| Os marxistas debatiam o tema da violência a partir da causa que estivesse servindo | Twitter @MFA_Ukraine |
Para jornalista, as guerras devem ser avaliadas por sua natureza e processo histórico; vejam o vídeo na íntegra
Breno Altman
Opera Mundi
4-5 minutos
No programa 20 MINUTOS ANÁLISE desta terça-feira (15/03), abordei a natureza e o sentido do pacifismo, defendido por muitos diante da situação que se desdobra na Ucrânia.
Antes de mais nada, pacifismo não significa automaticamente a defesa da paz. Trata-se de um conjunto de doutrinas e teorias, associadas a movimentos concretos, que pregam a renúncia incondicional à guerra e à violência.
O maior ícone desse ponto de vista talvez seja Mahatma Gandhi, o líder indiano que pregou métodos pacíficos e pacifistas para a luta pela independência de seu país no século XX. Ele buscava a construção de uma força moral arrasadora, forjada por uma ética da paz, que pudesse isolar e constranger o uso da violência.
Contra essa noção, possivelmente a frase mais emblemática seja a de Karl Marx: a violência é a parteira da história. O pensador socialista não tinha qualquer apreço pelas armas e as guerras, mas analisava ser absolutamente idealista, sem sentido, a abdicação unilateral ao uso da violência pelos povos e os Estados.
Mais ainda: salientava que a dinâmica da luta de classes, tanto em sua forma social quanto representada por Estados, teria uma tendência irreversível ao confronto, o qual somente poderia ser vencido por forças que tivessem capacidade militar de impor seus interesses.
A alternativa à essa capacidade militar e a disposição de empregá-la seria a manutenção do status quo, a preservação da ordem dominante e a contenção de todo movimento aos limites determinados por quem tivesse a hegemonia da violência.
O pacifismo não é apenas uma leitura ingênua e moralista sobre o mundo real, com sua lógica unilateral, mas pode até mesmo ser um instrumento reacionário, que se volta contra o direito dos povos e dos Estados de se defenderem contra o sistema imperialista.
Mais ainda: salientava que a dinâmica da luta de classes, tanto em sua forma social quanto representada por Estados, teria uma tendência irreversível ao confronto, o qual somente poderia ser vencido por forças que tivessem capacidade militar de impor seus interesses.
A alternativa à essa capacidade militar e a disposição de empregá-la seria a manutenção do status quo, a preservação da ordem dominante e a contenção de todo movimento aos limites determinados por quem tivesse a hegemonia da violência.
O pacifismo não é apenas uma leitura ingênua e moralista sobre o mundo real, com sua lógica unilateral, mas pode até mesmo ser um instrumento reacionário, que se volta contra o direito dos povos e dos Estados de se defenderem contra o sistema imperialista.
Filosofia de oposição à guerra?
Como chegamos, contudo, a este ponto de defesa do pacifismo, atualmente entendido como uma filosofia de oposição à guerra?As origens do termo remontariam ao taoísmo, mas a palavra “pacifismo” somente seria cunhado e publicamente adotado em 1901, ainda que suas conotações mais modernas tenham ganho fôlego ainda no século 19, marcado por guerras e revoluções violentas que abalariam a Europa e o mundo colonial.
Como narrativa, o pacifismo tinha duas origens fundamentais: o ramo deontológico, baseado em princípios morais, frequentemente lastreado por importantes grupos religiosos, e o pragmático, que questionava o elevado custo das guerras e da violência, defendendo sua substituição radical pela diplomacia e a política.
Uma das obras pacifistas deontológicas mais celebrada é O reino de Deus está dentro de vós, do russo Leon Tolstói, um de seus últimos livros. Gandhi também é dessa tradição, assim como o pastor Martin Luther King Jr.
O movimento socialista, por sua vez, embora tivesse defendido a paz contra as guerras de conquista promovidas pela nobreza e a burguesia, nunca esteve sob hegemonia das doutrinas pacifistas, ao menos até o colapso do socialismo soviético, em 1991.
