Publicado originalmente no Common Dreams.


POR TARIQ ALI

Mais uma vez, parece que a Rússia e os Estados Unidos estão encontrando dificuldades para chegar a acordo sobre a forma de lidar com as respectivas ambições. Este choque de interesses atingiu o auge na crise ucraniana. A provocação, neste caso particular, como sugere a gravação que vazou de uma diplomata dos EUA, Victoria Nuland, dizendo “Foda-se a União Europeia”, veio de Washington.

Várias décadas atrás, no ápice da Guerra Fria, George Kennan, um estrategista da política externa americana informou a audiência de suas palestras: “Não há , deixe-me assegurá-los, nada na natureza mais egocêntrico do que a democracia em apuros. Logo ela se torna vítima de sua própria propaganda. Em seguida, ela tende a dar a sua causa um valor absoluto que distorce a sua própria visão… O inimigo se torna a personificação de todo o mal. Ela é o centro de todas as virtudes”.

E assim continua. Washington sabe que a Ucrânia tem sido sempre um assunto delicado para Moscou. Os ultranacionalistas que lutaram com o Terceiro Reich durante a Segunda Guerra Mundial mataram 30 mil soldados russos e comunistas. Pavel Sudoplatov, um chefe da inteligência soviética, escreveu em 1994: “As origens da Guerra Fria estão intimamente entrelaçadas com o apoio ocidental à agitação nacionalista nas áreas bálticas e na Ucrânia ocidental.”

Quando Gorbachev assinou o acordo da reunificação alemã, o secretário de Estado dos EUA Baker assegurou-lhe que “não haveria expansão da jurisdição da Otan nem uma polegada para o leste” . Gorbachev repetiu: “Qualquer expansão da Otan é inaceitável.” A resposta de Baker: “De acordo”. Uma das razões que levaram Gorbachev a apoiar publicamente Putin na Crimeia é que sua confiança no Ocidente foi tão cruelmente traída.

Enquanto Washington acreditava que os líderes russos cegamente faziam o que lhe interessava (especialmente o bêbado Yeltsin), Moscou teve apoiou. O ataque de Yeltsin ao parlamento russo em 1993 foi festejado nos meios de comunicação ocidentais. As agressões à Chechênia por Yeltsin e depois por Putin foram tratadas como um pequeno problema local por George Bush e Tony Blair. “A Chechênia não é o Kosovo”, disse Blair depois de sua reunião com Putin em 2000.

O livro de Tony Wood, “Chechênia: A Favor da Independência”, fornece capítulo e versículo dos horrores que foram infligidos a esse país. A Chechênia tinha sido independente entre 1991 e 94. Seu povo observou a velocidade com que as repúblicas bálticas fizeram sua independência e queria o mesmo para si.

Em vez disso, foram bombardeados. Grozny, a capital, foi praticamente reduzida a pó. Em fevereiro de 1995 dois economistas russos corajosos, Andrey Illarionov e Boris lvin, publicaram um texto no Moscow News a favor da independência da Chechênia e o jornal também publicou algumas excelentes reportagens que revelaram atrocidades em grande escala, superando o cerco a Sarajevo e o massacre de Srebrenica. Estupro, tortura, refugiados desabrigados e dezenas de milhares de mortos. Nenhum problema para Washington e seus aliados da União Europeia.

No cálculo dos interesses ocidentais não há sofrimento, qualquer que seja a sua dimensão, que não possa ser justificado. Chechenos, palestinos, iraquianos, afegãos, paquistaneses são de pouca importância. No entanto, o contraste entre a atitude do Ocidente em relação à guerra na Chechênia e a Crimeia é surpreendente.

A invasão da Crimeia não teve nenhuma perda de vida e a população claramente queria fazer parte da Rússia. A reação da Casa Branca foi o oposto da sua reação à Chechênia. Por quê? Porque Putin, ao contrário de Yeltsin, está se recusando a baixar a cabeça para a expansão da Otan, as sanções ao Irã, a Síria etc. Como resultado, ele se tornou o Mal em pessoa. E tudo isso porque decidiu contestar a hegemonia dos EUA usando os métodos frequentemente implantados pelo Ocidente. (As repetidas incursões da França na África são apenas um exemplo.)

Se os EUA insistem em usar o ímã da Otan para atrair a Ucrânia, é provável que Moscou irá separar a parte oriental do país. Aqueles que realmente valorizam a soberania ucraniana devem optar pela independência real e uma neutralidade positiva: nem um brinquedo do Ociente e nem de Moscou.


Diário do Centro do Mundo



2 Comentários

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  1. muito deficil uma independencia da Ucrania neutra, sabe porque: Porque se eu fosse o Presidente da Russia nao permitiria que a Ucrania sua vizinha fosse livre ao ponto de permitir que os EUA coloque bases militares espioes e sabe-se la o que. Depois se os EUA quebrou o compromisso que assumiu de nao investir contra países eurasianos é sinal que eles nao estao dispostos a deixar esses países em paz. Mesmo porque a investida dos EUA contra a Russia tem muito a ver com o IMPEACHMENT DA RUSSIA QUANDO OS AMERICANOS QUERIAM INVADIR A SIRIA. Ou seja a tormenta na Ucrania tem muitro a ver com as pretençoes dos americanos em invadir a Siria, matar ou prender seu presidente eleito pelo povo Sirio. e a Russia disse nao. entao os EUA começou seu plano de tumultuar as regioes proximas da Russia para destruir seu poder de fogo e atuaçao.

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  2. Sendo eu presidente de qualquer país eurasiano, nao permitiria que os EUA ajudasse qualquer naçao com a falsa ideia de democracia. Vejam o que eles fizeram logo de inicio na Ucrania. levaram todas as suas reservas em ouro numa operaçao nas caladas da noite. se o país ja estava em crise devendo a todo mundo pior agora sem reservas. Voces acham que os EUA esta ligarando para isso. Nem um pouco. fizeram o mesmo no Iraq. depois da invasao levaram todos os equipaemntos belicos que nao foram destruidos, armas, e muitas dessas armas foram parar nos morros do RJ.

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