Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito. Crédito da foto: Pedro Ribas/SMCS.

Pré-candidatos moldam episódio pensando em votos. Esquerda também critica


Por Angieli Maros
Jornal Plural
9-12 minutos

A repercussão da entrada de um grupo de manifestantes na Igreja do Rosário, em Curitiba, da qual participou o vereador Renato Freitas, do PT, migrou do debate público para o palanque eleitoral entre partidos da direita – inclusive entre pré-candidatos à Presidência da República. Representantes da esquerda local também criticaram a finalidade do ato, que mexe com um tema de camada tênue e particularmente suscetível às legendas progressistas.

Pesquisas dão como certa a performance decisiva dos eleitores evangélicos no pleito geral de 2018, do qual Jair Bolsonaro, hoje do PL, saiu vitorioso. Apesar de queda no desempenho entre o nicho, o atual mandatário segue com foco nos votos de fiéis, não importa quais, já que, ao evitar pautas identitárias, segue transitando com facilidade entre conservadores de qualquer denominação religiosa.

Certo disso, Bolsonaro se apoderou da polêmica curitibana e foi às redes sociais na segunda-feira (7) exigir “justiça”. “Acreditando que tomarão o poder novamente, a esquerda volta a mostrar sua verdadeira face de ódio e desprezo às tradições do nosso povo. Se esses marginais não respeitam a casa de Deus, um local sagrado, e ofendem a fé de milhões de cristãos, a quem irão respeitar? [sic]”, escreveu o presidente, que afirmou ter convocado os ministérios da Justiça e da Mulher e Direitos Humanos para acompanhar o caso.

O post não faz qualquer menção à pauta da manifestação: os homicídios brutais de dois homens negros no Rio de Janeiro na última semana. Um, o refugiado congolês Moïse Mugenyi Kabagambe de 24 anos, assassinado a pauladas por cobrar R$ 200 devidos por serviço prestado em um quiosque na praia; outro, Durval Teófilo Filho, de 38 anos, morto a tiros pelo vizinho que disse o ter “confundido” com um bandido.

O pré-candidato ao Palácio do Planalto Sergio Moro (Podemos), ex-juiz federal de Curitiba, também adotou tons de campanha em crítica contra a manifestação na igreja, que chamou de invasão “absurda” e “revoltante”.

Felipe d’Ávila, representante do Novo na disputa nacional, situou a manifestação como se tivesse ocorrida nesta segunda – embora tenha sido no sábado (5) – e disse aos seus seguidores se tratar de uma invasão e de um “triste retrato da intolerância que vivemos”. “É a violação de um dos princípios sagrados da liberdade individual, que é a livre expressão religiosa. Vergonhoso que um vereador (do PT) esteja envolvido”.

Em comum, as três mensagens encurralam em meio à polêmica o Partido dos Trabalhadores, cujo candidato, o ex-presidente Lula, tem aparecido como favorito nas pesquisas. Lula não falou sobre o escândalo de Curitiba.

Foto: Reprodução Redes Sociais | mandato vereador Renato Freitas

No Paraná, o assunto segue nos holofotes. Nas sessões plenárias de segunda-feira, vereadores de Curitiba e deputados levaram a discussão para a tribuna de seus respectivos plenários e estreitaram o comportamento do vereador Renato Freitas a uma ação do PT.

Nesta terça (8), o caso seguiu em debate na Câmara Municipal, onde já foram protocolados três pedidos de cassação ao mandato de Freitas. A Mesa Diretora tem até sexta (11) para acatar as denúncias e definir, se for o caso, o trâmite do processo, que poderia ser o segundo na trajetória do petista na Casa.



Renato Freitas já foi denunciado por vereadores da bancada evangélica da Câmara sob a alegação de ter cometido “ofensas discriminatórias”, “ofensas morais e à dignidade” e “intolerância religiosa” ao chamar os parlamentares de trambiqueiros. O caso foi arquivado pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Legislativo municipal.

Desta vez, no entanto, o parlamentar não tem muito onde se apoiar.

O próprio diretório do PT no Paraná negou qualquer envolvimento na manifestação que foi parar nos bancos da igreja e lamentou o episódio. Em nota de “respeito pelas instituições religiosas”, a sigla se colocou como defensora da liberdade religiosa e cobrou a politização do assunto.

“Há, por parte da imprensa tendenciosa, a manipulação de fatos para prejudicar o Partido dos Trabalhadores, pois os vídeos evidenciam que no momento em que os manifestantes estiveram no interior da paróquia, a missa já havia terminado e o templo estava vazio”.

