do Blog da Cidadania
Nas últimas duas semanas, vem sendo cada vez mais comentado o roubo de dinheiro público durante o processo de privatização de empresas estatais conduzido pelo primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, roubo esse que se deu através de pagamento de propinas a figuras-chave do governo tucano, figuras entre as quais se destacou o ex-ministro do Planejamento José Serra.

Esse debate, desencadeado pelo livro-bomba A Privataria Tucana, vai crescendo devido a uma sensação da sociedade que a obra, por se concentrar mais no aspecto criminal, não aborda adequadamente. Refiro-me à sensação que o brasileiro tem de estar pagando até hoje pela forma desonesta com que o patrimônio público foi entregue a grupos econômicos nacionais e estrangeiros.
Antes que digam que inventei esse sentimento anti privatizações que há no Brasil, informo que essa afirmação se sustenta na última pesquisa sobre o tema que foi divulgada publicamente e que foi feita em 2007 pelo instituto Ipsos sob demanda do jornal O Estado de São Paulo.
Segundo a pesquisa, a maioria dos brasileiros (62%) é contra a privatização de serviços públicos. Apenas 25% aprovam. Isso ocorre devido ao povo achar que os serviços prestados à população em telefonia, estradas, energia elétrica e água e esgoto pioraram.
Detalhe: as mais altas taxas de rejeição (73%) apareceram entre os que têm nível superior de escolaridade e nas classes A e B.
Mas nem seria preciso que a pesquisa fosse feita. O tema privatizações veio à baila em 2006, durante a disputa eleitoral entre Lula e Geraldo Alckmin, e voltou à ribalta na disputa do ano passado, entre José Serra e Dilma Rousseff. Nas duas oportunidades, candidatos do PSDB, hoje visto como o partido das privatizações, tentaram se desvincular dessa pecha negando até a morte que pretendiam privatizar mais alguma coisa.
O livro sobre a privataria tucana mostra que nem sempre foi assim. A certa altura dos primeiros capítulos, o jornalista Amaury Ribeiro retrata as cobranças que a imprensa fazia abertamente ao governo FHC para que privatizasse mais rapidamente o que aquela mesma imprensa trataria de comprar, sobretudo na telefonia, e como ele dava garantias públicas aos futuros compradores da mamata de que privatizaria “tudo que fosse possível”.
Mas por que os brasileiros, que em meados dos anos 1990 apoiavam a venda indiscriminada de patrimônio público, passaram a ter tanta ojeriza à simples menção a privatizar qualquer coisa?
Garanto que não foi por falta de propaganda positiva alardeada pela imprensa desde antes de a privataria ser desencadeada no início dos anos 1990 pelo governo Fernando Collor de Mello. De lá para cá, incontáveis falácias foram despejadas sobre a sociedade para vender as privatizações como “modernidade” e para demonizar o papel do Estado na economia.
Tente se lembrar, leitor, de quantas vezes você já leu ou escutou frases como essa:
“A privatização nos permite ter hoje telefones à disposição de todos, quando antes telefone era coisa de rico, declarada até no imposto de renda.”
Tremenda empulhação. O que ampliou e barateou a oferta de linhas telefônicas foi a tecnologia. Nos anos 1990 houve uma revolução, um salto tecnológico sobretudo devido à fibra ótica. É o bom e velho efeito vídeo-cassete, em que o desenvolvimento tecnológico vai reduzindo preços. Quanto custava um notebook há alguns anos e quanto custa hoje?
Também dizem que havia que privatizar porque o Estado não dispunha de recursos para ampliar a rede de telefonia, para expandir a distribuição de energia elétrica ou para melhorar as estradas. Outra falácia. O livro do Amaury Ribeiro mostra que quem bancou a privatização foi o Erário, via financiamentos do BNDES aos clientes da privataria, e que as empresas foram pagas com moedas podres, isso quando os compradores desembolsaram alguma coisa.
Mas a grande rejeição mesmo se dá no que diz respeito às tarifas. O governo FHC chegou a multiplicar por cinco de forma a tornar as estatais mais atraentes aos grupos nacionais e estrangeiros que comprariam aquela pechincha, grupos entre os quais, não me canso de repetir, estiveram os grupos de comunicação que até hoje defendem processo em que compraram tanto por tão pouco.
Outra grande razão da rejeição tão maciça da sociedade à privataria tucana, fenômeno que foi preponderante para afastar os tucanos do poder nas três últimas eleições presidenciais, reside nos abusos que empresas de telefonia e de energia elétrica, entre outras, praticam contra os consumidores.
Quem são os campeões de queixas em órgãos de defesa do consumidor se não as empresas concessionárias de serviços públicos como telefonia ou energia elétrica? Quem não passou por constrangimentos, por danos morais e materiais exasperantes nos call centers dessas empresas? Quem já não foi tratado como um idiota, sendo obrigado a ficar até mais de uma hora ouvindo musiquinha no telefone antes de a ligação cair?
O brasileiro, como a mídia não informa, não sabe que a telefonia de seu país é a mais cara do mundo, como mostra o índice de Paridade de Poder de Compra que é calculado pela União Internacional de Comunicações (UIT) em 159 países, um índice em que o Brasil aparece no último lugar. Mas este povo pressente isso, pois todos sabem quanto da renda pessoal comprometem com telefonia.
Um pacote médio de 25 minutos de chamadas e 30 torpedos sai a US$42,00 no Brasil, a US$14,8 na Suiça e a míseros US$1,00 em Hong Kong. A situação também não é muito melhor na telefonia fixa, em que a média mundial do pacote básico custa US$9,00 enquanto que, no Brasil, custa US$13,4.
Temos a telefonia tão cara até hoje porque os contratos firmados por FHC e Serra não podem ser quebrados. Como aumentaram em até 500% o preço das tarifas e combinaram com os clientes da privataria taxas de reajuste leoninas, o país paga mais caro e continuará pagando, pois o governo rever esses contratos é considerado “crime hediondo” pelos “mercados”.
E nem vou falar nos pedágios para não irritar muito o leitor, que ainda deve estar sendo assediado pela reflexão que este impiedoso blogueiro lhe provocou ao lembrá-lo da tortura dos call centers, daquela musiquinha que é um verdadeiro crime contra os direitos humanos, dos atendentes treinados para tornar penoso ao consumidor requerer e cobrar seus direitos.
A mídia, devido aos negócios da China que papai FHC e titio Serra lhe propiciaram, diz que o povo é burro e mal-agradecido por não saber avaliar essa beleza de telefonia, essas estradas privatizadas com seus pedágios baratinhos, essas distribuidoras de energia elétrica que jamais nos deixam noites seguidas no escuro, nos verões.
Tudo isso acontece, meu indignado leitor, por falta dos investimentos com os quais se comprometeram os que compraram o patrimônio público a preço de banana. Investimentos, aliás, que foram o mote da privataria…
Se fizessem uma pesquisa para saber o que o povo acha de uma CPI que investigue a origem desses tantos dissabores que lhe infernizam a vida até hoje a fim de descobrir quem ganhou, quanto ganhou e como ganhou com seu sofrimento, por certo o resultado seria igual ao da pesquisa sobre a qualidade e os custos dos serviços privatizados divulgada pelo Estadão. Alguém duvida?

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