Reação de O Mercado contra o fato dos indicados pelo governo ao COPOM terem votado em favor de uma queda de 0,5 pp na Selic, e não 0,25 pp
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Financês em Dia de Pânico pelo 5 X 4
por Fernando Nogueira da Costa
Em uma decisão dividida entre seus integrantes, comprovando não haver “ciência”, mas sim mera tentativa-e-erro, o Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu a taxa básica de juros, a Selic, de 10,75% para 10,50% ao ano no dia 08/05/24. O corte de 0,25 ponto percentual foi defendido por cinco membros do colegiado com o “voto de Minerva” do presidente do Banco Central do Brasil, enquanto os outros quatro votaram pela continuidade da redução de 0,5 ponto, assim como nas últimas seis reuniões.
O racha provocou reações negativas entre participantes de O Mercado, comprovando este, embora onipresente, não ter o dom de ser onisciente – e tampouco onipotente. Afinal, não conseguiu impor sua vontade divina a quatro membros indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pois votaram pela redução de 0,5 ponto.
O pânico se deve aos “Faria Limers” temerem um colegiado mais tolerante à inflação após o término do mandato do presidente da Autoridade Monetária, Roberto Campos Neto, no fim deste ano. Na verdade, temem uma taxa de juro mais baixa dificultar a vida em vez de se ganhar dinheiro sem esforço…
A redução de 0,25 ponto percentual era esperada (ou imposta) pela maioria de O Mercado, de acordo com pesquisa de opinião feita por jornalismo econômico. Das 118 instituições financeiras e consultorias ouvidas, 78 esperavam um corte de 0,25 ponto e outras 40, uma redução de 0,5 ponto: 2 X 1!
Nesse jogo de adivinhação, “o cenário futuro ficou ainda mais turvo”. A leviandade da análise superficial é espantosa: baseia-se nas dúvidas sobre a condução dos juros nos Estados Unidos e a alteração da meta fiscal de 2025 pelo governo brasileiro de um superávit de 0,5% do PIB para déficit zero. Seria o fim-do-mundo?!
Nesse cenário “tenebroso”, Campos Neto anunciou quatro possibilidades para a política monetária. O primeiro cenário seria de redução de incertezas, seguindo “o caminho usual”: manteria uma das maiores taxas de juro do mundo. O segundo aconteceria caso a incerteza continuasse alta, mas sem mudanças significativas, significaria “uma redução no ritmo”. No terceiro cenário, a incerteza passaria a afetar mais fortemente “variáveis importantes” [?] e seria necessário falar sobre “mudar o balanço de riscos”. No último, a incerteza pioraria, criando um estresse global e, então, “o BCB mudaria seu cenário-base”. Gênio! Tanta argúcia…
Ao fim e ao cabo, permanece a brincadeira binária de crianças em uma gangorra: quando uma (taxa de inflação) vai ao “céu” é porque outra (taxa de juro) está no “inferno” – e vice-versa. Bom emprego, né?
Só é melhor, devido à menor responsabilidade no dito, o de operadores de O Mercado e economistas-chefes de banquetas de negócios, apresentados como porta-voz do sobrenatural. Para decifrá-los, exige-se o conhecimento do jargão profissional “Financês”, inacessível a leigos ignorantes como eu.
Depois de “enorme esforço em uma profunda pesquisa” (sic) percebi haver algumas palavrinhas-mágicas, usadas repetitivamente. Por exemplo, o ambiente externo “mostra-se mais adverso”. Antes, a avaliação era: o cenário externo seguia “volátil”. Ah, volatilidade no retorno é igual a risco no mercado financeiro…
Sobre o cenário doméstico, infelizmente, os condutores da política monetária recessiva se lamentam pelos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho “terem apresentado maior dinamismo diferente do esperado”. Antes, estavam “felizes como pintos no lixo” porque os indicadores de atividade seguiam consistentes “com o cenário de desaceleração da economia antecipado pelo Copom”. Desemprego não é problema deles!
Abundam frases-feitas na defesa do auto interesse (“juros na lua”). Ameaçam caso não obtenham “uma política fiscal crível [adjetivo-chave] e comprometida com a sustentabilidade da dívida [riqueza brasileira] para a ancoragem das expectativas [esta é a mais usada] de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária”.
Solenemente, declaram: “o Comitê reafirmou a importância da firme persecução dessas metas”. Mostrou firmeza! “O cenário global incerto [desde logo] e o doméstico marcado por resiliência na atividade e expectativas desancoradas [de novo] demandam maior cautela”. Novamente, o raciocínio Tico-e-Teco predomina tipo a la Curva de Phillips: desemprego versus inflação. Torcem contra haver ocupações para todos! O aumento de renda (massa salarial) seria inflacionário!
