Por Lilian Milena
Advogados da Massa Falida da Selecta S/A enviaram petição, em abril de 2011, desistindo de reintegração de posse, após Recurso Especial interposto por José Nivaldo de Mello, representante do movimento sem-teto Associação Democrática por Moradia e Direitos Sociais, formada pelos ocupantes de Pinheirinho, à época.
A existência desse documento (anexado no final deste texto) comprova parte das denúncias feitas pelo defensor público de São José dos Campos, Jairo Salvador, durante audiência realizada na Assembléia Legislativa de São Paulo (ALESP), em 1º de fevereiro, sobre a atuação da 6ª Vara Cível de São José dos Campos, Juíza Márcia Loureiro.
Segundo o promotor público, a maneira como a liminar de reintegração de posse foi concedida por Loureiro, no dia 1ª de Julho de 2011, atropelou uma antiga decisão, de outro juiz da mesma vara que, em 2005, indeferiu o pedido de reintegração solicitado pela Massa Falida da Selecta.
Em breve, a Agência Dinheiro Vivo publicará outra matéria com os argumentos do juiz assessor da vice-presidência do TJ-SP, Rodrigo Capez.
Cronologia dos fato
Em 2004, logo depois da ocupação do terreno de Pinheirinho, por famílias sem-teto, advogados da Massa Falida da Selecta S/A entraram com pedido de reintegração na 18ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), responsável por casos que envolvem empresas na falência.
Dentro da lei de falência existe o chamado juízo universal da falência, a partir desse princípio todas as ações contra a massa falida, ou que nela tenham interesse, devem ser propostas no Juízo Falimentar, nesse caso 18ª Vara Cível do TJ-SP.
O pedido foi entregue ao juiz Luiz Beethoven Giffoni Ferreira que, em setembro de 2004, concede liminar de reintegração e envia uma carta precatória ao juiz da 6ª Vara Cível de São José dos Campos pedindo cooperação no cumprimento da ordem.
Quem recebe o processo em São José é o juiz Marcius Geraldo Porto de Oliveira que, ao invés de cumprir, considera que a função social da propriedade e o direito a moradia, previstos na Constituição Federal, devem ser observados antes de qualquer ação de reintegração de posse. Assim, são expedidos ofícios ao prefeito, governador e ao então presidente Lula para que encontrem uma solução de moradia para as famílias de Pinheirinho.
A decisão de Marcius inicia uma nova batalha jurídica para determinar quem tem competência para julgar o pedido de reintegração de posse, porque os dois juízes, tanto da 18ª Vara, quanto da 6ª Vara, são de mesma hierarquia. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhece a incompetência do juiz da 18ª Vara e remete o caso para a 6º Vara Cível de São José dos Campos. A partir disso, a situação de litígio volta para estaca zero.
No dia 6 de maio de 2005, o juiz de plantão Paulo Roberto Cichitosi indefere (nega) o pedido de cumprimento da liminar. Contra esse indeferimento a massa falida entra com recurso (chamado juridicamente de agravo de instrumento) no TJ-SP. O juiz responsável, Candido Alem, julga procedente a liminar de reintegração.
Os ocupantes entram com um novo agravo de instrumento, dessa vez no STJ, contra a decisão de Alem, com base nos quesitos do artigo 526 do Código de Processo Civil, onde determina que, quando se entra com um agravo de instrumento, tem-se até três dias para comunicar o juízo de origem sobre o fato. Ou seja, a 6ª Vara Cível de São José deveria ter sido informada até três dias depois da existência do recurso da massa falida no TJ-SP.
"E eles passaram mais de um mês para comunicar o fato", conta o promotor público Jairo Salvador. Isso invalida, juridicamente, a decisão de Alem. Em abril de 2011, o STJ dá ganho de causa para os ocupantes e considera que o agravo de instrumento nunca existiu. Com isso, acabam as possibilidades da massa falida abrir mais recursos contra o indeferimento da liminar de reintegração.
No dia 11 de abril, 2011, pouco tempo antes da decisão do STJ, a massa falida encaminha petição ao juiz da 6ª Vara Cível de São José dos Campos, desistindo da liminar. Ao invés de tomar conhecimento disso, em 1º de julho de 2011, Márcia Loureiro determina a desocupação de Pinheirinho e reintegração à massa falida.
No texto da petição a juíza determina o cumprimento da ação com base na liminar deferida pelo juízo da época, isso é, Beethoven. Entretanto a decisão do juiz da 18ª Vara estava anulada com o julgamento do STJ.
Assim, juridicamente, Loureiro só poderia determinar a reintegração se uma das partes envolvidas no litígio tivesse se manifestado. Mas o que ocorreu foi justamente o contrário, conforme a petição do dia 11 de abril, da própria massa falida, desistindo da liminar de reintegração, iniciada em 2004.
