Luiz Fernando Veríssimo
Salvos
A rainha Elizabeth acordou num sobressalto. Havia alguém no seu quarto! Acendeu a luz e viu que era o príncipe Philip.
— Calma, Beth. Não consegui dormir, pensando no casamento do William, nosso neto. Essa Kate... Não será uma nova Diana, que vem infernizar nossas vidas?
— Philip, como sempre você não entendeu nada. Esse casamento é a melhor coisa que poderia ter nos acontecido. Para começar, reforça a ideia que o William seja meu herdeiro, o que pouparia o Reino Unido de ter o Charles como rei e aquela Camilla como rainha. Você sabe que eu só não morri ainda para evitar que isso aconteça. Em segundo lugar, o casamento estimulará a economia, atrairá turistas e, o mais importante, salvará a monarquia. Eu sei que você só lê o noticiário do turfe mas deve ter ouvido falar que estamos numa recessão, e que o novo governo está impondo medidas drásticas de contenção de despesas. Não demoraria muito e aumentaria a discussão sobre os custos da monarquia. Cedo ou tarde alguém perguntaria se os cortes nos gastos sociais não deveriam incluir o que você gasta com conhaque, Philip. A movimentação em torno do casamento e o entusiasmo das pessoas com o casal acabarão com essa discussão. A Kate é um pouco magrinha demais para o meu gosto, mas é ela que garantirá nossa mesada por mais alguns anos.
— Você acha?
— Acho, Philip. Agora volte para o seu quarto.
O FASCÍNIO
As monarquias sobrevivem do seu fascínio, mesmo quando só fornecem uma teatralização do poder. O fascínio aumenta quando o teatro envolve um jovem príncipe e uma bela moça, mas até um rei sem graça pode contar com a benevolência dos plebeus.
Todo mundo gostou quando, naquele recente encontro de países ibero-descendentes, o rei Juan Carlos da Espanha mandou o Hugo Chávez calar a boca. O Hugo Chávez precisa que o mandem calar-se de vez em quando, mas ninguém se perguntou o que um rei fazia numa reunião em que a maioria era de repúblicas nascidas de rebeliões contra reis. Ele não estava representando a Espanha; o primeiro-ministro Zapatero fazia isso. Talvez representasse a dinastia dos Bourbons. E quem sabe um pouco de história sabe que os Bourbons têm um prontuário de crimes que vem de longe, inclusive na América Latina.
O Juan Carlos é simpático, foi importante na redemocratização da Espanha e não pode ser cobrado pela sua ascendência, mas poderiam ao menos ter cobrado sua presença anacrônica na reunião. Ou não. Afinal, ninguém espera que se vá evocar o passado também manchado da Casa de Windsor ao comentar o casamento de William e Kate. O fascínio absolve tudo.
Luiz Fernando Veríssimo

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