A guerra comercial e política de gigantes EUA X China deve ser encarada pela diplomacia brasileira com pragmatismo. O alinhamento automático não serve aos interesses nacionais rumo ao desenvolvimento social e econômico

Por Aldo Rebelo

Os mandatários da China e dos EUA, Xi Jinping e Donald Trump - Reprodução: Youtube

A paz amada entre as potências europeias resultou na corrida armamentista e na crise econômica que desencadearam a Primeira Guerra Mundial.


Estados Unidos e China anunciaram a conclusão da fase preliminar do acordo para acabar com a guerra comercial entre os dois países, que já afetava o comércio e a economia mundial.

O acordo consiste basicamente na redução da artilharia pesada tarifária com que ambos os países atingiram uma série de produtos um do outro, e no compromisso chinês de ampliar as compras agrícolas nos Estados Unidos.

O acerto revelado triunfalmente pelo presidente Donald Trump desencadeou uma onda de euforia nos mercados, inclusive no Brasil, com alta da Bolsa e queda do dólar. Mas a bolha de euforia precisa levar em conta que o ajuste anunciado não remove os obstáculos mais importantes que separam Estados Unidos e China de um entendimento abrangente e duradouro.

Ao contrário, episódios recentes entre os dois países indicam uma situação de paz armada, denominação dada pelos historiadores ao período percorrido pela Europa entre o final da Guerra Franco-Prussiana e a Primeira Guerra Mundial, quando as desconfianças entre as potências desencadearam a corrida armamentista e a crise econômica que resultaram na carnificina de 1914-1918; ou de guerra híbrida, como parece a que é travada em Hong Kong, onde manifestantes com explícito apoio norte-americano desafiam a autoridade chinesa.

Os recrudescentes conflitos em Hong Kong fazem parte dos atritos China x EUA

Tanto é assim que enquanto os negociadores dos dois países conduziam o pacto para pôr fim à guerra comercial, a Câmara dos Deputados em Washington aprovava o Uyghur Human Rights Policy Act, legislação com proposta de sanções contra a China por supostas violações de direitos da população muçulmana na província de Xinjiang.

Em outubro Trump já sancionara uma lei prevendo a punição de autoridades chinesas e de Hong Kong envolvidas na repressão aos protestos que há seis meses ocorrem na cidade. Em retaliação, a China suspendeu a autorização para a presença de navios dos Estados Unidos no porto de Hong Kong.

A pressão de Trump sobre aliados europeus levou dois partidos da base de apoio da primeira-ministra Angela Merkel a apresentarem projeto de lei que praticamente exclui a gigante chinesa de tecnologia Huawei da instalação da rede 5G na Alemanha. A China já anunciou que as montadoras alemãs de automóveis sofrerão retaliações, caso a lei venha a ser aprovada.

Angela Merkel, primeira-ministra da Alemanha, país que ameaça entrar na guerra tarifária China x EUA

No último dia 17 de dezembro, em solenidade concorrida e com a presença do presidente Xi Jinping, a China incorporou à sua marinha de guerra o porta-aviões Shandong, inteiramente fabricado em seus estaleiros, e já informou que está em construção um terceiro navio de uma série de seis.

O porta-aviões Shandong, um dos maiores do mundo, aumenta a tensão EUA X China – Foto: Naval News

A liberdade de navegação no Mar do Sul da China e o destino das gigantes chinesas de tecnologia são os verdadeiros desafios para os quais os negociadores dos Estados Unidos e da China não têm solução à vista.

O Brasil pode e deve antecipar os movimentos que o protejam da tensão permanente e incontornável entre os Estados Unidos e a China, e colher das amplas possibilidades de que dispõe nas relações com o poderoso vizinho do hemisfério Norte e com o gigante asiático o melhor resultado possível para o seu desenvolvimento.

Mas, para tanto, precisa alterar o rumo errático da diplomacia praticada pelo Itamaraty e pelo próprio presidente da República, de aliança quase submissa aos Estados Unidos, e de negação de nossa tradição mediadora em política externa.



Comentário(s)

-Os comentários reproduzidos não refletem necessariamente a linha editorial do blog
-São impublicáveis acusações de carácter criminal, insultos, linguagem grosseira ou difamatória, violações da vida privada, incitações ao ódio ou à violência, ou que preconizem violações dos direitos humanos;
-São intoleráveis comentários racistas, xenófobos, sexistas, obscenos, homofóbicos, assim como comentários de tom extremista, violento ou de qualquer forma ofensivo em questões de etnia, nacionalidade, identidade, religião, filiação política ou partidária, clube, idade, género, preferências sexuais, incapacidade ou doença;
-É inaceitável conteúdo comercial, publicitário (Compre Bicicletas ZZZ), partidário ou propagandístico (Vota Partido XXX!);
-Os comentários não podem incluir moradas, endereços de e-mail ou números de telefone;
-Não são permitidos comentários repetidos, quer estes sejam escritos no mesmo artigo ou em artigos diferentes;
-Os comentários devem visar o tema do artigo em que são submetidos. Os comentários “fora de tópico” não serão publicados;

Postagem Anterior Próxima Postagem

ads

ads