Em 17 de outubro, 2011, a juíza reitera sua decisão, dessa vez, admitindo que, no documento anterior, se expressara de forma errada:
“este juízo determinou o cumprimento da liminar em 01.07.2011, talvez com impropriedade terminológica não ditar que o processo deveria retomar seu curso normal ‘com o cumprimento da liminar deferida pelo juízo da causa à época’ (fls. 567), quando na verdade, melhor seria ter dito que pelos mesmos motivos que ensejam o deferimento da liminar em 10 de setembro de 2004, pelo então juiz da 18ª Vara Cível por onde tramita a falência e incompetente para o processamento e julgamento da presente possessória...”. (grifo nosso).
Nesse mesmo despacho a juíza faz referência ao Recurso Especial interposto pelos moradores de Pinheirinho, que abasteceu de argumentos o juiz da 6ª Vara, Marcius Geraldo Porto de Oliveira, quando não aceitou o pedido da massa falida para que fosse cumprida a liminar de reintegração do juiz da 18ª Vara, em 2004.
Em 17 de janeiro, de 2012, tropas formadas por um corpo de 2 mil policiais militares e civis se deslocam em direção a Pinheirinho para cumprir o mandado da justiça estadual.
Nesse mesmo dia, às 4h20 da manhã a juíza federal de plantão Roberta Monza Chiari expede mandado para interromperem a operação, alegando interesse da União sobre o caso. Assim, a justiça estadual não poderia tomar decisão solitária de reintegração. Tropas policiais dão a volta, abortando a missão.
Horas mais tarde, o juiz da 3ª Vara Federal de São José dos Campos, Carlos Alberto Antonio Junior, reinterpreta a decisão de Chiari e considera que a justiça estadual estava correta e poderia agir por conta própria na desocupação.
A Associação Democrática por Moradia e Direitos Sociais recorre ao Tribunal Regional Federal de São José dos Campos. Quem recebe o agravo de instrumento é o desembargador Antonio Cedenho, que, em 19 de janeiro, considera que a União tem interesse na regularização fundiária das famílias que ocupam o imóvel e restabelece a decisão da juíza de plantão Roberta Chiari.
As justificativas tanto de Chiari quanto de Cedenho se pautaram num ofício do Ministério das Cidades endereçado, no dia 6, à juíza Márcia Loureiro, solicitando o adiamento da reintegração de posse por 120 dias, tempo que, segundo a pasta, seria o suficiente para prepararem “uma solução pacifica e que também contemple o viés habitacional para as famílias envolvidas”, em conjunto com o programa habitacional do Estado de São Paulo e prefeitura de São José dos Campos.
A justiça estadual alega que a União entrou no caso por interesse político, e que se tivesse interesse jurídico no caso já teria decretado a desapropriação da área. “Só não o fez, porque, a ação abriria margem para a regularização fundiária em todos os cantos do país”, argumenta o juiz assessor da vice-presidência do TJ-SP, Rodrigo Capez.
Em 22 de janeiro, domingo, às 5h40 da manhã, policiais militares e civis invadem Pinheirinho, retirando cerca de 8 mil pessoas do terreno de 1,3 milhão de metros quadrados.
Moradores entram com mandado de segurança encaminhado ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Cesar Pelus, contra a ação da Justiça Estadual. Em 24 de janeiro, o ministro nega esta liminar, por entender que o pedido de mandado de segurança é inviável dentro das normas jurídicas.
Nos autos do processo de Pinheirinho, a juíza Loureiro afirma que não faltou tempo para moradores, prefeitura, Estado e União discutirem uma saída pacífica. O que só não foi feito devido a recusa dos ocupantes do terreno em aceitarem uma proposta feita pela massa falida que seria a permanência das famílias em Pinheirinho durante mais 2 anos enquanto aguardassem a construção de um conjunto habitacional na Vila Cândida, bairro que fica no outro extremo de São José dos Campos numa zona menos urbanizada, longe do centro e margeado pelo Rio Paraíba.
Pinheirinho ocupa área de 1,3 milhão de metros quadrados, situada na zona sul de São José dos Campos. No outro extremo da cidade está Vila Cândido, que mede um quinto do terreno de Pinheirinho.
O juiz Capez explicou que, apesar do conflito de competências que surgiram nas tentativas de interrupção do processo de desapropriação de Pinheirinho, a justiça federal acabou “prestando um bom serviço”. Na primeira mobilização para a reintegração de posse, no dia 17 de janeiro, todos os moradores estavam preparados para um enfrentamento, ao contrário do dia 22, domingo, quando a polícia chegou de surpresa.
Atualmente
O procurador geral da República, Aurélio Rios, ingressou com recurso no STJ contra o Tribunal de Justiça de São Paulo. Isso porque o TJ-SP não poderia ter realizado a reintegração de posse após decisão da 3ª Vara Federal de São José dos Campos, impedindo a ação. O STJ seria o único ente capaz de decidir qual dos dois poderes está apto para dar andamento ou impedir a liminar de desapropriação.
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Luís Nassif Online
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