Manifestantes invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Manifestantes invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Rodrigo Vianna
brasil247.com
6–9 minutos

"Lidere a Democracia, Lula! Ponha os militares golpistas no seu lugar: a lata de lixo", diz o colunista Rodrigo Vianna

A história republicana brasileira, a começar da própria derrubada da Monarquia, é recheada de crises políticas, golpes e autogolpes - em geral, comandados pelas Forças Armadas: 1889, 1937, 1945, 1951, 1954, 1955, 1961, 1964, 1968, 2018. Mas nunca, jamais, houve um dia como o 8 de janeiro de 2023.

Ao contrário do golpismo clássico, o que vimos no movimento terrorista liderado pelo bolsonarismo contra os 3 poderes da República em Brasília foi algo inédito: a horda extremista assumiu diretamente o controle das ações. Dessa vez, não havia oficiais da Aeronáutica a intimidar Vargas (1954), nem aviões militares a ameaçar Brizola de bombardeio no Palácio do Piratini (1961), nem tampouco blindados de Juiz de Fora ou colunas do general Mourão (1964) a marchar sobre o Rio. Não. Dessa vez, não houve nem tuítes de general, como no infame impedimento de Lula em 2018.

Em 2023, a massa de extrema-direita assumiu ela mesmo o comando aparente do golpismo. Mas não nos iludamos. A ausência do Exército no teatro de operações terroristas não significa que as Forças Armadas estejam, de fato, ausentes da balbúrdia!

As Forças Armadas foram operadoras e patrocinadoras diretas ou indiretas das cenas terríveis de desordem que assistimos na capital da República.

Sim, o Governo do DF foi conivente e seus representantes já começam a ser responsabilizados: há pedido de prisão de Anderson Torres - o lacaio bolsonarista que o governador (agora afastado) nomeou para Secretaria de Segurança Pública; há intervenção federal no DF* e, por fim, há o justo afastamento pelo STF de Ibaneis, o bolsonarista que ocupava o Palácio dos Buritis.

A baderna, no entanto, não prosperaria sem a conivência do Exército. Primeiro, ao permitir que o QG de Brasília funcionasse como abrigo de terroristas. Não se trata de "descuido" ou "ingenuidade". Foi uma tática deliberada: o acampamento funcionou como acúmulo de capital político, ao auferir aos fardados o comando das hordas bolsonaristas.

O Exército cumpriu, deliberadamente, o papel reservado aos coiteiros que, na época do cangaço, abriam suas fazendas como esconderijo para abrigar Lampião e seu bando. Com uma diferença: Lampião era bandido, mas lutava contra a oligarquia. Já o Exército de 2023 é coiteiro de terroristas financiados pela oligarquia mais podre do Brasil.

Do QG militar, partiram escoltados pela PM do DF os terroristas para atacar a República. O Exército, pois, colocou-se contra a República que ajudou a fundar - de forma torta - em 1889.

O mais grave, no entanto, foi o Batalhão de Guardas não ter agido diante do ataque ao Palácio presidencial. Para que serve um batalhão de guardas que não defende o núcleo do poder republicano? Não serve para nada. Ou melhor, serve ao terrorismo de extrema direita.

É preciso apontar o dedo para as Forças Armadas!

Por omissão deliberada, ou inação, os militares tentaram criar um clima de convulsão generalizada para que eles mesmos fossem chamados a impor a ordem. Era um jogo de ganha-ganha. Se o golpe fascista prosperasse, sem reação dos poderes republicanos, eles seriam chamados para coordenar um governo "novo". Se o caos se instalasse, eles seriam chamados como garantidores da ordem.

Lula, o STF e - em menor medida - o Congresso reagiram rapidamente. Restou aos militares a segunda opção: "garantidores da ordem", como se nada tivessem com a balbúrdia golpista plantada às portas do QG de Brasília.

O melífluo general e senador Hamilton Mourão, homônimo do golpista de 1964, abriu o jogo e disse com todas as letras para O Globo: o governo do DF é que deveria impor a ordem; se é incapaz de fazê-lo, precisaria convocar uma GLO para que as Forças Armadas garantissem o fim da desordem.

Pronto, está desenhado. E esse jogo ainda está sendo jogado.

As Forças Armadas, no entanto, calcularam mal o efeito do 8 de janeiro. As FFAA jamais voltarão a empunhar o discurso de "garantidores da ordem" sem que a sociedade lembre aos fardados: vocês não garantiram a ordem no dia 8, ao contrário, vocês foram fiadores da mais grave balbúrdia em mais de 130 anos de República.

O Exército da desordem se desmoralizou, ombro a ombro com o bolsonarismo criminoso.

Lula, que ganhou por pouco em outubro, tem tudo para liderar uma frente democrática antifascista. O caos do 8 de janeiro pode se transformar numa grande oportunidade para o veterano líder. Mas Lula só fará isso se tiver apoio popular nas ruas e se for capaz de mudar o figurino.

Não vamos fingir que tudo se resolve com o afastamento de Ibaneis e a intervenção no DF. Estamos diante de forças nazistas, como demonstraram as imagens de 8 de janeiro.

É hora de abandonar o figurino de Chamberlain e assumir o papel de Churchill (como disse o ministro Moraes, na brilhante decisão em que decidiu pelo afastamento de Ibaneis).

Ninguém na história recente brasileira esteve mais pronto para isso do que Lula. Lidere a Democracia, Lula! Ponha os militares golpistas no seu lugar: a lata de lixo.

Ninguém aqui espera rompantes revolucionários. É preciso ser sereno e firme, ao mesmo tempo. Lula sabe o caminho, e a sociedade democrática deseja esse caminho.

Não é possível contemporizar com militares que abandonam seus postos, baixam as armas do batalhão presidencial e permitem que as hordas fascistas destruam as instalações da República. Esse Exército da desordem não serve ao Brasil.

Acabou!

* como um símbolo do novo momento que se inicia, friso a importância do nome escolhido por Lula para comandar a intervenção no DF: Ricardo Capelli é civil, foi presidente da UNE, militou no PCdoB, ocupou cargos no governo do Maranhão e é o braço direito de Flavio Dino no Ministério da Justiça. Em 2018, Temer escolheu o general Braga Netto para intervenção no Rio. Lula não tentou buscar um nome nos quadros das FFAA ou da PM do DF. Nomeou Capelli, um bom sinal de que a relação com os fardados não será mais de submissão.


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