A chamada guerra econômica é feita de ataques que se aprofundam desde 5 de março de 2013, com a morte de Chávez
Pedro Carrano
Brasil de Fato
Há uma tentativa de fomentar as comunas e os territórios de organização popular / Stéphano Lunardi
Várias experiências de organização popular são apresentadas para nossa brigada de solidariedade: a organização camponesa Bolívar Zamora, preocupada com o tema da soberania alimentar; o “Movimiento de Pobladores” atua em áreas beneficiadas pela construção de moradias a partir da chamada Mision Viviendas (programa de moradia); conhecemos a Comuna de Lídice del Alto em um bairro de Caracas e suas experiências de juntas comunais para resolver os problemas de seis mil famílias, nas áreas de saúde, produção alimentar, educação, comunicação, infraestrutura e cultura.
De manhã à noite, a agenda é intensa. Debates com integrantes do governo, jornalistas e professores universitários pelas manhãs.
E, na parte da tarde, o conhecimento de experiências de organização popular.
O debate é franco, aberto, crítico. Não parece haver ufanismo em relação à situação do país. A avaliação geral é de que já passou do momento de buscar um novo modelo que substitua a dependência da renda petroleira. Ao mesmo tempo, o povo passou pelos anos mais difíceis, logo depois da morte de Chávez, quando tiveram início as retaliações do governo estadunidense e a forte queda dos preços do petróleo (que passou de cerca de U$110 em 2011 para cerca de U$ 30 em 2016).
A organização popular é marca presente desde o início do governo de Chávez, e figura como direito na Constituição do país. E, mais que isso, neste momento é uma urgência para contornar o bloqueio econômico, os ataques cambiais com o dólar no mercado paralelo, a depreciação da moeda e os baixos salários no país.
A chamada guerra econômica é feita de ataques que se aprofundam desde 5 de março de 2013, com a morte de Chávez e ganham força com as ações de Obama, cujo decreto 13.692, de 8 de março de 2015, aponta a Venezuela como um dos inimigos do tio Sam. Trata-se de um verdadeiro cerco contra a sua autonomia.
O bloqueio econômico é sentido no cotidiano da população. De coisas habituais no Brasil, como o uso de cartões de crédito, caso da Visa, Mastercard, bloqueados no país caribenho, à interferência no comércio internacional, percebe-se também a dificuldade de importar remédios e maquinários necessários para a nova fase de produção.
Tudo isso configura o bloqueio econômico decretado por Donald Trump, em 2019, usando da Ordem Executiva presidencial dos Estados Unidos (13884), considerada um bloqueio total à Venezuela, já que proíbe todas as empresas de fazerem qualquer tipo de transação comercial ou financeira com entes públicos ou privados venezuelanos, sob pena de ser sancionada – como informa correspondente do jornal Brasil de Fato no país.
Isso inclui o bloqueio no valor de 7 bilhões de dólares, em ativos da Citgo Petroleum Corporation, subsidiária da PDVSA nos EUA. A Lei do bloqueio ameaça também países que busquem fazer transações com a Venezuela. “Perdemos 90% de nosso ingresso fiscal e as divisas passaram de 400 bilhões para 4 bilhões”, afirma Willian Castilho, vice-ministro de Comunicações.
A ação dos principais bancos estadunidenses e, sobretudo, do Citibank, em proibir as operações financeiras da Venezuela, em um mundo cada vez mais conectado e transnacional, prejudica as operações da Petróleo de Venezuela S.A, conhecida como PDVSA.
Assim mesmo, ao contrário do que a mídia retrata, ou deixa de retratar, a população acessa de forma gratuita serviços básicos de transporte, saúde, educação, água e luz, os programas sociais têm uma cobertura ampla e a atual rede de abastecimento alcançou, em 2017, quase 11 milhões de famílias venezuelanas.
Há uma tentativa de fomentar as comunas e os territórios de organização popular. As pessoas seguem seu caminho, com dificuldades, mas também com muitas possibilidades.
A organização popular como resposta
A falta de medicamentos se deve ao boicote de corporações do setor, caso da Pfizer, o que exige das Comunas e dos órgãos de organização popular atenção redobrada.
“Para responder a este cenário, a Missiones Barrio Adentro de Medicina Familiar e Comunitária procura garantir a assistência primária de saúde voltada para os indivíduos e às comunidades, em um esforço contínuo dos profissionais de saúde para atuar na melhoria de indicadores de mortalidade e desnutrição infantil, saúde materno-fetal, cuidados com as doenças crônicas como hipertensão arterial e diabetes melito, além de promover a saúde e a nutrição de idosos e idosas frágeis”, informou o relatório de nossa brigada, com contribuição do médico Stéphano Lunardi, da Rede de Médicos Populares.
