" O que houve com Ibsen não foi um acidente de percurso. Ele foi a primeira vítima do que começava a ser plantado em nome do combate à corrupção: o esfolamento para contentar a mídia e a opinião pública,com a supressão do direito de defesa e o atropelo do processo legal", diz a jornalista Tereza Cruvinel, que lamenta a morte do ex-deputado Ibsen Pinheiro

Ibsen Pinheiro (Foto: Leonardo Lucena)

Convivi com Ibsen Pinheiro em suas duas passagens pela Câmara, e principalmente na primeira, quando presidiu a Câmara e conduziu o processo de impeachment de Collor: “O que o povo quer esta casa acaba querendo”. A frase que ficou célebre deu origem ao entendimento, posteriormente utilizada contra Dilma Rousseff, de que presidentes podem ser derrubados mesmo se não tiverem cometido crimes, se houver gritaria na rua e acordo entre as elites neste sentido. Não era o caso de Collor mas a frase serviu aos golpistas do futuro. Ibsen Pinheiro, entretanto, deve ser lembrado é como primeira vítima do udenismo que começou a ser plantado, e que, regado e adubado pela direita então encolhida, pois a ditadura ainda era recente, resultaria no lavajatismo, no law fare e na intoxicação de setores do Ministério Público e do Judiciário.

Na esteira do impeachment de Collor, em 1992, veio a primeira onda anti-corrupção depois da transição. Em 1994 foi instalada a CPI dos Anões do Orçamento. Pela primeira vez, o Congresso iria cortar na carne, investigando os próprios pares. A denúncia de um servidor da Câmara investigado pelo assassinato da mulher era a de que deputados ganhavam comissões de empreiteiras para incluir no orçamento emendas que as beneficiavam com obras.

Gente do alto comando dos partidos estava envolvida. Se a investigação fosse levada a fundo, muitos caciques seriam arrolados. Destavam-se também no esquema muitos deputados inexpressivos, como João Alves, que justificou os ganhos ilícitos alegando ter ganhado 55 vezes na loteria no ano de 1993. Foi nesta época que surgiu a expressão “baixo clero”. A CPI, para livrar os tubarões graúdos, concentrou-se nos bagrinhos do baixo clero: Além de João Alves, foram investigados, entre 37 deputados, nomes como Genebaldo Correa, José Geraldo Riberio, Manoel Moreira, Raquel Cândido, Cid Carvalho, Geddel Vieira Lima (olhe como ele foi precoce) e Ricardo Fiúza. Seis foram cassados, quatro renunciaram e os demais escaparam, inclusive Geddel e Fiúza, então homem forte do PFL pernambucano. Mas era preciso incluir alguém do alto clero para poupar os graúdos. A mídia cobrava uma cabeça coroada e entregaram a de Ibsen.

Em sua conta bancária foram encontrados depósitos feitos por Genebaldo Corrêa, um dos anões (apelido pespegado a um grupo de peemedebistas que tinham como traço comum a baixa estatura). Os recursos, segundo Ibsen, correspondiam ao pagamento de uma camioneta que vendera a Genebaldo. A CPI cometeu grosseiros erros de cálculos (aparentemente propositais), atribuindo a Ibsen recebimentos superiores a um milhão de cruzados, valores que depois não se confirmaram. Ele já fora cassado quando o STF o absolveu das acusações e demonstrou que recebera pouco mais de mil cruzados de Genebaldo.

Ele viveu alguns anos no ostracismo, foi vereador em Porto Alegre, onde participava do conselho fiscal do Internacional. Elegeu-se novamente deputado federal em 2006 mas já não tinha o mesmo brilho e energia políticos. A ferida causada pela injusta cassação nunca cicatrizou. Nesta volta à Câmara notabilizou-se pela aprovação de emenda que levou seu nome, garantindo a distribuição dos royalties do petróleo entre todos os estados, e não apenas entre os produtores. Em 2016, posicionou-se contra o impeachment de Dilma Rousseff.

O que houve com Ibsen não foi um acidente de percurso. Ele foi a primeira vítima do que começava a ser plantado em nome do combate à corrupção: o esfolamento para contentar a mídia e a opinião pública,com a supressão do direito de defesa e o atropelo do processo legal.

Tereza Cruvinel
Colunista do 247, Tereza Cruvinel é uma das mais respeitadas jornalistas políticas do País

Brasil 247

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