CARTA CAPITAL
Por J.R. Penteado
Mais de duas centenas de pessoas se aglomeram para ver uma jovem egípcia falar num auditório em Londres em 1º de fevereiro. Maquiagem no rosto, ela discorria sobre seu país para um público atento. “O que está acontecendo hoje no Egito é uma revolução em andamento.”
Rosto da revolução egípcia, Gigi Ibrahim fala sobre o futuro político no Egito e critica nações ocidentais. Foto: J.R. Penteado
Aos 25 anos, Gihan Ibrahim, conhecida como “Gigi”, é membro da organização trotskista Revolucionários Socialistas e se tornou conhecida graças à Internet. Da linha de frente dos protestos que estremeceram o Egito desde o ano passado, ela transmite ao público informações que nenhum outro correspondente de um grande veículo consegue transmitir – munida apenas de um Blackberry e de sua conta no Twitter (@gsquare86).
Por meio do seu blog (http://theangryegyptian.wordpress.com), Gigi publica vídeos e fotos de manifestações na Praça Tahrir, confrontos com as forças de segurança e textos críticos em relação aos novos mandatários egípcios. Virou assunto e matéria de capa em algumas das principais publicações internacionais.
A ativista deu duas palestras, no início de fevereiro, na Universidade de Londres e na Goldsmiths College. Pouco antes do último evento, ela concedeu entrevista a Carta Capital. Fazia menos de 24 horas que o país voltara ao centro do noticiário mundial: mais cedo, cerca de 70 pessoas haviam morrido após uma partida de futebol em Port Said.
Por que você foi escolhida como um dos rostos da Revolução Egípcia?
A mídia ocidental me retratou como esse rosto aceitável, porque, obviamente, eu não uso véu, eu falo inglês perfeitamente, e pareço aceitável nos valores ocidentais.
Mas isso apenas mostra a ignorância do estereótipo que mídia ocidental possui, porque tem muitos egípcios que não se parecem como eu, que não se vestem como eu, e que são o coração dessa revolução. Eu sou na verdade a exceção. Eu só tive atenção da mídia ocidental porque eles me deram crédito porque eu estava lá o tempo todo, porque eu estava no centro da Revolução, e por não haver muitas pessoas que estavam lá desde o início que poderiam falar com a mídia ocidental sobre esses eventos.
Então infelizmente eu atraí toda essa atenção, mas isso não apaga o fato de que as pessoas que fazem essa revolução, que levaram essa revolução adiante, essas pessoas não são pessoas como eu, não são pessoas com educação ocidental, são pessoas que estão lutando pela vida real, pra ter uma vida melhor, pra ter uma melhor educação, pra ter um melhor acesso saúde, pra ter liberdade e democracia. São essas pessoas que sacrificam a vida delas e, olhando em perspectiva, me tornam irrelevante. Na verdade, eu sou a ponte que relata as histórias sobre o que estava acontecendo in loco para a esfera internacional.
O que achou da cobertura dessa mídia durante os protestos?
Os países ocidentais apoiaram os ditadores, e isso foi ignorado. E agora que as pessoas tem se revoltado e expulsado os ditadores que têm sido amparados pelo EUA e os países ocidentais, eles [a mídia ocidental] tentam apontar como a “Revolução do Twitter” ou a “Revolução Facebook” e isso basicamente deixa as coisas totalmente superficiais.
A blogueira, antes da palestra. Foto: J.R. Penteado
Eles [O Ocidente] ignoraram as raízes dessa Revolução por tanto tempo e na verdade lutaram contra ela ao apoiar os ditadores por tanto tempo. Então agora eles estão tentando dizer a nós que são amigos da Revolução, quando na verdade eles ainda estão apoiando o Conselho Militar que estão no poder, ao conceder 1,5 bilhão de dólares por ano, que é usado para matar egípcios e destruir a Revolução. Mas o fato é que ser um revolucionário socialista, estando lá o tempo todo, e sempre participando dessas lutas, dando elas a checagem necessária da realidade, se contrapondo à ignorância e a superficialidade do preconceito da mídia no que concerne ao oriente médio, tem feito as pessoas pensar diferente. Então eu acho que é importante que a Revolução tem provado isso, que apesar de todos os estereótipos, estamos destruindo totalmente o que as imagens que pessoas tinham sobre o mundo árabe. Então isso só vai continuar acontecer com a continuidade da Revolução.
