Arthur Lira quer livrar ricos de taxação
iclnoticias.com.br
Felipe Rabioglio
7–9 minutos
Por Cleber Lourenço
O projeto de lei que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil foi concebido com uma premissa clara: ampliar o alívio para as camadas de baixa e média renda e, em contrapartida, fazer os mais ricos contribuírem mais, por meio de uma tributação mínima sobre rendimentos elevados. Essa lógica buscava equilibrar a arrecadação e, ao mesmo tempo, reforçar a ideia de justiça tributária, um dos compromissos centrais do governo.
Relator do projeto, Arthur Lira (PP-AL) faz jogo duplo. Durante reunião com integrantes da FPA (Frente Parlamentar do Agronegócio) disse que “ninguém vai se posicionar contra a isenção. Nenhum deputado vai votar contra”. Mas deixa aberto o caminho para que a taxação dos ricos seja alterada pelos deputados, repassando a compensação para os cortes das áreas sociais do governo. “Há dúvidas quanto à compensação, que deve ser discutido no plenário”, disse.
Até agora, já foram apresentadas mais de cinquenta emendas ao texto original, revelando a intensidade da disputa política em torno da matéria. O projeto está previsto para ser votado no plenário da Câmara amanhã (1), em meio a uma forte pressão do Centrão para que seja aprovado sem a taxação dos ricos como medida compensatória. A ofensiva mira diretamente na contrapartida pensada pelo Ministério da Fazenda e abre espaço para alternativas que reduzem ou distorcem o objetivo inicial do governo.
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| Seputado Diego Garcia (Republicanos-PR) apresentou a Emenda 20 e a Emenda 22 (Foto: Câmara dos Deputados) |
Diego Garcia: trocar ricos por apostas
O deputado Diego Garcia (Republicanos-PR) apresentou duas emendas centrais nessa ofensiva. A primeira, a Emenda 20, elimina a tributação mínima sobre rendimentos anuais acima de R$ 50 mil e cria no lugar a chamada “CIDE-Bets”: uma contribuição de 15% sobre os depósitos feitos em sites de apostas. Isso significa que, em vez de os mais ricos pagarem mais, a conta seria transferida para o setor de apostas, que já hoje convive com regulamentações e tributações pesadas. A medida tende a onerar ainda mais apostadores e operadores e, segundo especialistas, pode até estimular a migração para plataformas ilegais que escapam da fiscalização, reduzindo a arrecadação real.A segunda iniciativa de Garcia é a Emenda 22, que propõe o fim da retenção mensal de imposto sobre lucros e dividendos. Esse mecanismo existe para antecipar parte da arrecadação e reduzir sonegação, garantindo que contribuintes de alta renda paguem ao longo do ano, em vez de concentrar tudo no ajuste anual. Derrubar a retenção significa abrir espaço para postergação, aumentar a margem de manobra e beneficiar diretamente quem concentra grandes rendimentos no topo da pirâmide.
Mendonça Filho: reforço contra a retenção
Na mesma linha, o deputado Mendonça Filho (União Brasil-PE) protocolou a Emenda 51, que suprime o Art. 6º-A (retenção mensal na fonte sobre lucros e dividendos acima do limite) e transfere a apuração para o ajuste anual. No texto, o parlamentar sustenta que a retenção mensal “desalinha a cobrança com a realidade de rendimentos irregulares” e que a verificação anual “corrige distorções ao consolidar receitas de múltiplas fontes ao longo do ano”, tese apresentada como mais aderente à capacidade contributiva de quem recebe de forma concentrada em alguns meses.Em termos práticos, a Emenda 51:
- Elimina a antecipação de caixa que a retenção mensal garante ao Tesouro;
- Amplia a janela de postergação do pagamento por parte do topo da pirâmide, que pode organizar distribuições para o fim do ano;
- Eleva o risco de inadimplência e subdeclaração, pois desloca o controle do recolhimento para um único momento no ajuste.
A justificativa do autor enfatiza que a apuração anual seria “mais justa”, porém o efeito concreto repete o da Emenda 22 (Diego Garcia): que reduz o poder de controle sobre altas rendas.
Comissão de Agricultura: cortes em vez de taxação
A Comissão de Agricultura apresentou a Emenda 32, que vai em outra direção, mas com o mesmo resultado final: suprimir totalmente a taxação dos ricos. A proposta manda o governo compensar a renúncia fiscal por meio de cortes de despesas no orçamento. O problema é que a medida não especifica quais despesas seriam cortadas nem garante que os cortes sejam de fato permanentes. A Lei de Responsabilidade Fiscal determina que toda renúncia precisa vir acompanhada de uma compensação clara e definida na própria lei, não de uma promessa futura e vaga. Por isso, a proposta é considerada juridicamente frágil e, do ponto de vista prático, difícil de executar.Na pratica a emenda faria com que as compensações às isenções do imposto de renda fossem direcionadas a cortes em áreas como saúde, educação e outros serviços.
Cláudio Cajado: transferir a conta para os bancos
Já o deputado Cláudio Cajado (PP-BA) optou por mirar em outro alvo: as instituições financeiras. Pela Emenda 39, ele propõe um adicional de 5% na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para bancos e financeiras com lucro acima de R$ 1 bilhão. Embora a medida tenha mais viabilidade técnica e represente uma fonte real de arrecadação, ela muda o espírito original do projeto. Em vez de tributar pessoas físicas de alta renda, desloca a cobrança para empresas do setor bancário. Assim, preserva os bilionários e desvia a narrativa de justiça tributária entre indivíduos para uma disputa setorial.Uma ofensiva contra a justiça tributária
Em conjunto, essas emendas mostram um movimento organizado dentro do Congresso para blindar os ricos da taxação. As propostas de Diego Garcia e Mendonça Filho atacam diretamente o mecanismo de retenção mensal, que é peça-chave para evitar sonegação e garantir arrecadação contínua. A emenda da Comissão de Agricultura aposta em um atalho orçamentário que fere a legislação fiscal. Já a de Cajado transfere a fatura para os bancos, retirando os indivíduos mais ricos da linha de frente.O efeito político é evidente: enfraquecer a ideia de que a ampliação da isenção viria acompanhada de um esforço maior dos que têm mais. Se aprovadas, essas alterações manteriam intocado o privilégio de quem concentra renda no topo e esvaziariam a promessa de um sistema tributário mais justo, abrindo mão de uma oportunidade histórica de reduzir desigualdades por meio da estrutura tributária.





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