Nas redes sociais, os deputados do Paraná pelo PT não trouxeram o assunto à tona. Os correligionários de Renato Freitas na Câmara também não.

Apesar de lamentar “a manipulação política que estão fazendo da situação para atacar o PT e cassar o mandato” de Freitas, a vereadora Carol Dartora – que assumiu seu primeiro mandato junto com Freitas – interpreta a entrada dos manifestantes na igreja como algo pensado no “calor da hora” e “desnecessária”, mas um assunto que não compete a ela gerir.  

“Eu estou sofrendo com o fato de as pessoas ficarem me cobrando por eu não ter entrado com o Renato [na igreja], por eu não o estar defendendo. Isso mostra o quando é racista acharem que somos a mesma pessoa, que eu tenho que responder pelos atos de uma pessoa adulta, que tem quase 40 anos, que é formado em Direito, que é um vereador. Pessoas negras são diferentes, têm diferentes posicionamentos. Não é porque somos pretos que somos a mesma pessoa, e eu não estou, com isso, questionando aqui a liderança e a importância e o respeito dele”, disse a parlamentar em entrevista ao Plural nesta terça-feira.

Dartora esteve na manifestação que acabou em escândalo e conta ter ido por solidariedade, sem ter participado da organização do ato. Ela ficou entre o grupo que decidiu não entrar na igreja com os demais manifestantes, até porque, segundo relatou, essa não era uma estratégia oficial do ato.

“Quanto ao encaminhamento de entrar na igreja, eu discordei e não entrei. E discordei porque não acho que era um encaminhamento que estava dentro de uma estratégia, que tinha uma finalidade. Esse foi um caminho decidido no calor da hora. Achei que fosse muito arriscado e, realmente, foi uma atitude desnecessária”.

Segundo a vereadora, entre a entrada dos manifestantes no templo e a chegada da polícia se passaram três minutos. A presença dos agentes de segurança em cena foi outro motivo pelo qual ela teria decidido permanecer do lado de fora. A ideia era tentar buscar um diálogo com os policiais caso a situação fugisse do controle e colocasse em risco a integridade física dos participantes do ato.  

“Entendo o calor da hora, no entanto não entrei porque não quis colocar meu mandato em risco, um mandato que demorou muito para ser construído. E também por esse senso coletivo de temer pela integridade das pessoas que estavam ali conosco, de esquerda, mulheres e homens negros. Sou uma mulher preta, tia de criança preta, tenho irmãos negros que já tiveram que fugir da polícia sem motivo, que já levaram tapa na cara por estarem sem identidade. Para  nós, mulheres negras, historicamente é imposto o lugar de cuidado. Talvez para um homem ser inconsequente, agir no calor do momento, seja mais fácil. Mas para a mulher não é”, completou a vereadora. “É racismo e machismo cobrar de mim [defesa do vereador]. Respeito a liderança do Renato, mas temos formas muito diferentes de atuação.”

Foto: Reprodução Redes Sociais | Divulgação/mandato vereador Renato Freitas

A reportagem não recebeu retorno de Renato Freitas. A entrada dele e dos demais manifestantes na Igreja do Rosário repercutiu, sobretudo, após nota da arquidiocese de Curitiba. Uma nota assinada pelo arcebispo de Curitiba, Dom José Peruzzo, chamou os atos de sábado de “invasivos, desrespeitosos e grotescos”. Após repercussão do posicionamento, a igreja mudou o tom e marcou um “ato pela paz” para o próximo sábado, 12, a partir das 17h.

Nesta segunda, pelo Twitter, o vereador negou que a igreja dos Rosários tenha sido invadida, “pois ela se encontrava aberta e a missa já havia terminado, como facilmente se constata nas imagens”.  

“Entramos na Igreja como parte simbólica da manifestação, uma vez que foi construída em 1737, durante o regime de escravidão, por pessoas pretas e para pessoas pretas, a quem era negado o direito de entrar em outros lugares. A motivação para a entrada dos manifestantes na igreja surgiu a partir de uma tentativa do padre, e de outras pessoas presentas, de calar nosso ato pacífico. Mais uma vez, querendo remover pessoas pretas de locais que também lhes pertence”, escreveu o parlamentar, que acrescentou ver a Igreja do Rosário como “um espaço símbolo de resistência e de persistência da população negra”.

plural.jor.br

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