“A discussão sobre moralidade, a qual presenciamos diariamente, é de extrema importância neste processo. Joga-se luz sobre ela para deixar na escuridão as contradições econômicas”
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| Foto: Reprodução |
Escritores como Aldous Huxley e George Orwell imaginaram distopias onde pessoas eram controladas por governos em questões de eugenia e de eterna vigilância. Tinham interesse em satirizar elementos do fascismo de Hitler e do comunismo de Stalin.
Admirável Mundo Novo e 1984 foram obras que marcaram o gênero, mas não acertaram o futuro. Um texto mais próximo do que vivemos hoje seria o Tacão de ferro, de Jack London, um romance revolucionário socialista, que retrata uma ditadura oligárquica (baseada livremente nos trustes, ou monopólios industriais, americanos), com sede em Wall Street, que visa suprir os direitos dos trabalhadores. Neste romance, que arrancou elogios de Trotsky, a ditadura é encabeçada pelas empresas para manipular as lutas de classes.
Mas o livro de London não fez tanto sucesso. Embora Huxley não fosse tão amante do capitalismo e Orwell, por sua vez, fosse declaradamente de esquerda, suas obras alimentam a ideologia neoliberal de que o Estado é o grande vilão, escondendo o verdadeiro protagonista das mazelas humanas: o mercado.
Estamos em um futuro bem distante do tempo destes clássicos, e hoje uma ditadura é desnecessária visto as técnicas de manipulação que invadem o espaço público.
Vivemos em uma democracia que serve aos interesses do mercado. Por isso que para Ellen Wood, não é possível haver democracia no capitalismo. Leis são criadas para favorecer o mercado, não os cidadãos. No caso brasileiro, por exemplo, foram as contradições do mercado que desencadearam no impeachment de Dilma Rousseff. Foram as contradições do mercado (inclusive relacionadas à reforma trabalhista, o que lembra o romance de London) que criaram um ódio contra a esquerda para impedir o retorno do PT ao governo. Enfim, foram as contradições do mercado que elegeram Jair Bolsonaro.
Hoje, em meio à pandemia da Covid-19, os empresários pressionam para a abertura do comércio e a volta da “normalidade”, contudo, é também o mercado que defende o isolamento. As empresas que lucram com atividades à distância e serviços de entrega em domicílio compartilham a hastag “#ficaemcasa”. Existe um mercado que lucra com as lutas identitárias, outro que se especializa em produtos conservadores (vemos isto claramente nos filmes hollywoodianos).
A mídia, que possui um grande poder de manipulação, é controlada por corporações econômicas e não por políticos. Aliás, os próprios políticos são controlados pelas corporações. A relação do PT com a Odebrecht, de Bolsonaro com a Havan…
Aquele ditador que vemos no V de Vingança, cuja máscara foi usada por manifestantes em várias partes do mundo, existe apenas na ficção. A manipulação, o controle, não precisa de rosto, ela está nas mídias sociais, nos noticiários, na publicidade, filmes e séries conduzindo-nos a nos comportar de maneira a alimentar críticas ácidas aos políticos, enquanto as grandes corporações agem nas sombras.
Esse projeto é ainda mais fácil com a ascensão da extrema direita. A extrema direita se apropriou das críticas populares contra os governos, desde 2010, para influenciar a população e chegar ao poder. O mercado não impediu a ascensão deste grupo porque a situação era vantajosa aos seus propósitos, ajudando a aquecer ainda mais o conflito pseudopolítico (é falso porque busca preterir a luta de classes), escondendo os interesses do mercado.
A discussão sobre moralidade, a qual presenciamos diariamente, é de extrema importância neste processo. Joga-se luz sobre ela para deixar na escuridão as contradições econômicas.
A ditadura econômica, que manipula os rumos da democracia, é a distopia na qual vivemos. Enquanto não trouxermos à tona discussões econômicas, isto é, popularizá-las, essa ditadura dificilmente será superada.
(1)CLAEYS, G. Utopia: a história de uma ideia. São Paulo: Sesc, 2013, p. 176.
(2)BRETON, Philippe. A manipulação da palavra. Trad. Maria S. Gonçalves. São Paulo: Loyola, 1999, p. 15
(3)Id., p. 17.
Revista Fórum

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