POR FERNANDO BRITO
Publica agora cedo o jornal Extra:
Partiu da arma de um cabo da Polícia Militar o disparo que, dois meses atrás, provocou a morte da estudante Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, no Morro da Fazendinha, no Complexo do Alemão. A informação consta do inquérito da Polícia Civil sobre o caso, que deve ser enviado nesta terça-feira à Justiça. De acordo com o documento, houve um “erro de execução”: o objetivo não era atingir a criança, mas dar um “tiro de advertência” para forçar a parada de dois homens que estavam em uma motocicleta. A dupla teria fugido de uma blitz no complexo. Em seguida, o PM, lotado na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Fazendinha, efetuou o disparo. Segundo relatos de testemunhas incluídos no inquérito, o cabo estava sob forte tensão devido à morte de um colega três dias antes e, por isso, pode ter confundido uma esquadria de alumínio que o garupa segurava com uma arma.
Se verdadeiro, o relato seria o suficiente para que o caso fosse enquadrado dentro dos “excludentes de ilicitude” propostos por Sergio Moro em seu “pacote anticrime”, embora o relatório – a crer pelas aspas que o jornal dá ao tal “erro de execução”- consagre a ideia estúpida que poderia ter havido uma “execução acertada” em um policial disparar, um tiro de fuzil em meio a um largo movimentado, por conta da “impressão” de que uma esquadria de alumínio fosse uma arma.
Isso, porém, seria o bastante para enquadrar o autor do disparo nas cláusulas que Moro (e Bolsonaro) pretendem que sejam suficientes para eximir-lhe de qualquer responsabilidade. Havia medo (e quem não tem?), havia a surpresa (o basculante que teria sido confundido com arma) e havia a violenta emoção ( o colega morto três dias antes).
Para que não paire dúvida, repito a proposta de Moro que inclui um parágrafo no artigo 23 do Código Penal, que passaria a dizer que não há crime (doloso ou culposo) quando o agente pratica o excesso em decorrência “de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.
O homicídio de uma criança estaria, nas mãos de qualquer advogado, triplamente perdoado.
Qualquer um sabe que isso é uma deformação inaceitável do conceito de legítima defesa. O caso é de evidente crime com dolo eventual, pois qualquer um sabe – e ainda mais um policial – que tiro de fuzil mata e que disparar em um largo cheio de gente representa um risco, e apreciável – de que isso aconteça.
Quem propõe, como Moro, uma mudança deste tipo, igualmente, também o faz em situação de dolo que poderia ser comparada à do PM que matou a menina. Assume, conscientemente, o risco de fazer um crime virar nada.


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