Em resposta a um cenário em que mais encarceramento e mais polícia resultam, paradoxalmente, em cada vez mais criminalização, é preciso levantar a alternativa abolicionista. Em outubro, um seminário em SP promoverá vasto debate sobre o tema
Ariel Machado, Gabriella De Biaggi, Luciana Niro e Thell Rodrigues
outraspalavras.net
11–16 minutos
Por Ariel Machado, Gabriella De Biaggi, Luciana Niro e Thell Rodrigues
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O 1º Seminário de Geografias Abolicionistas será realizado na Universidade de São Paulo, de 15 a 18 de outubro.
A participação é gratuita e haveráfalas de movimentos sociais,
pesquisadoras e pesquisadores nacionais e internacionais. Veja a
programação completa ao final do texto
Atualmente, o Brasil é o terceiro na lista de países com mais pessoas encarceradas, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da China1. Em uma aparente contradição, temos observado que, desde a redemocratização, o número de pessoas atrás das grades2 e os índices de letalidade policial3 têm crescido assombrosamente no país, mesmo em estados governados por partidos políticos ditos de esquerda. É notória também a expansão de empresas de segurança privada, que adquirem um controle crescente sobre espaços urbanos, privados e públicos, e a disseminação de estruturas arquitetônicas e urbanísticas cada vez mais equipadas com dispositivos de vigilância e monitoramento – notadamente através de perímetros de intervenção urbana e do avanço de frentes imobiliárias. Todos estes fatores compõem uma carceralidade ampla, que se espraia para além dos muros das prisões, e caracteriza as cidades e metrópoles brasileiras contemporâneas.
Diante deste cenário aterrador, no qual todo tipo de violação parece justificado em nome da “segurança”, alguns movimentos sociais – em especial aqueles formados por mães e familiares de pessoas mortas e privadas de liberdade pelas forças do Estado – têm sido as principais vozes a se erguerem contra o suposto consenso punitivista. No lugar de ecoarem discursos de medo que apresentam o “crime” como grande inimigo interno a ser combatido, estes movimentos têm denunciando a criminalização de corpos e espaços negros e periféricos, a qual se sustenta sobre uma longa história de desumanização e violência racializada, mas se atualiza, com novos termos e tecnologias.
O abolicionismo penal emerge, assim, questionando os próprios pressupostos do que entende-se como “justiça” e “segurança”. Nesse entendimento, a resposta não está na humanização das prisões ou no treinamento das forças policiais em direitos humanos, porque a violência de Estado não é uma falha na execução de políticas públicas, um desvio ou uma exceção. Por mais radical que ainda soe para a grande parte da população, a ideia de abolir as prisões e as polícias baseia-se, fundamentalmente, no entendimento de que estas instituições não trazem soluções, mas são parte central do problema no que se refere à reprodução de desigualdades e à manutenção de hierarquias sociais racializadas.
Em ambientes acadêmicos, ainda é raro encontrar discussões relacionadas às políticas de encarceramento, à expansão dos sistemas prisional, de justiça criminal e do policiamento, especialmente no que diz respeito às abordagens vinculadas ao abolicionismo penal. E embora a dimensão espacial seja fundamental à compreensão de tais processos – que envolvem expedientes de expulsão e contenção de determinados recortes populacionais e de monitoramento de fluxos de pessoas e informações – a Geografia brasileira tem se mantido relativamente distante do debate.
Por isso, enquanto estudantes de pós-graduação em Geografia Humana e enquanto pessoas que têm tido contato próximo com movimentos sociais em nossas trajetórias, nos reunimos para organizar o 1º Seminário de Geografias Abolicionistas no Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), projeto que foi abraçado pelos professores César Simoni Santos e Elisa Favaro Verdi, coordenadores do evento. O Seminário, que será realizado entre os dias 15 e 18 de outubro de 2024, reunirá pesquisadoras/es, movimentos sociais, estudantes e demais pessoas interessadas em discutir dimensões geográficas da carceralidade e da abolição.
O evento evento será gratuito e aberto e as palestras realizadas em inglês contarão com tradução simultânea, graças ao apoio do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo, do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana (PPGH-USP), com disponibilização de recursos do PROEX, e da Antipode Foundation, que concedeu a bolsa Right to the Discipline ao projeto. As mesas terão transmissão online ao vivo através dos canais de comunicação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
PROGRAMAÇÃO
15 outubro
⠐ 15h – Conferência de Abertura
Prof. Lydia Pelot-Hobbs – University of Kentucky
Professora de Geografia e Estudos Afro-Americanos e Africanos na Universidade do Kentucky. Autora de Prison capital: mass incarceration and struggles for abolition democracy in Louisiana (2023 – UNC Press).
⠐ 18h – Mesa 1: Securitização e criminalização de espaço urbanos no Brasil
A
disseminação de dispositivos eletrônicos de monitoramento e de tropas
agentes de segurança privada, a fortificação de edifícios, a atualização
das formas de segregação que recortam as cidades e metrópoles
brasileiras e a realização de operações policiais voltadas à expulsão
e/ou contenção de grupos considerados “indesejáveis” são algumas das
expressões dos intensos processos de securitização do espaço urbano
observados no país nas últimas décadas. Nestes processos, novas
modalidades de controle à céu aberto combinam-se com a longa tradição do
Estado brasileiro de criminalização de corpos e espaços negros e
não-brancos. A partir de perspectivas abolicionistas e de um enfoque no
contexto nacional, a mesa 1 propõe uma discussão desta carceralidade
ampla, que se espraia para além das prisões e, cada vez mais,
caracteriza a vida urbana e a produção do espaço.