Os socialistas revolucionários e os comunistas, influenciados pelas ideias de Marx e Friedrich Engels, compreendiam a violência, a revolução e a guerra como processos históricos, não como aberrações morais, ainda que entendessem as rupturas armadas como tragédias humanas. As tratavam como capítulos inevitáveis da luta de classes tanto dentro das fronteiras nacionais quanto além delas.
Os marxistas, por outro lado, não colocavam a paz como oposta à guerra, como o fazem as doutrinas pacifistas, estabelecendo que apenas uma força militar superior e inconteste pode ser a garantia da paz. Os marxistas, portanto, debatiam o tema da violência a partir da causa que estivesse servindo. Sim, para os marxistas, tal como para Santo Agostinho, há guerras justas e guerras injustas.
As insurreições e guerras de classe contra a burguesia, por serem progressivas, deveriam ser apoiadas e organizadas. O mesmo valeria para as guerras de libertação nacional ou anticolonial. As guerras interimperialistas, por sua vez, deveriam ser repudiadas e utilizadas para enfraquecer as burguesias de seus próprios países, facilitando o avanço das forças revolucionárias e das classes trabalhadoras.
Pacifismo e diplomacia
O pacifismo perderia muita força nos anos 30 e 40, especialmente durante a guerra contra o nazismo. Mas essa doutrina retomaria paulatinamente uma certa influência após a guerra, com o surgimento da Organização das Nações Unidas e o estabelecimento do que se chama de direito internacional.A variável pacifista com maior vigor foi a crença, disseminada inclusive entre setores progressistas, que finalmente a guerra seria substituída pela diplomacia.
Obviamente essa convicção não passou pelo teste da realidade: mais de uma centena de guerras ocorreu desde 1945, ao redor de 80% desses conflitos provocados pelos Estados Unidos e seus aliados.
E se não houve, desde então, uma nova guerra mundial, isso nada tem a ver com diplomacia, mas com a paridade da força nuclear entre as duas superpotências da Guerra Fria, Estados Unidos e União Soviética, que se estende aos nossos dias.
A ideia de que, após 1945, o direito poderia se sobrepor à força militar nunca passou de uma ilusão. Hipoteticamente, a única maneira do direito internacional regular o mundo seria se a ONU tivesse sua própria força militar de dissuasão e todos os Estados abdicassem de armas nucleares.
Enquanto existirem o imperialismo e o capitalismo, essa possibilidade é virtualmente nula e o direito continuará a ser o que sempre foi: a expressão jurídica e diplomática da correlação de forças em certo período posterior a uma conflagração militar.
Vide os EUA, que criaram rotas conhecidas, sejam militares ou pelo direito internacional, que corroborava legalmente suas ações imperialistas, para o enfrentamento do campo socialista, até 1991, e para o domínio unipolar desde então, sem sofrer nenhuma punição ou sanção, apesar do desrespeito em série do direito internacional.
Muitos pacifistas, que ficaram a ver navios com suas reclamações contra as guerras promovidas pelos EUA e aliados, agora levantam a voz contra a Rússia porque atacou a Ucrânia para impor seus interesses de defesa e impedir a integração desse país à OTAN, quebrando o monopólio que, na prática, os EUA exerciam desde 1991 sobre a guerra.
Obviamente Moscou rompeu com a legalidade internacional, morta-viva há 77 anos. Mas a aplicação parcial do direito não é justiça, mas lawfare internacional, como a vida já nos ensinou.
Quando a via diplomática se fecha, pela constante violação promovida pelo sistema imperialista, só resta aos prejudicados a rendição aos interesses desse sistema ou a reação para alterar a correlação de forças em seu favor. Essa reação historicamente representa o recurso às armas, a continuidade da política e da diplomacia por outros meios.
operamundi.uol.com.br

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