A arte ajuda na reflexão de um debate maior sobre os valores que queremos reforçar enquanto sociedade


diplomatique.org.br
Le Monde Diplomatique
Maira Oliveira

5–7 minutos



Você já ouviu falar de Taylor Sheridan? Se a resposta for não, talvez seja porque suas histórias falam de uma América que raramente recebe os holofotes em Hollywood. Mas isso não significa que ele não seja influente. Pelo contrário. Sheridan criou algumas das séries de maior sucesso dos últimos anos, como Yellowstone, 1883, 1923 e Landman, explorando uma narrativa que ressoa profundamente com milhões de americanos que, nas últimas eleições, ajudaram a dar a Donald Trump uma vitória acachapante nas eleições norte americanas.

De um lado, uma América rural, conservadora e silenciosa, que vê em Sheridan um narrador de sua própria identidade. De outro, uma narrativa completamente distinta, representada no Brasil pelo filme Ainda Estou Aqui, que acaba de vencer o Oscar e reacender debates sobre a memória e a justiça no país.

Duas realidades distintas. Dois retratos de nações divididas. Mas um ponto em comum: a cultura como ferramenta para contar histórias que moldam percepções e provocam empatia.
Crédito: Reprodução/Redes sociais
Crédito: Reprodução/Redes sociais

A América de Taylor Sheridan e a cultura fora do radar


O que faz de Yellowstone e suas séries derivadas um fenômeno de audiência nos EUA? Sheridan não fala da Califórnia, do Vale do Silício ou das grandes metrópoles multiculturais. Ele foca na luta pela terra, na tradição, na resistência de fazendeiros, criadores de cavalos e trabalhadores do petróleo. Ele retrata uma América que se sente esquecida pelo mainstream e que, não por acaso, constitui a base eleitoral de Trump.


Isso torna suas obras panfletárias? Não necessariamente. Sheridan não se posiciona explicitamente como um autor conservador, mas seu sucesso demonstra o quanto existe uma demanda reprimida por histórias que falem de uma realidade que não é a da bolha cultural de Hollywood.

Seus personagens, muitas vezes em conflito com forças externas – sejam corporações, o governo ou mudanças sociais aceleradas –, são reflexos de uma mentalidade que se fortaleceu politicamente nos últimos anos. Seus espectadores não são apenas fãs; são pessoas que enxergam suas próprias vidas nessas narrativas.

Ainda Estou Aqui e o resgate de memórias coletivas


No Brasil, um fenômeno oposto. Ainda Estou Aqui venceu o Oscar de Melhor Filme Internacional e, com isso, trouxe de volta um tema sensível e necessário: os desaparecidos políticos da ditadura militar. A história de Eunice Paiva, que perdeu o marido nos anos 70, resgata uma memória coletiva que, até hoje, divide opiniões no país.

A premiação não passou despercebida. Enquanto parte do público celebrou o reconhecimento internacional de uma narrativa imprescindível, outro segmento questionou se a escolha do filme não seria, em si, um posicionamento político da indústria cinematográfica.

A verdade é que a arte nunca é neutra. O que escolhemos contar e, principalmente, o que escolhemos premiar, reflete um debate maior sobre os valores que queremos reforçar enquanto sociedade.

O cinema como ferramenta de posicionamento


Taylor Sheridan e Ainda Estou Aqui representam polos distintos de um mesmo fenômeno: a cultura como força política e social.

O entretenimento não apenas reflete o que já existe, mas molda a forma como enxergamos o mundo. Quando um público conservador consome Yellowstone, ele não está apenas assistindo a uma série – ele está validando uma visão de mundo. Quando Ainda Estou Aqui vence o Oscar, ele não é apenas um filme premiado – ele se torna um símbolo de uma luta histórica.

Isso significa que estamos condenados à polarização até na cultura? Não necessariamente. Se há algo que a arte faz melhor do que a política, é gerar empatia por narrativas que não são as nossas. Sheridan nos obriga a olhar para uma América rural e entender seu ressentimento. Ainda Estou Aqui nos coloca no lugar de quem perdeu tudo em um regime autoritário.

E talvez essa seja a grande lição aqui: mais do que formar lados, boas histórias têm o poder de nos fazer enxergar o outro lado.

Conclusão: A cultura pode aproximar ou dividir?


Vivemos um momento onde o embate político parece cada vez mais reduzido a bolhas e certezas absolutas. Mas a cultura – quando bem explorada – nos dá a chance de sair da trincheira e olhar o mundo sob outro ângulo.

O desafio não está em escolher um lado, mas em garantir que todas as narrativas tenham espaço. Porque no fim do dia, não importa se estamos no interior de Montana ou no Brasil dos anos 70: não existe sociedade sem histórias. E nenhuma história existe sem quem a escute.

Rafael Ribeiro é fundador da Raz Consulting, consultoria especializada em marketing estratégico, branding e crescimento de negócios. Com mais de 15 anos de experiência, liderou projetos para grandes marcas. À frente da Raz, combina posicionamento de marca, inovação digital e performance comercial, ajudando empresas a se diferenciarem e escalarem seus negócios com estratégia e execução de alto impacto.

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