Participantes:
Prof. Adalton Marques (UNIVASF)
Mariana Nesimi (PPGH-USP)
Prof. Rodrigo Firmino (PUC-PR)
Mediação: Gabriella de Biaggi (PPGH-USP)
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16 outubro
⠐ 15h – Roda de conversa com Memórias Carandiru
Organização dedicada à preservação da memória de sobreviventes do cárcere e do massacre na Casa de Detenção em outubro de 1992.
⠐ 18h – Mesa 2: Geografias carcerárias e ajustes prisionais
A
partir da década de 1990, o aumento continuado do encarceramento no
Brasil envolveu a expansão inédita dos sistemas prisionais estaduais e a
ampliação de seus parques penitenciários. Antecipado em pouco mais de
uma década pelos países do norte, o processo de encarceramento em massa e
as elaborações acerca de uma virada punitiva diante do desmantelamento
das formas assumidas pelo welfare têm enfatizado um
deslocamento de sentido da prisão contemporânea. De modo geral, o
abandono dos ideais disciplinares de reabilitação ou ressocialização
revelariam a incapacitação como finalidade última do encarceramento,
sintetizada na imagem ascendente da prisão-depósito. Mais do que a
transposição do paradigma da incapacitação ao contexto brasileiro, a
mesa visa discutir a conformação particular de geografias carcerárias e
as diferentes configurações territoriais do ajuste prisional,
compreendendo-as a partir da mobilização de excedentes de terra,
capital, força de trabalho e capacidade estatal.
Participantes:
Prof. Rafael Godoi (UEMA)
Bruno Xavier (Igra Kniga)
Victor Santos Oliveira (UFPB)
Prof. Patrick Lemos Cacicedo (USP)
Mediação: Ariel Machado (PPGH-USP)
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17 outubro
⠐ 15h – Roda de conversa com Frente Estadual pelo Desencarceramento de São Paulo
Fundada
em 2018, reúne sobreviventes do cárcere e ativistas, movimentos
sociais, jornalistas e demais pessoas que dividem uma perspectiva
abolicionista penal e da luta contra o encarceramento em massa.
⠐ 18h – Mesa 3: Além dos muros das prisões – familiares de pessoas presas e vítimas da violência de Estado
Organizados
em torno da resistência à letalidade policial, ao encarceramento em
massa e suas consequências nas periferias, os movimentos de mães e
familiares de pessoas privadas de liberdade e vítimas da violência do
Estado estabelecem um laço tão crucial quanto invisibilizado entre as
comunidades periféricas, o poder público e as unidades prisionais. Além
de fornecer apoio social, assessoria jurídica e referência aos
familiares afetados pela violência policial e pelas dinâmicas
carcerárias, esses movimentos buscam a construção coletiva de
alternativas ao modelo punitivo vigente. Esta mesa propõe, assim, um
diálogo crítico entre diferentes perspectivas acerca do impacto
devastador do sistema penal e da criminalização direcionada a pessoas
pobres, pretas, faveladas e afroindígenas no estado de São Paulo nas
últimas décadas.
Participantes:
Miriam Duarte Pereira (AMPARAR)
RaildaAlves (AMPARAR)
Débora Silva (Mães de Maio)
Zilda Maria de Paula (13 de Agosto)
Mediação: Luciana Niro (PPGH-USP)
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18 outubro
⠐ 18h – Conferência de encerramento
Prof. Ruth Wilson Gilmore – City University of New York
Professora
da City University of New York (CUNY) e uma das principais referências
internacionais sobre os temas do abolicionismo e da carceralidade no
campo da Geografia. Foi co-fundadora de movimentos sociais como a Critical Resistance. É autora de Califórnia Gulag: prisões, crise do capitalismo e abolicionismo penal (2023 – Igrá Kniga).
Contato e difusão:
seminariogeoabolicionistas@gmail.com
https://geografiasabolicionistas.wordpress.com
@geografias_abolicionistas
1 A lista de países com maior população prisional é disponibilizada pelo World Prison Brief:
<https://www.prisonstudies.org/research-publications?shs_term_node_tid_depth=27>. Acesso em 14 de março, 2024.
2 Segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais, em 2023 havia 649.592 pessoas em unidades de detenção e 190.080 em prisão domiciliar. Disponível em: <https://www.gov.br/senappen/pt-br/servicos/sisdepen>. Acesso em 8 de fevereiro, 2024.
3 De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, em 2022 foram registradas 6.429 mortes por intervenção policial, as quais representam 13,5% de todas as Mortes Violentas Intencionais (MVI) no país. Em estados como a Bahia e o Rio de Janeiro, esses índices são ainda mais elevados, chegando a 22% e 27,9% das MVI naquele ano, respectivamente. Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/publicacoes>. Acesso em 8 de fevereiro, 2024.
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