Heleno Corrêa Filho é médico sanitarista, professor aposentado da Unicamp e pesquisador colaborador da UnB. De joelhos para Bolsonaro, o presidente do CFM, Mauro Ribeiro. Fotos: Agência Senado, PR e rede social

Viomundo
6-9 minutos

por Conceição Lemes

Ao médico, segundo o Código de Ética Médica, é vedado:

* Causar dano ao paciente, seja por ação ou omissão.

* Divulgar tratamento não reconhecido cientificamente por órgão competente.

O profissional que fizer uma ou outra coisa infringe o Código, corre o risco de o caso ser denunciado ao Conselho Regional de Medicina (CRM) do seu estado, julgado e eventualmente punido.

Mas a palavra final é do Conselho Federal de Medicina (CFM), que tem o dever de zelar pela ética da prática médica em todas as instâncias.

Paradoxalmente, em 23 de abril de 2020, o CFM autorizou o uso de cloroquina/hidroxicloroquina para covid-19, apesar de as evidências científicas já na época mostrarem que não traziam benefício no tratamento e prevenção da infecção pelo novo coronavírus, e ainda podiam causar efeitos colaterais graves, como arritmias fatais, insuficiência renal e hepática.

O anúncio foi feito pelo próprio presidente do CFM, Mauro Luiz Ribeiro, após reunir-se com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o então ministro da Saúde, Nelson Teich, e entregar-lhes um parecer sobre a administração dos dois medicamentos em pessoas com covid-19.

Bolsonarista de carteirinha, Mauro Luiz Ribeiro foi também o relator do parecer do CFM e o seu garoto-propaganda.

No mesmo 23 de abril de 2020, em entrevista a esta repórter, o médico sanitarista Heleno Corrêa Filho, professor aposentado da Unicamp e pesquisador colaborador da Universidade de Brasília (UnB), criticou duramente a decisão.

“Ao decidir permitir o emprego de terapêutica que não tem suporte científico publicado, o Conselho Federal de Medicina extrapolou suas competências e atribuições”, afirmou.

“O seu presidente está agindo essencialmente por motivações político-partidárias, atropelando a ética”, acrescentou.

Bingo.

Vídeo revelado pelo jornalista Samuel Pancher, no Metrópoles, comprova a relação promíscua entre o Conselho Federal de Medicina e o Palácio do Planalto.

Ele está topo, no tweet de @sampancher.

O fato aconteceu em 7 de maio de 2020.

Mauro Ribeiro participou de uma live com um representante do Conselho Regional de Medicina de Goiás(Cremego), que não é identificado.

Na conversa, Ribeiro disse:

— Existem estudos observacionais em relação à hidroxicloroquina, mas não existe nenhuma evidência científica, nada de uma medicina baseada em evidências, que comprove alguma eficácia da hidroxicloroquina

— Mas nós, numa decisão bastante fora das nossas normas, acabamos liberando o uso da hidroxicloroquina.

— Fizemos uma análise grande do que existe na literartura. E não tem nenhum trabalho que realmente sustente a hidroxicloroquina como recomendável para o tratamento da covid-19.

— No entanto, o Conselho Federal de Medicina liberou o uso. Não recomendou, mas liberou o uso.

Na sequência, atacou a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) e o ex-ministro Alexandre Padilha pela abertura de escolas médicas:

— Nós teremos aproximadamente 1,5 milhão de médicos no Brasil. É a popularização da medicina.

Prosseguindo, disse que o CFM apoia @jairbolsonaro:

— O presidente Bolsonaro já nos recebeu cinco vezes no Palácio do Planalto, desde que ele assumiu o poder.

— Todas as nossas reivindicações foram atendidas pelo presidente da República.

— Aí, as coisas ficam mais fáceis. Quando existe diálogo, antes que as normas sejam postas, você tem a oportunidade de consensuar aquilo que vai ser proposto. E este é o caminho que nós estamos seguindo no governo Bolsonaro.

— Então existe, sim, o apoio do Conselho Federal de Medicina ao Ministério da Saúde, ao presidente, porque nós temos diálogo.

— Nós estivemos com o presidente Bolsonaro há pouco mais de uma semana atrás, o presidente ficou surpreso quando contamos que esse artigo havia sido vetado na lei. Ele disse que nós podemos trabalhar para que este veto seja revertido no Congresso Nacional com o apoio do presidente Bolsonaro.

Neste sábado, 9 de outubro de 2021, com a descoberta do vídeo, voltei a entrevistar o médico sanitarista e pesquisador Heleno Corrêa Filho.

Viomundo — Surpreso com o que presidente do CFM disse numa live de 7 de maio de 2020?

Heleno Corrêa Filho — Não. Somente confirmou o que eu supus no dia em que o CFM liberou o uso da cloroquina/hidroxicloroquina, em 23 de abril de 2020.

O tempo todo, o dirigente do CFM atuou e atua politicamente, utilizando a incerteza científica como pretexto para autorizar práticas desautorizadas.

Viomundo — Tal conduta configura o quê?

Heleno Corrêa Filho — Exercício de má prática profissional acobertada por normas em conflito de interesse.

O CFM mandou às favas a ética médica e a medicina baseada em evidências científicas.

Viomundo — Os conselhos regionais de medicina — os CRM — fizeram o mesmo?

Heleno Corrêa Filho — A conduta criminosa do Conselho Federal de Medicina se disseminou feito praga. Num efeito manada, a maioria dos CRMs passou a reproduzi-lo.

É o caso Conselho Regional de Medicina de Brasília (CRMDF).

Nós fizemos um manifesto contra o CRMDF, assinado por mais de 700 médicos, mencionando os crimes éticos e profissionais replicados pelo presidente do órgão, o médico Farid Buitrago Sánchez.

Ele engavetou sem responder, pública ou pessoalmente.

O negacionismo é uma praga que assola os órgãos que deveriam controlar o exercício profissional médico.

Viomundo — O que acha desse tipo de negacionismo?

Heleno Corrêa Filho — Criminoso!

Viomundo — Nesta semana, o presidente do CFM se tornou alvo da CPI da Pandemia no Senado. Segundo o senador Renan Calheiros (MDB/AL), relator da comissão, na condição de investigado. O que acha?

Heleno Corrêa Filho — Este senhor Ribeiro tem que ser investigado, sim. O CFM respaldou o governo Bolsonaro na disseminação de tratamento ineficaz contra a covid-19. Oxalá, ele seja processado por esses crimes. 

viomundo.com.br

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