O mais divertido é tentar acompanhar o diálogo em grupo de uotzap de operadores.
– “Bem óbvio… O COPOM mostrou: o próximo BCB será mais condizente com a inflação. Iremos buscar o teto da meta…Particularmente, não acho ruim… Meta de inflação de 3% para uma economia emergente, com dívida elevada, despesas rígidas e déficit primário, não tem o menor sentido!”
– “A sinalização é, ‘tudo o mais constante’, quando se compara com as informações de antes do COPOM, teremos um câmbio mais depreciado. Logo, rotation para exportadoras e saída de mercado interno, dada a maior taxa de juros de longo prazo… Ah, mas Selic vai cair, em um BCB dovish!”
– “Sim, vai, mas o importante é a taxa longa. Essa será maior, dado o prêmio de risco de uma política fiscal expansionista com política monetária frouxa… Essa taxa longa não vai explodir?!”
– “Não sei, vai depender do tamanho desse fiscal e do quanto irá baixar a Selic… Pode respingar no câmbio, se o diferencial de juros com os EUA baixar muito… É só lembrar da Paridade Descoberta dos Juros.”
– “Só um detalhe: mercado vive de fases e essas fases são pautadas por narrativas do momento. Isso não significa os juros longos ficarem nos 13% a.a. ou 14% a.a. por exemplo. Não dá para confundir uma mudança de narrativa com a verdade absoluta.”
– “A reunião do COPOM de trouxe um fato novo, uma sinalização: está alterada a narrativa até então vigente. O Mercado se ajusta a essa sinalização, quase sempre, de modo exagerado. Logo, mais para frente, vai surgir um fato novo – por exemplo, a desaceleração do PIB pelas perdas de produção, devido à tragédia no RS – e ele irá pautar as taxas de juros de volta para baixo”.
– “Por agora, o ideal é ter exportadoras explorando o mercado externo. O governo com política fiscal expansiva já incentiva a depreciação cambial, dada a maior demanda por importações e a poupança externa [déficit no balanço de transações correntes] necessária para cobrir a remessas de lucros e juros. Conjugado isso com uma política monetária mais frouxa, maior o incentivo à depreciação cambial!”
– “Ao mesmo tempo, o aumento no prêmio de risco dessa mudança de narrativa, sinalizada através do COPOM de ontem, atrapalha os valuations das empresas domésticas. Mais para frente, a narrativa muda e uma nova rotação de ativos vêm. Assim se movimentam os mercados de ações e títulos.”
– “Em geral, massa salarial para cima, requer expansão monetária. No Brasil e nos EUA, isso não vem ocorrendo. Tanto nos EUA, quanto no Brasil, a base monetária, o M1 e o M2 estão andando de lado há meses. Por isso, meu pouco otimismo com o mercado acionário”.
– “É a Lei da Oferta e da Demanda! Temos, de um lado, uma expansão na massa salarial e, de outro, uma oferta de moeda estável. A demanda por moeda cresce, enquanto a oferta monetária não muda. É natural, então, a taxa de juros (o custo da moeda) subir. Não é por acaso, na minha visão, o prêmio de risco estar tão elevado”.
– “Tanto nos EUA, quanto no Brasil, os juros reais estão bem acima do seu histórico dos últimos anos. O que está por trás é o prêmio de risco. É reflexo de uma demanda crescente por moeda, quando a oferta monetária se mantém estável”.
A maior preocupação dos participantes de O Mercado com a âncora monetária e a credibilidade do Banco Central começou a se refletir de forma mais concreta nos ativos locais no dia seguinte da decisão rachada do Comitê de Política Monetária. Por causa da pequena diferença de 0,25 pontos percentuais, houve depreciação do real e alta dos juros de longo prazo, porque as expectativas de inflação dispararam.
Qual foi o tamanho da “catástrofe”? O dólar encerrou a sessão em alta de 1,01%, cotado a R$ 5,1422. Entre os juros de longo prazo, a taxa do DI para janeiro de 2029 subiu de 11,295% para 11,41%. O Ibovespa caiu 1%, para 128.188 pontos. Só.
É simples assim, qualquer um pode entender: juros em queda, compra de títulos de dívida pública prefixado, dólar, ações; juros em alta, compra de títulos pós-fixados. Comportamento de manada é bovino: defesa de grupo, lambidas sociais e distância corporativa mínima… É melhor errar junto aos outros – e não sozinho para ser acusado de ignorante e despedido. Juntos são vítimas coletivas.
Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.
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