Repressão contra as estruturas de esquerda, anti-imperialistas e de solidariedade à Palestina visa minar seus meios de subsistência econômica
O Partido Comunista Alemão (DKP) anunciou no início deste mês que diversas contas bancárias associadas (incluindo a da direção do partido) serão encerradas a partir de 31 de dezembro de 2025. Os motivos para o encerramento das contas permanecem obscuros e o ato em si levanta mais perguntas do que respostas.
O caso também chamou a atenção para uma tendência na Alemanha que parece estar ressurgindo com mais frequência: ataques à base material de atores que criticam o governo alemão, especialmente suas políticas de guerra.
Solidariedade com Cuba como justificativa para o término do contrato?
Segundo o DKP, o encerramento da conta bancária foi precedido por uma investigação do GLS Bank sobre doações do partido a Cuba. O DKP interpreta o cancelamento subsequente como um ataque à solidariedade com Cuba.
Patrik Köbele, presidente do DKP, respondeu de forma desafiadora, afirmando que o partido fortalecerá ainda mais sua “solidariedade internacional com a Cuba socialista, que – em meio às sanções [dos EUA] que violam o direito internacional – está sendo transformada em uma acusação contra nós”. Organizações de solidariedade a Cuba que também possuem contas no GLS manifestaram preocupação de que possam ser as próximas.
Ao mesmo tempo, essa repressão drástica relacionada a Cuba não se encaixa na tendência política da Alemanha nas últimas décadas. Enquanto atores de direita gostam de denunciar a ilha como uma “ditadura”, Cuba apresenta uma imagem relativamente positiva, mesmo em círculos liberais de esquerda – como um país pobre e oprimido que supostamente demonstra que o socialismo é “uma bela ideia que falha na prática”.
A Alemanha não impõe sanções a Cuba. Agências de viagens comuns vendem passagens aéreas para a ilha, e rum cubano, charutos e produtos similares estão disponíveis não apenas em lojas de comércio justo, mas também em supermercados e tabacarias alemãs.

Presidente do DKP, Patrik Köbele (segundo à direita), entrega doações a representantes do Partido Comunista de Cuba (PCC) em Havana
Partido Comunista de Cuba (PCC)
Por essa razão, alguns suspeitam que a ação contra o DKP esteja mais intimamente ligada à sua posição sobre a guerra na Ucrânia. Mas isso levanta outra questão: por que invocar Cuba, afinal, quando a guerra na Ucrânia é um campo de batalha político muito mais carregado de conotações morais na Alemanha – um campo onde leis inteiramente novas já foram criadas para criminalizar opiniões divergentes?
Pressão da administração Trump?
Se Cuba for de fato o problema, pode-se supor que a pressão tenha vindo dos EUA. Durante o verão, o bloqueio e as sanções que Washington impôs ilegalmente ao pequeno país socialista há décadas foram mais uma vez reforçados pelo governo Trump. As novas medidas visam principalmente as transações financeiras.
Essa suspeita é reforçada por outro caso. Como o autor apurou, a organização de assistência jurídica de esquerda Rote Hilfe (Ajuda Vermelha), que também tem conta no GLS, foi questionada de forma semelhante.
No caso dela, o foco teria sido o chamado “Antifa Leste”, para cujos processos judiciais a Rote Hilfe arrecada doações. Essa designação se refere a diversos ativistas antifascistas acusados de terem atuado de forma militante contra estruturas neonazistas no leste da Alemanha durante muitos anos.
Em 13 de novembro de 2025, o governo Trump incluiu essa estrutura – cuja existência como organização coerente é altamente questionável – em sua lista de “organizações terroristas estrangeiras”, com vigência a partir de 20 de novembro.
Além disso, o chamado “Programa de Recompensas por Informações”, conduzido pelo FBI, CIA, NSA e Departamento de Defesa, anunciou recentemente uma recompensa de US$ 10 milhões por informações sobre diversas estruturas antifascistas europeias, incluindo a “Antifa Leste”.
Quando este autor questionou o GLS sobre se o encerramento das contas poderia ser resultado de pressão direta ou indireta dos EUA, o banco respondeu referindo-se genericamente a “obrigações regulatórias”, que também constam em seu site. No topo dessa lista está o dever de “prevenir a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo”.
A acusação de “terrorismo”, contudo, em relação ao DKP e Cuba ou à Rote Hilfe e ao “Antifa Leste”, é feita exclusivamente pelos Estados Unidos.
Uma prática cada vez mais comum
Independentemente de os encerramentos serem resultado da pressão direta dos EUA, das autoridades alemãs ou de uma ação preventiva da GLS, tais ataques têm se tornado mais frequentes na Alemanha nos últimos anos. Por vezes, também afetam atores de direita ou “críticos da COVID”. Acima de tudo, e cada vez mais, têm como alvo organizações e indivíduos que se opõem ao discurso bélico anti-Rússia ou expressam posições pró-Palestina.
Desde 2016, diversos partidos, organizações e editoras de esquerda e de solidariedade à Palestina perderam suas contas bancárias, incluindo – em múltiplas ocasiões – a Voz Judaica por uma Paz Justa. Indivíduos também têm sido afetados repetidamente nos últimos anos.
Um caso particularmente extremo é o de Hüseyin Doğru. Ele foi o fundador da Red Media, um pequeno, mas influente veículo de comunicação de esquerda, publicado principalmente em inglês, dirigido a partir da Alemanha e conhecido por noticiar regularmente a repressão anti-palestina no país.
A Alemanha incluiu a Red Media e Doğru na lista de sanções da UE. Desde então, segundo as autoridades alemãs de repressão, Doğru está proibido de trabalhar ou receber benefícios. Qualquer pessoa – incluindo sua própria esposa – que forneça apoio financeiro ou material ao pai de vários filhos está sujeita a processo judicial.
Influenciadores alemães “pró-Rússia” também foram submetidos a sanções semelhantes, que na prática equivalem à desnaturalização – algo que é tecnicamente ilegal na Alemanha desde a libertação do fascismo.
Mesmo que essas medidas representem as formas – até agora – mais extremas desse tipo de repressão, elas compartilham a mesma lógica central do encerramento de contas: os afetados devem ser privados de seus meios de subsistência.
*Artigo publicado originalmente na Peoples Dispatch
Visto antes em: Opera Mundi
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