jurados são subjetivas e os critérios não são uniformes. “Lamentamos profundamente essa escolha”. O britânico Hari Kunzru ironizou sobre o gosto da Academia Sueca pela polêmica e acrescentou: “Handke é uma escolha problemática para um comitê do Nobel que está tentando voltar a reposicionar o prêmio após os últimos escândalos. É um bom escritor que combina uma grande profundidade com uma cegueira ética alarmante. Mais do que nunca precisamos de intelectuais que sejam capazes de fazer uma firme defesa dos direitos humanos”.
A polêmica que cerca Handke vem dos anos noventa e das guerras da Iugoslávia, por sua postura de apoio ao líder sérvio Milosevic e sua condenação aos bombardeios da OTAN e os EUA. Na época foi alvo de críticas de um bom número de intelectuais como Susan Sontag. Na quinta-feira, o dramaturgo norte-americano Dan Therriault lembrou que Harold Pinter, que ganhou o Nobel em 2005, também expressou publicamente seu desacordo com os bombardeiros e não foi tão criticado ao receber o Nobel, mas o dramaturgo britânico não foi ao funeral de Milosevic.
“O que é essa simpatia aos verdugos e não às vítimas?”, escreveu no Twitter a romancista Joyce Carol Oates, ela também, como Handke até hoje, habitual participante da lista de candidatos ao Nobel. “É desconcertante para muitos observadores; não é muito diferente do negacionismo do Holocausto. Por quê?”. O filósofo esloveno Slavoj Zizek provavelmente não viu essa pergunta na rede social, mas não importou porque deu sua particular resposta à polêmica: “Isso é a Suécia hoje: um apologista de crimes de guerra ganha o prêmio Nobel enquanto o país participou efetivamente no assassinato do personagem do verdadeiro herói de nosso tempo, Julian Assange”.
Em seu editorial o jornal britânico The Times se junta às críticas pelo que chama de “uma escolha perversa” que é “um insulto às vítimas do genocídio”. Em Kosovo foram reunidas na quinta-feira 30.000 assinaturas para apresentar um pedido para que o Nobel de Handke seja retirado. O escritor austríaco viveu um episódio parecido em 2014 ao receber o prêmio Ibsen de teatro na Noruega. Nessa ocasião, pelas críticas e assinaturas reunidas decidiu por fim renunciar ao dinheiro do prêmio, mas aceitou a estatueta.
A escritora polonesa Olga Tokarczuk que também receberá a medalha em Estocolmo em dezembro, mas pelo Nobel de 2018, fez um comunicado na quinta-feira no qual se perguntava se o lento processo da escrita pode “descrever o mundo, cada vez mais fluido e amorfo com os valores se desvanecendo” e cumprimentando Peter Handke. “Estou muito feliz por nós dois virmos da mesma parte do mundo”.

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