Qual o verdadeiro papel desempenhado pelas redes sociais nos protestos no Egito?
As redes sociais só têm sido usadas como uma ferramenta – e isso não significa que todo mundo vai se comunicar com essa ferramenta. Quando você tem censura de imprensa, você tenta achar caminhos alternativos, no YouTube, Facebook, Twitter. São apenas algumas mídias, mas elas não mobilizam pessoas. No fim das contas, as pessoas vão para as ruas como lutadoras e não por causa de um evento do Facebook.
Mas elas foram cruciais?
Foram importantes. As pessoas poderiam passar informações precisas de pessoas que elas conheciam e estavam presentes in loco durantes os confrontos. Isso deu muita credibilidade. É jornalismo cidadão. As pessoas não sabiam como uma revolução funcionava até eles virem a revolução na Tunisia. Essas imagens mexem com suas memórias históricas. E é através de fotos e clipes e vídeos que você realmente toca as pessoas.
Um dia antes da queda, Mubarak fez um discurso na TV assegurando sua manutenção no poder. No dia seguinte, foi derrubado. O que aconteceu nesse meio tempo?
O que foi crucial foi o que aconteceu nos últimos 3 dias dos 18 dias de protestos, que foi quando os trabalhadores voltaram para seus locais trabalhos. Eles não estavam apenas saindo da praça Tahrir e voltando para os locais de trabalho.
Após levante, futuro político no Egito ainda é incerto. Foto: Odd Andersen/AFP
Eles entraram em greve demandando a queda de Mubarak, e foi isso o que derrubou o regime, não foi só apenas Tahrir, foi os trabalhadores, as greves de massa nas fábricas que realmente derrubaram o ditador. E é isso que será necessário para completar essa revolução e derrubar o regime inteiro. Fomos capazes de derrubar a cabeça do regime, mas não o regime próprio, ele ainda está vivo e se mexendo pelo Egito inteiro. E será necessário uma greve geral e mobilização geral, na praça Tahrir, nas universidades e nas fabricas pra essa Revolução se completar.
Muitas pessoas foram mortas. Você perdeu alguém próximo?
Perdi muitos amigos. Vi pessoas serem mortas na minha frente. Eu tenho um grande amigo que perdeu os dois olhos. Outro grande companheiro perdeu seu olho direito. A contra-revolução está deliberadamente cegando a revolução, eles estão deliberadamente mirando suas munições menos letais nos olhos dos manifestantes, e apesar de tudo isso, a mobilização está crescendo. Também vem crescendo um sentimento muito forte contra os militares, especialmente depois do que aconteceu na partida de futebol entre Al Ali x Port Said. Eles estavam tentando criar caos e não preveniram nenhum daqueles agressores contratados de atacar os manifestantes ao abrir os portões para eles e fechando o portão das pessoas que estavam sendo atacadas para evitar que elas fugissem. É por isso que mais de 70 pessoas morreram.
Você culpa o Conselho Militar pela tragédia?
O Conselho Militar e a policia orquestraram isso. Você não vai a nenhuma partida de futebol sem ser revistado. Como essas pessoas tinham armas brancas? Tudo aconteceu bem debaixo dos olhos da policia e dos militares, e eles não evitaram.
Qual sua opinião sobre a Irmandade Muçulmana?
A Irmandade Muçulmana tem tanta participação do antigo regime, que ainda existe, quanto o próprio Conselho Militar. Eles têm sido um grupo cooptado desde o começo. Muitas das pessoas nas lideranças são homens de negócios e profissionais com interesses escusos. Eles só usam a retorica islâmica para mobilizar as massas e isso é normal num pais conservador.