O processo bolivariano, porém, como se nota nas ruas e entre as organizações do país, está enraizado na consciência popular. William Castilho, vice-ministro de comunicações do país, questiona a tese da mídia brasileira de que o processo só se mantém devido às forças armadas, como se não houvesse apoio popular ao governo de Nicolás Maduro.
“O que sustenta é a união cívico-militar. Chávez fazia círculos de estudo nos quarteis, foi construindo a nova doutrina militar, em meio à guerra política contra Venezuela. Como vamos formar os futuros quadros? E esta união entre o cívico e militar é o que sustentou o nosso processo. Hoje há uma liderança coletiva que sustenta Nicolás Maduro”, define.
O que o imperialismo causa no país?
O livro “Radiografia de um país sob de assédio”, uma coletânea produzida por William Serafino e Franco Vielma, livro elaborado pela Mision Verdad, missão voltada à elaboração sobre temas de interesse público, defende-se que a burguesia venezuelana é uma burguesia parasitária, buscando satisfazer seus interesses e trazer empresas estrangeiras a partir do tráfico de influência no interior do Estado. Nunca houve até então uma burguesia produtiva, preocupada com pleno abastecimento e desenvolvimento do país, apontam os autores.
A empresa mais sintomática neste sentido é o grupo Polar, responsável hoje pela circulação de 60% dos alimentos do país, vendidos como cesta básica, uma empresa que os autores do livro consideram sem capacidade de investimento na produção soberana local (página 53).
Várias iniciativas contrárias à economia venezuelana tem sido lançadas a partir de governos, corporações mundiais e, sobretudo, a partir de bancos e organismos financeiros internacionais, principalmente estadunidenses. FMI, Banco Mundial, agência Goldman Sachs, Deutsche Bank, JP Morgan, Bank of America, bancos associados às agências de qualificação de risco, dão índices rebaixados para a Venezuela mesmo que este país tenha a dívida pública menor em relação a vários países centrais, caso de Espanha, EUA e Japão.
A dívida venezuelana é de 42% do PIB.
Ao lado desses atores de desestabilização, empresários da Venezuela são acusados pelo governo de controlar mercadorias, conspirar para elevação de seus preços e causar ao mesmo tempo desabastecimento. “Em 2013, a maioria das empresas e dos grupos que conformam Conindustria reduziram em 70% a produção no país. Os principais grupos farmacêuticos seguram remédios ainda no estoque, o que forçou o governo Maduro a liberar medicamentos estocados”, afirma trecho do livro.
Hoje a moeda local, o Bolívar, é desvalorizada diante do dólar, cujo preço é 24 mil bolívares. Há movimentações de depreciação da moeda no mercado, especulando com o dólar paralelo.
Não há qualquer análise profunda da mídia e dos analistas conservadores sobre estes fatores que pesam para as dificuldades no dia a dia dos venezuelanos: a tentativa de depreciação da moeda venezuelana, um bloqueio econômico que estrangula o país, como já aconteceu com Cuba, a ameaça de quebradeira por parte dos grandes bancos que rebaixam os títulos de investimento do país, os ataques contra os títulos da PDVSA, principal e maior empresa petroleira estatal do país caribenho.
“O dólar se converte no refúgio onde as grandes empresas especuladoras custeiam a sua taxa de lucro em bolívares, e usam o tipo de câmbio paralelo, o qual traz como consequência o aumento nos preços de produtos básicos de alta demanda. Assim eles protegem sua dinâmica de precário abastecimento, consequência da excessiva e histórica dependência das importações”, afirmam os autores na página 109 do livro.
Há um processo de recolonização do continente, afirma William Castilho, vice-ministro das comunicações. E a revolução bolivariana está no centro da disputa. “Temos resistido às agressões mais brutais. Acabamos de ser despojados de U$ 40 milhões de dólares”, lamenta.
O integrante do governo admitiu que a soberania alimentar é um dos principais objetivos a ser perseguidos e uma lacuna do período anterior. Porém, diante de um terreno fértil para aventuras golpistas, o fracasso da oposição venezuelana se deve ao fato de ter adotado um caminho violento que não reuniu a maioria da população. “A oposição não foi capaz de construir um projeto alternativo, ela se construiu sobre o antichavismo, foram derrotados, não conseguiram dividir as forças armadas e tampouco promover a ruptura entre o povo e o governo”, afirma Castilho.
Edição: Frédi Vasconcellos
Brasil de Fato


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