A blogueira concede entrevista em Londres. Foto: J.R. Penteado
Mas quando olhamos as suas práticas políticas, vemos que eles não são melhor que a NDP [partido de Mubarak], e na verdade eles são a NDP com barba. São homens de negócios, capitalistas oportunistas que farão negócio com quem quer que esteja no poder. Entretanto, a juventude deles tem participado ativamente nessa revolução. Para mim, o maior exemplo do quão oportunista e antirevolucionária a Irmandade Muçulmana é o que aconteceu na sexta-feira 27, quando seus membros formaram uma corrente humana ao redor do Parlamento evitando para evitar que milhares de manifestantes protestassem no Parlamento. Eles foram oprimidos por anos no regime de Mubarak e agora eles estão fazendo a mesma coisa.
Como estão as forças políticas no Egito?
Você tem na verdade um espectro muito bom, acredito. E está ganhando melhor estrutura, na medida que a revolução progride. Você tem na extrema direita os salafistas e a Irmandade Muçulmana. E aí você tem os partidos liberais e seculares no centro, como os apoiadores Baradei. Você tem os sociais democratas e os liberais democratas. E aí você tem um bom número de grupos na esquerda, incluindo os Revolucionários Socialistas, novas correntes socialistas e algumas outras fragmentações de grupos de esquerda. E aí você também tem grupos anarquistas e isso é um bom sinal, porque mesmo que eu não concorde com eles, e minha ideologia e atuação politica não estejam necessariamente alinhadas com os anarquistas, tê-los lá, como uma força politica, definitivamente equilibra as coisas. Pois você tem a extrema direita e você precisa da extrema esquerda para equilibrar as coisas. Então isso é bom
A Revolução vai triunfar?
Não tenho duvida. Claro que tenho algumas preocupações. Mas toda revolução demora 3 ou 4 anos. Não seremos capazes de ver o que essa Revolução tem feito senão daqui anos. Porque não terminou. Alguns momentos haverá altos e baixos, derrotas e vitórias, e algumas vezes nós estaremos em exilio e em prisão, e em outras vezes vamos tentar tomar o controle. Mas até os trabalhadores estarem organizados e a revolução social começar, nada vai estar pronto. Então essa é nossa esperança para que essa Revolução se torne uma revolução social para então se tornar uma revolução permanente.
Como você se tornou uma ativista política?
Eu sempre fui interessada em política. Desde o colegial eu sabia que queria estudar ciências politicas. E meu pai não pagaria pra que eu estudasse ciência políticas, então tive que ir pra uma universidade comunitária, porque eu queria estudar politica de qualquer forma.
Foto: J.R. Penteado
Por causa da diferença politica que eu e meu pai temos, a gente sempre está em desacordo, e criamos um monte de lutas internas, além das minhas lutas externas. Mas essa é a minha escolha agora. Mesmo tendo vindo de uma família capitalista, a gente sempre tem uma escolha. Eu sou uma adulta agora, eu posso escolher, eu não preciso seguir os passos do meu pai. Eu amo ele, claro, ele é meu pai, e é por isso que eu tento separar politica das questões pessoais pessoal, mas é duro, e não é sempre uma coisa fácil de lidar.
Mas houve um acontecimento específico que a fez se tornar uma ativista política?
Eu morei nos Estados Unidos de 2001 a 2008, e durante aquele tempo eu não sabia exatamente o que acontecia no Egito. Eu estava totalmente concentrada em ativismo na Califórnia, militando nas causas dos direitos dos imigrantes ilegais ou nos movimentos antiguerra, antiguerra do Iraque, e essas causas particularmente não eram muito relevantes pro Egito. Mas então eu pedi transferência para a Universidade Americana do Cairo e comecei a estudar as mobilizações do Egito e entender as coisas, a história que ocorreu no país, com as revoltas e as lutas trabalhistas. E o que me realmente me inspirou foi a Intifada de Mahala, em 2008 [revolta na cidade de Mahala contra o preço do pão, duramente reprimida pela polícia], e foi quando eu entrei para os Revolucionários Socialistas e a “revolução” aconteceu (risos).
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